O SUPER RICO
01 - APEGO AOS
BENS MATERIAIS.
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Sorrio pra valer toda vez
que me recordo das “tiradas” do Ricardo, meu sétimo neto, carinhosamente
chamado de Rico pelos familiares.
Minha saudosa mãe adorava
ouvir suas histórias, respostas ou perguntas sempre apoiadas em lógica
irretorquível, presença de espírito e fino humor. Afirmava repetidas vezes ser
o Rico um espírito velho que sabia das coisas.
Mamãe recomendava que
anotássemos tudo para que nada caísse no esquecimento. Hoje, lamento muita
coisa já não mais lembrada.
Certo domingo, quando tinha
cinco anos de idade, sua mãe, a minha filha Vânia, levou-o à praia de Guaxuma,
em companhia de sua irmãzinha Natália e de um primo. Na pressa e na euforia de
estrear o “buggy”, esqueceu a bolsa com documentos e dinheiro.
Na volta, o vexame. O guarda
de trânsito, à falta da apresentação do documento do carro, da carteira de
motorista e até da identidade, informava autoritário que o veículo ficaria
apreendido.
De nada valeram a
justificativa de esquecimento e o apelo patético em nome das três crianças. O
guarda estava irredutível, afirmava estar agindo de acordo com as normas
vigentes, cumprindo o regulamento, obedecendo a ordens.
A argúcia do Rico
manifestou-se no momento próprio, ao interpelar a genitora:
- Mãe, você não está vendo que ele quer um
dinheirinho? Dê logo e ele deixa a gente ir embora!
Antes da repreensão materna,
veio a resposta da “autoridade”:
- Veja, senhora, que garoto
inteligente! Num instante, achou a solução adequada!
E lá se foi a única cédula
de cinco mil cruzeiros encontrada na sacola do protetor solar.
De outra feita, na nossa
casa de praia da Barra de São Miguel, hospedou-se um casal amigo. Ela alva, ele
preto. Um contraste para os preconceituosos e maledicentes.
Na manhã seguinte, meu
cunhado chamou o Rico:
- Venha cá, negão! Sente aqui,
junto do tio.
A resposta veio na hora e
contundente. Apontando para o pavimento superior, replicou:
-O negão está lá em cima,
dormindo.
Assim é o meu neto. Vivo,
perspicaz, irreverente, peralta como qualquer menino da sua idade, mas capaz de
sustentar uma conversação de adulto.
O Rico parado, imaginativo é
um perigo. Pode esperar, vem bomba.
Aos nove anos, revelou mais
uma vez toda a sua curiosidade, capacidade de raciocínio e independência de
pensamento religioso. Malgrado, naquela época, estudar no Colégio Santíssimo
Sacramento, de rigorosa orientação católica, saiu-se com uma pergunta que gerou
um interessante diálogo:
- Mãe, você é espírita, não
é?
- Sim, filho, sou espírita
por opção, por convicção.
- Papai é católico por quê?
Como é possível marido e mulher não serem da mesma religião?
- É, sim, porque há o
respeito mútuo ao direito de pensar livremente, sem preconceito, sem
intolerância ou intransigência. Se todos pensassem e agissem desse modo, não
teria havido nem aconteceriam mais as perseguições e guerras religiosas. O
mundo estaria hoje mais cristianizado.
- Qual a diferença entre
católico e espírita?
- Filho, os caminhos são
diversos, contudo a meta é uma só
- Deus. Na essência, todas
as religiões são boas, ensinam o bem e o amor. Em alguns casos, os homens, por
ignorância, vaidade, ambição desmedida ou por outros interesses inconfessáveis,
mistificam, distorcem o verdadeiro sentido doutrinário de sua crença.
- Sim, mas eu quero saber a
diferença. Você não respondeu!
- Entenda, o Catolicismo e o
Espiritismo abraçam como fundamento o Evangelho de Jesus. As diferenças estão
na interpretação e aplicação de alguns textos.
