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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Capítulo XI - GRAVE COMPROMETIMENTO

Encontrávamo-nos agora em um cemitério, onde apenas umas dez pessoas davam adeus a Roberto. Se na parte física eram poucos, na parte espiritual eram tantos que para nos aproximarmos tivemos de vencer a multidão.
— Quem é ele, Enrico?
—Um matador profissional, um homem que se alimentou de ódio. É inacreditável o que fazem os sanguinários profissionais.
Como pode um ser humano chegar a matar duzentas pessoas?
Levei um susto.
— Pelo amor de Deus, o que estamos fazendo aqui?
— Pensei que o Luiz Sérgio que conheço gostaria de contar aos seus leitores o que acontece com um espírito tão comprometido como o de Roberto.
— E ele, onde está? Aí vemos apenas o seu corpo físico, se assim podemos chamar a um corpo deformado por várias perfurações a bala.
— Se você aguçar sua sensibilidade vai encontrar o espírito de Roberto.
Eu tudo fazia para vê-lo, mas a minha curiosidade não me permitia enxergá-lo e quando o consegui, levei outro susto.
Roberto apresentava um corpo físico forte, musculoso, com mais ou menos um metro e oitenta de altura. Ali, enleado ao seu físico, havia uma massa perispiritual disforme, que rugia de ódio.
— Enrico, como pôde isso acontecer?
— Roberto perdeu a forma perispiritual.
— Então o espírito retroage? Indagou Plácido.
— O espírito de Roberto jamais perecerá, pois Deus o criou uma chama eterna. Entretanto, a sua veste — o perispírito — foi sendo rasgada a cada ação má cometida, respondeu-lhe Enrico.
— E como ele vai andar? Não vejo suas pernas nem seus pés.
— Irmãos, quando estamos encarnados, o perispírito serve de intermediário entre o espírito e a matéria, transmitindo ao espírito as impressões dos sentidos físicos e comunicando ao corpo as vontades do espírito. Quando morre o corpo físico, o perispírito dele se desprende, mas continua servindo ao espírito, pois é como seu intermediário para com os planos espiritual e material. Sendo o perispírito maleável, as ações do espírito são nele refletidas. Não esqueçamos que Roberto levou a morte física a mais de duzentas pessoas. O seu perispírito a cada má ação foi violentado, chegando à condição que se encontra hoje: totalmente disforme. Para reencarnar, um laço fluídico, que é a expansão do perispírito, liga-se ao óvulo fecundado e vai dirigindo a formação do corpo físico. No caso de Roberto, a cada ato indigno o seu perispírito foi deformando-se. Ao reencarnarmos, muitas vezes voltamos com algumas lesões no perispírito, que no corpo físico se refletirão como doença ou deformidade. À medida que vivemos a moralidade no corpo físico, vão sendo repercutidas no perispírito as nossas boas ações. Com Roberto deu-se o contrário, ele só plasmou ódio no seu perispírito e hoje nem forma tem. Nós somos os arquitetos dos corpos físico e perispiritual. Deus criou o espírito imortal, mas se este não se tornar bom terá de sofrer as conseqüências dos seus atos.
Com a explicação de Enrico, pudemos melhor divisar uma forma ovóide, gosmenta, lutando para voltar a ocupar o seu espaço junto ao corpo físico. Mas cada vez que tentava, as energias do duplo, como um esmeril, queimavam-lhe ainda mais a massa perispiritual. Era uma luta do hóspede indesejável para o corpo físico e o duplo, amigo do físico, era seu guardião implacável. E o espírito doente, atordoado, pois nunca procurou Deus quando no corpo físico, agora não compreendia os fatos.
Alguém fez uma oração, mas aquele homem, que se orgulhava da sua coragem e tinha sede de sangue, trancafiado no túmulo da dor, nem sabia pedir socorro. Os fios que ligam os corpos, embaraçados, não tinham condição de se acomodar. O comprometimento de Roberto para com a lei de Deus era enorme. Deus cria sem cessar e Roberto matava os Seus filhos.
