DANTE ALIGHIERI – A MORTE BERENICE
Conforme já tive ocasião
de dizer muitas vezes, desde alguns anos me consagro ao exame dos principais
apanhados de revelações transcendentais, aplicando-lhes os processos da análise
comparada e obtendo resultados tão inesperados quão importantes. As pesquisas
que empreendi fazem emergir a prova de que as numerosíssimas informações
obtidas mediunicamente, a respeito do meio espiritual, concordam admiravelmente
entre si, no que concerne às indicações de natureza geral, que, aliás, são as
únicas necessárias para que se conclua a favor da origem das revelações de que
se trata, origem que se manifesta estranha aos médiuns, pelos quais tais
revelações se obtêm. Com efeito, os desacordos aparentes, de natureza
secundária, que se notam nessas revelações, provem evidentemente de causas
múltiplas, fáceis de serem apreendidas e inteiramente justificáveis.
Acrescentarei, a este propósito, que algumas categorias desses supostos
desacordos contribuem eficazmente para nas dar uma visão nítida e sintética dos
modos por que se desenvolve a existência espiritual, pois que parecem
determinadas pelas condições psíquicas especiais de cada personalidade de
defunto que se comunica.
Creio mesmo necessário
insistir sobre o fato de que, se persevero em me ocupar com um tema condenado
ao ostracismo pela Ciência, é que, graças às minhas laboriosas investigações,
adquiria certeza de que, em futuro não distante, a seção metapsíquica das
revelações transcendentais alcançará grande valor científica e, por conseguinte,
constituirá o ramo mais importante das disciplinas metapsíquicas. Que importa,
pois, seja esse ramo atualmente repudiado pelos metapsiquistas de orientação
rigorosamente científica e totalmente desprezado por grande parte dos próprios
espíritas, entre os quais eu mesmo me achava, não há mais de três anos?
Reconheço que não podia
ser de outra maneira, porque é conforme á evolução mental nas pesquisas
metapsíquicas que o investigador comece por se ocupar com as manifestações
supranormais de natureza especialmente física, para depois cogitar das
manifestações de natureza especialmente inteligente, contendo indicações
verificáveis de identificação pessoal dos defuntos. Segue-se que, só quando se
haja chegado á certeza científica, com relação à origem espírita da parte mais
interessante dos fenômenos metapsíquicas, se compreenderá o grande valor
científico, moral, social, das revelações transcendentais estudadas
sistematicamente. Elas então se elevarão rapidamente a lugar de honra, na
classificação das manifestações metapsíquicas. A alvorada desse dia ainda não
despontou. Mas, isso não impede que um pesquisador insulado possa adiantar-se ã
sua época, de maneira a formar para si uma opinião precisa a tal respeito,
fundando-se nos fatos colecionados. Nestas circunstâncias, esse pesquisador
está obrigado, em consciência e para o bem de todo o mundo, a ter a coragem de
sua opinião, embora os tempos ainda não amadurecidos o exponham a críticas mais
ou menos severas. Ora, eu me sinta com essa coragem: mudei de parecer,
relativamente ao valor teórico das coleções de revelações transcendentais, e
não hesito um só instante em declará-lo.
A isso, aliás, me vejo
animada pelo exemplo de alguns pesquisadores eminentes, que não hesitaram em
publicar declarações análogas. Eis como a propósito se exprime o professor
Oliver Lodge:
Estas revelações são
ditas inverificáveis, por não ser possível fazerem-se pesquisas para
verificar-se o que elas afirmam, como se fazem para a verificação das
informações concernentes a negócios pessoais, ou acontecimentos mundanos... De
todos os modos, sou levado a crer, da mesma maneira que outros pesquisadores
cujo número é cada vez maior, que vem próximo o tempo em que se deverá recolher
sistematicamente e discutir o material metapsíquico de natureza inverificável,
material que se presta a ser examinado e analisado com fundamento na sua consistência
intrínseca, que lhe confere um grau notável de probabilidade, da mesma forma
que as narrações dos exploradores africanos se prestam a ser analisadas e
verificadas, com fundamento em suas concordâncias...
Lembrarei que, do ponto
de vista filosófico, se tem notado que tudo contribui para dar a supor que, em
última análise, a prova real da sobrevivência dependerá do estudo e da comparação
dessas narrações de exploradores espirituais, mais do que das provas
resultantes das informações pessoais fornecidas acerca de acontecimentos do
passado, relativamente aos quais - enquanto não se chegar a penetrar fundo na
natureza da memória - será sempre possível conjeturar que todo o passado é
potencialmente acessível às faculdades supranormais da consciência humana...
embora eu não considere racional a hipótese de uma memória impessoal...
