Encontrávamo-nos agora em um cemitério, onde apenas umas dez
pessoas davam adeus a Roberto. Se na parte física eram poucos, na parte
espiritual eram tantos que para nos aproximarmos tivemos de vencer a multidão.
— Quem é ele, Enrico?
—Um matador profissional, um homem que se alimentou de ódio. É
inacreditável o que fazem os sanguinários profissionais.
Como pode um ser humano chegar a matar duzentas pessoas?
Levei um susto.
— Pelo amor de Deus, o que estamos fazendo aqui?
— Pensei que o Luiz Sérgio que conheço gostaria de contar aos seus
leitores o que acontece com um espírito tão comprometido como o de Roberto.
— E ele, onde está? Aí vemos apenas o seu corpo físico, se assim
podemos chamar a um corpo deformado por várias perfurações a bala.
— Se você aguçar sua sensibilidade vai encontrar o espírito de Roberto.
Eu tudo fazia para vê-lo, mas a minha curiosidade não me permitia
enxergá-lo e quando o consegui, levei outro susto.
Roberto apresentava um corpo físico forte, musculoso, com mais ou
menos um metro e oitenta de altura. Ali, enleado ao seu físico, havia uma massa
perispiritual disforme, que rugia de ódio.
— Enrico, como pôde isso acontecer?
— Roberto perdeu a forma perispiritual.
— Então o espírito retroage? Indagou Plácido.
— O espírito de Roberto jamais perecerá, pois Deus o criou uma
chama eterna. Entretanto, a sua veste — o perispírito — foi sendo rasgada a
cada ação má cometida, respondeu-lhe Enrico.
— E como ele vai andar? Não vejo suas pernas nem seus pés.
— Irmãos, quando estamos encarnados, o perispírito serve de intermediário
entre o espírito e a matéria, transmitindo ao espírito as impressões dos
sentidos físicos e comunicando ao corpo as vontades do espírito. Quando morre o
corpo físico, o perispírito dele se desprende, mas continua servindo ao
espírito, pois é como seu intermediário para com os planos espiritual e material.
Sendo o perispírito maleável, as ações do espírito são nele refletidas. Não
esqueçamos que Roberto levou a morte física a mais de duzentas pessoas. O seu
perispírito a cada má ação foi violentado, chegando à condição que se encontra
hoje: totalmente disforme. Para reencarnar, um laço fluídico, que é a expansão
do perispírito, liga-se ao óvulo fecundado e vai dirigindo a formação do corpo
físico. No caso de Roberto, a cada ato indigno o seu perispírito foi
deformando-se. Ao reencarnarmos, muitas vezes voltamos com algumas lesões no perispírito,
que no corpo físico se refletirão como doença ou deformidade. À medida que
vivemos a moralidade no corpo físico, vão sendo repercutidas no perispírito as
nossas boas ações. Com Roberto deu-se o contrário, ele só plasmou ódio no seu
perispírito e hoje nem forma tem. Nós somos os arquitetos dos corpos físico e
perispiritual. Deus criou o espírito imortal, mas se este não se tornar bom
terá de sofrer as conseqüências dos seus atos.
Com a explicação de Enrico, pudemos melhor divisar uma forma
ovóide, gosmenta, lutando para voltar a ocupar o seu espaço junto ao corpo
físico. Mas cada vez que tentava, as energias do duplo, como um esmeril,
queimavam-lhe ainda mais a massa perispiritual. Era uma luta do hóspede
indesejável para o corpo físico e o duplo, amigo do físico, era seu guardião implacável.
E o espírito doente, atordoado, pois nunca procurou Deus quando no corpo
físico, agora não compreendia os fatos.
Alguém fez uma oração, mas aquele homem, que se orgulhava da sua
coragem e tinha sede de sangue, trancafiado no túmulo da dor, nem sabia pedir
socorro. Os fios que ligam os corpos, embaraçados, não tinham condição de se
acomodar. O comprometimento de Roberto para com a lei de Deus era enorme. Deus
cria sem cessar e Roberto matava os Seus filhos.