O Espiritismo é a
revivescência da pureza e singeleza do primitivo cristianismo; firmemente
apoiado nos três colossais pilares — CIÊNCIA, FILOSOFIA, RELIGIAO - rejeita o
misticismo, questiona o miraculoso, aceita princípios que não se choquem com a
razão e possam ser cientificamente comprovados. O Espiritismo é o Consolador
prometido por Jesus.
- Quais são os textos, quais
as interpretações?
- Vamos ao principal. O
Catolicismo adota como dogma de fé a teoria de que a alma é criada por Deus no
momento da concepção, que o espírito tem uma única encarnação, ou seja, apenas
uma vida na Terra e, dependendo de como viveu, depois da morte, vai para a
ociosidade de um céu de eterna glória e contemplação da divindade, ou para o
inferno de sofrimentos sem fim, sem remis-são. E a idéia de um Deus rígido, sem
misericórdia.
- Um céu só de contemplação
deve ser muito chato e esse tal de inferno, uma “barra pesada” que não tem nada
a ver com a bondade de Deus! Como é a versão espírita?
- O Espiritismo ensina que
os espíritos são criados por Deus, simples e sem sabedoria, aos quais são
permitidas inumeráveis vidas neste ou em outros planetas dos bilhões de
sistemas planetários que povoam a imensidão do universo.
- E por que viver tantas
vezes?
- Para aprendizagem e para a
grande busca do aperfeiçoamento até a angelitude. Deus não condena nenhum de
seus filhos à perdição, ao contrário, querendo que não se perca um só deles,
dá-lhes sempre novas oportunidades de corrigenda. É a lei reencarnacionista.
Assim se manifestam a justiça e a bondade de Deus.
- Reencarnação tem
lógica!... então, eu sou espírita.
- Quem falou a você de
reencarnação? De onde tirou essa certeza de que é uma verdade?
- Ninguém falou, mas eu sei,
está dentro de mim. Se houvesse uma só vida, quem nascesse pobre estaria no
prejuízo.
- Gostei, Rico, do seu
raciocínio!
- Fale mais, mamãe, também
estou gostando.
- Na hipótese de uma única
vida, como entender a Suprema Justiça?
Uns nascem com todas as
possibilidades de uma vida normal, têm família organizada, situação financeira
estável, meios de estudar, trabalhar, crescer, melhorar-se.
Outros nascem em completa
penúria, falta-lhes o básico, são párias da sociedade.
Somente a reencarnação
explica tais desníveis, como meios de reparação de delitos cometidos no
passado. Deus, por ser justo e bom, oferece--nos renovadas chances; nós,
pecadores recalcitrantes, escolhemos as provas para nossas almas endividadas.
Encerrada a conversação,
Rico recolheu-se introspectivo como é comum quando as “idéias” lhe assediam a
mente.
Ao despertar, voltou a
indagar:
- Mamãe, quando eu for
reencarnar, posso nascer seu filho outra vez?
- Em princípio, pode, é uma
escolha. Deus, entretanto, sabe melhor o que é bom para nós.
- Então, eu vou pedir a
Deus.
- Você gosta tanto assim da
mamãe para querer ser meu filho de novo?
- Gosto, sim, nosso
relacionamento é antigo. Vivemos juntos em muitas outras vidas.
Minha mãe tinha razão. O
Rico é um espírito “velho”, vivido, guarda latente nos refolhos da alma um
acervo de conhecimentos adquiridos em múltiplas experiências reencarnatórias,
esboçado em sua personalidade forte e generosa.
Hoje, Rico, dia 29 de março
de 2000, você completa quatorze anos, é o adolescente que transita daquela fase
infantil de rara graciosidade para a de adulto responsável, perquiridor.
Continue o bom filho, o bom
irmão que você é. Seja o cidadão honesto, ordeiro, trabalhador e fiel operário
da Seara de Jesus.
Vovô admira-o, ama-o com
ternura.
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Livro:o Pulo do Gato
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