Aquele espírito tão mau, que se orgulhava de tirar a vida dos seus semelhantes, ali jazia inerte, sem saber como libertar-se, agora que a laje do túmulo iria prendê-lo muito mais.
Aproveitando o conhecimento de Enrico, indaguei:
— E os centros de força, que ficam no perispírito, o que foi feito deles?
— Luiz, os centros de força têm a função de captar os fluidos espirituais. O fluido universal, absorvido sob a forma de fluido vital, circula por esses diversos centros de força, canalizando-o, segundo o padrão vibratório de cada pessoa, para as rodas energéticas que se encontram no duplo etérico e estas o distribuem para os órgãos que dão vitalidade ao corpo físico.
Quando a nossa mente, por atos contrários à lei divina, prejudica essa harmonia, o perispírito sofre a agressão e vai-se deformando, porque a ação desequilibrante atinge os centros de força. No homem embrutecido eles se desajustam. Vivendo o corpo físico quase totalmente das reservas energéticas do duplo, os centros de força vão compensando um ou descarregando outro, enquanto o espírito desequilibrado vai cometendo seus desatinos. Quando chega o desencarne, o perispírito está deformado, as chamadas pás dos centros de força apresentam-se tão danificadas que dificilmente podemos divisá-las. Deus é quem está castigando Roberto? Claro que não. Ele é que não aproveitou o tesouro da reencarnação e usou mal a sua mente, destruindo tudo o que Deus planejou para ele.
O espírito de Roberto debatia-se como se estivesse sem ar.
—  Podemos ajudá-lo? Perguntei a Enrico.
— Não. Para cuidar dos ovóides há irmãos qualificados e também de alta elevação. Só esses espíritos têm condição de prestar ajuda a doentes como Roberto.
— E esses inúmeros espíritos que estão esperando por ele?
— São as suas vítimas. Mas no dia em que Roberto puder sair de junto do corpo físico eles nem o verão, será uma ação tão rápida dos técnicos, que eles, coitados, guardarão o túmulo por muitos dias até perceberem que Roberto foi levado para a chamada Colônia da Segunda Morte.
— Segunda Morte? Explique-nos, sim?
— Roberto foi assassinado e seu corpo material ficará na terra, "voltará ao pó", mas ele era tão escravo do corpo físico que, quando for retirado, sentirá como se tivesse morrido outra vez. E buscará, desesperadamente, o físico como se este fosse o seu dono.
—  Existem mais casos como o de Roberto?
— Existem. Mas graças a Deus não são tantos os que deformam o seu perispírito como vemos o de Roberto.
Olhei a família que dali se retirava e ainda fitei aquele espírito, temido até pelas autoridades, todo enrolado, mais parecendo um limai. Busquei seus olhos e constatei que sua cor era meio esverdeada, mas continham tanto ódio, que baixei a cabeça e orei. A boca, imensa, apenas compunha aquele disco informe. Como pode um ser deformar o seu perispírito dessa maneira?
 __ Quanto tempo ele aí ficará? Indagou Pamela.
__ Até dispersar um pouco mais seu fluido vital, respondeu Enrico. Entretanto os socorristas o ajudarão nessa tarefa.
Fui saindo. Era demais para o meu espírito. O movimento no plano físico era pequeno, mas na espiritualidade era imenso.
As vítimas daquele homem, verdadeiras feras, buscavam-no com ódio. Lembrei-me de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo IX, item 9 — Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos:
Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se atira: à natureza bruta, aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não obedecem. Ah! Se nesses momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou teria medo de si próprio, ou bem ridículo se acharia!
Se ele tivesse tentado praticar a caridade, sua vida seria outra. Enrico demorou a sair de perto de Roberto, eu, porém, adiantei-me e procurei outra capela.





Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado

2a Edição • 1997

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