O NAUFRAGIO
01 - APEGO AOS BENS MATERIAIS.
O mar refletia a luz do sol em suaves
ondulações de prata enquanto o barco deslizava sereno singrando as ondas. Tudo
era calma, paz, e todos os passageiros daquele navio de luxo, ocupavam-se em
agradáveis entretenimentos.
Pelo convés espalhavam-se em deliciosas
cadeiras, os leitores inveterados, e os gozadores do repouso agradável após o
almoço lauto e bem preparado.
Tudo era ordem, calma e tranqüilidade.
Distraídos, tranqüilos, nenhum deles
percebeu que grossas nuvens começavam a formar-se no céu onde o sol, aos
poucos, se foi retirando, enquanto o mar, antes sereno e calmo, agora se
encapelava aumentando o balanço do navio.
De repente, a chuva violenta e forte e,
recolhidos em seus camarotes, todos procuravam segurar-se arrumando seus
pertences, amarrando as malas para que não dançassem pelos aposentos.
Era difícil manter-se em pé e os
assustados passageiros seguravam-se como podiam, alguns obedecendo às ordens do
comandante, amarrando-se no leito, outros tentando segurar-se.
O pavor tomava conta de todos.
A um canto do aposento, rico industrial
segurava-se ao máximo, tentando conservar a calma, porém, seus olhos refletiam
medo e desespero.
— Tenham calma, — pedia o comandante com
voz firme. — Mantenham-se em seus camarotes. Amarrem-se no leito. A tempestade
vai passar.
O industrial porém não conseguia
acalmar-se. Nem a voz do comandante, vinda pelo interfone, conseguia
sossegá-lo. Tinha medo da morte.
Pela primeira vez em seus 50 anos,
olhava-a de frente e cogitava de que ela podia chegar de um momento para outro.
Amarrado ao leito, ele pensava. Tinha
lutado muito para conseguir ser rico e respeitado. Nascera de família pobre e
desde cedo formulara o propósito de subir na vida. Era seu fim. Sua meta. Tudo
quanto fizera fora em função desse objetivo. Tinha estudado Direito com
dificuldade e sujeitara-se às mais duras humilhações, sem salário, sendo à
sombra de homens poderosos, para aprender o caminho da riqueza e do poder.
Nessa luta, tinha passado por cima dos
sentimentos, do amor, e até da honra, que colocava como um meio utilizável,
desde que não viesse a público.
Seu casamento foi de interesse, seu lar
de aparência, sua vida, dupla. Em casa o esposo íntegro, correto, exigente,
altivo e sério.
Fora, nos negócios, o inteligente, o
sagaz, o ousado, o forte oprimindo os mais fracos, arrasando-os em proveito
próprio. Era temido e respeitado. E, no íntimo, procurava satisfazer suas
emoções com conquistas galantes, discretas quando, porém, extravasava seus
instintos sensuais em ligações viciosas que conservava a seu bel-prazer e das
quais desvencilhava-se quando se cansava, sem nenhuma preocupação ou remorso.
Assim levava a vida e julgava-se um
vencedor. Finalmente, depois de tantos anos, decidira viajar. Fazer aquele
cruzeiro para começar a usufruir a posição conseguida com tanto esforço.
Para a família, alegara stress por
excesso de trabalho, mas nas indústrias que presidia, tudo corria bem nas mãos
de assessores de confiança.
E, para sua maior alegria, a jovem
secretária que lhe despertava todos os sentidos de cobiça concordara em
acompanhá-lo.
Para guardar as aparências, cada um com
uma cabina, claro. Ele não queria manchar sua imagem de homem sóbrio.
Com que prazer antegozara a viagem.
Comprara roupas, preparara-se.
Apavorado, agora, rememorava toda sua
vida.
Estava com medo. Arrependia-se de se ter
metido naquela aventura. Fazia uma semana que tinham saído do Rio de Janeiro e
sua aventura fora maravilhosa. Mas agora, estava ali só e apavorado.
O barco jogava cada vez mais e ele por
certo iria naufragar. Onde estava Estela? Por que não ficava ali, com ele?
Suor frio corria-lhe pelas faces
pálidas.
O que fazer? Ele, um homem de ação que
dominava todos, que tinha dominado a própria vida. Como se deixar morrer agora,
sem fazer nada, amarrado à cama como um cão?
Resolveu-se. Não se ia entregar. Queria
viver! Iria lutar.
Com mãos trêmulas desatou os lençóis e
com dificuldade conseguiu manter-se agarrado aos móveis.
O barco jogava impiedosamente.
Decidido, ele procurou reunir seus bens
em um saco plástico. Larga soma em dinheiro, jóias, documentos, etc.
Amarrou bem em volta do pescoço,
guardando o pacote no peito, dentro da camisa.
Estava pronto.
Sabia onde havia um salva-vidas e com
muita dificuldade saiu da cabina segurando-se nas cordas que a tripulação tinha
colocado para segurar-se atendendo aos problemas do navio.
Tudo era escuro e nem parecia dia.
Gritos, ruídos, mas ele estava decidido.
Não iria morrer como um cão.
Encontrou o salva-vidas e com alívio
adaptou-o. Estava pronto.
Se o naufrágio se consumasse ele por
certo não seria tragado pelas ondas. Nem ele nem seus bens.
Melhor voltar para a cabina. Tudo
aconteceu num instante, um balanço mais forte, a mão escapou das cordas e ele
foi jogado pelo convés.
Aturdido procurou agarrar-se em alguma
coisa, mas não encontrou nada.
Sentiu uma dor violenta nas costas e
logo um repuxão no pescoço e perdeu os sentidos.
A tempestade ainda durou mais meia hora,
depois, tudo voltou ao normal, O barco, valente e forte, continuava sobre as
ondas agora calmas.
E os passageiros, pálidos e aliviados, enjoados
e abatidos, começaram a sair, a respirar o ar da noite que já começava a
descer.
Porém, consternada, a tripulação
descobriu a um canto do convés o corpo de um homem, que não se afogara, mas que
infelizmente, tinha sido jogado sobre um pau do convés e ficado preso por um
cordão que trazia ao pescoço, com um saco de plástico e morrera enforcado.
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Autor Desconhecido
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