Aquele espírito tão mau, que se orgulhava de tirar a vida dos seus
semelhantes, ali jazia inerte, sem saber como libertar-se, agora que a laje do
túmulo iria prendê-lo muito mais.
Aproveitando o conhecimento de Enrico, indaguei:
— E os centros de força, que ficam no perispírito, o que foi feito
deles?
— Luiz, os centros de força têm a função de captar os fluidos espirituais.
O fluido universal, absorvido sob a forma de fluido vital, circula por esses
diversos centros de força, canalizando-o, segundo o padrão vibratório de cada
pessoa, para as rodas energéticas que se encontram no duplo etérico e estas o distribuem
para os órgãos que dão vitalidade ao corpo físico.
Quando a nossa mente, por atos contrários à lei divina, prejudica essa
harmonia, o perispírito sofre a agressão e vai-se deformando, porque a ação
desequilibrante atinge os centros de força. No homem embrutecido eles se
desajustam. Vivendo o corpo físico quase totalmente das reservas energéticas do
duplo, os centros de força vão compensando um ou descarregando outro, enquanto
o espírito desequilibrado vai cometendo seus desatinos. Quando chega o
desencarne, o perispírito está deformado, as chamadas pás dos centros de força
apresentam-se tão danificadas que dificilmente podemos divisá-las. Deus é quem
está castigando Roberto? Claro que não. Ele é que não aproveitou o tesouro da
reencarnação e usou mal a sua mente, destruindo tudo o que Deus planejou para
ele.
O espírito de Roberto debatia-se como se estivesse sem ar.
— Podemos ajudá-lo? Perguntei
a Enrico.
— Não. Para cuidar dos ovóides há irmãos qualificados e também de
alta elevação. Só esses espíritos têm condição de prestar ajuda a doentes como
Roberto.
— E esses inúmeros espíritos que estão esperando por ele?
— São as suas vítimas. Mas no dia em que Roberto puder sair de
junto do corpo físico eles nem o verão, será uma ação tão rápida dos técnicos,
que eles, coitados, guardarão o túmulo por muitos dias até perceberem que
Roberto foi levado para a chamada Colônia da Segunda Morte.
—
Segunda Morte? Explique-nos, sim?
—
Roberto foi assassinado e seu corpo material ficará na terra, "voltará ao
pó", mas ele era tão escravo do corpo físico que, quando for retirado,
sentirá como se tivesse morrido outra vez. E buscará, desesperadamente, o
físico como se este fosse o seu dono.
— Existem mais casos como o
de Roberto?
— Existem. Mas graças a Deus não são tantos os que deformam o seu
perispírito como vemos o de Roberto.
Olhei a família que dali se retirava e ainda fitei aquele espírito,
temido até pelas autoridades, todo enrolado, mais parecendo um limai. Busquei
seus olhos e constatei que sua cor era meio esverdeada, mas continham tanto
ódio, que baixei a cabeça e orei. A boca, imensa, apenas compunha aquele disco
informe. Como pode um ser deformar o seu perispírito dessa maneira?
__ Quanto tempo ele aí ficará? Indagou Pamela.
__ Até dispersar um pouco mais seu fluido vital, respondeu Enrico.
Entretanto os socorristas o ajudarão nessa tarefa.
Fui saindo. Era demais para o meu espírito. O movimento no plano
físico era pequeno, mas na espiritualidade era imenso.
As vítimas daquele homem, verdadeiras feras, buscavam-no com ódio.
Lembrei-me de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo IX, item 9 — Bem-aventurados
os que são brandos e pacíficos:
Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se atira: à natureza bruta,
aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não obedecem. Ah! Se nesses
momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou teria medo de si próprio, ou
bem ridículo se acharia!
Se ele tivesse tentado praticar a caridade, sua vida seria outra.
Enrico demorou a sair de perto de Roberto, eu, porém, adiantei-me e procurei
outra capela.
Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado
2a Edição • 1997
Nenhum comentário:
Postar um comentário