(Raymond, págs. 347-348.)
O professor Hyslop, a
propósito da publicação de duas coleções de revelações sobre o Além, ponderou,
a seu turno:
Nada há de impossível
nas informações que essas mensagens contêm... A maioria das pessoas ridiculizam
o conceito de um meio espiritual tal como o que se desenha nas revelações;
porém, esses senhores, que gastam o ridículo com tanta leviandade, não se
lembram de que, assim fazendo, supõem conhecer toda a verdade a respeito do
mundo espiritual... Não me pronuncio nem por um lado, nem pelo outro, mas
declaro não ter objeção alguma a opor à existência de um meio espiritual, como
o que se nos descreve, ainda que devesse parecer mais absurdo do que o nosso
meio terrestre. Não chego a compreender por que se exige que o mundo espiritual
seja mais ideal do que o nosso. Os dois mundos são obra do mesmo Autor, quer
este se chame Matéria, ou Deus. Ninguém pode afirmar ou negar a priori. O fato
de negar ou de lançar ao ridículo as revelações transcendentais equivale a
pretender conhecer, de modo certo, o mundo espiritual, o que constitui
presunção indigna de um céptico que raciocine...
Em suma, os livros desta
espécie são importantes, pois que nos dão uma primeira idéia sobre o mundo
espiritual, oferecendo-nos assim oportunidade de comparar os detalhes contidos
nas diferentes revelações obtidas... Ora, no nosso caso, comprova-se que as
informações, que nos são transmitidas nessas mensagens pelas personalidades que
se comunicam, concordam com outras que nos vêm por intermédio de médiuns que
não eram religiosos e não tinham a cultuava e a inteligência deste médium. . .
(American Journal of the S. P. R., 1913, págs. 235-237.)
Acrescentarei que há um
meio de se verificarem as afirmações concernentes à existência espiritual, com
exclusão da prova Indireta fornecida pela identificação pessoal do Espírito que
se comunica. Esse meio consiste em experimentar com um número suficiente de
médiuns, para comparar em seguida os resultados, depois de se haverem recolhido
as informações necessárias sobre a instrução especial de cada um deles o
respeito. Se chegasse a comprovar que um
dos médiuns empregados ignorava absolutamente as teorias espíritas (o que
excluiria a hipótese de uma colaboração subconsciente), seria conveniente
experimentar com outros médiuns, para se obterem Informações sobre o mesmo
assunto; e assim por diante, sem que se estabelecessem relações entre eles. É
evidente que, nessas condições, uma concordância de informações fundamentais,
repetindo-se com uma centena de indivíduos diferentes, teria valor bastante
grande a favor da demonstração da existência real de um mundo espiritual
análogo ao que fora revelado. (Ibid., 1914, págs. 462-463.)
Tal a opinião de dois
sábios muito distintos, acerca do valor teórico das coleções de revelações
transcendentais. Observarei que o método de pesquisa proposto pelo professor
Hyslop é, em suma, o que adotei. Ele, com efeito, propõe se experimente com
grande número de médiuns, que não conheçam as doutrinas espíritas, a fim de se
compararem em seguida os resultados. A coisa é teoricamente possível, mas de
realização difícil, porque é raro que um só pesquisador chegue a encontrar
numerosos médiuns, de maneira a poder levar a efeito uma empresa formidável
como essa. Mais prático era, pois, aproveitar o material imenso que se acumulou
nestes últimos anos, relativamente às revelações transcendentais, para
empreender uma seleção severa de todas as peças, classificando-as,
analisando-as, comparando-as, tendo o cuidado de colher informações sobre os
conhecimentos especiais de cada médium, no tocante às doutrinas espíritas. Tal
precisamente a tarefa a que me propus ao empreender minhas pesquisas, às quais
já consagrei dois anos de trabalho, chegando a descarnar cerca da metade do
material reunido. Somente, como notasse que o material classificado e comentado
assumia proporções tais que impediriam a sua publicação em volume, julguei
oportuno suspender temporariamente as pesquisas, para consagrar algumas
monografias de ensaios aos resultados já obtidos. A que se segue é a primeira
que me disponho a publicar.
Começo por inserir um
número suficiente de revelações transcendentais, referentes às impressões
experimentadas, no momento da entrada, no mundo espiritual, pelas
personalidades dos mortos que se comunicam. Declaro desde logo que esse grupo
de narrações, embora teoricamente interessante e significativo, não é o mais
eficaz para a demonstração da tese que sustento. Ele, com efeito, se refere aos
episódios iniciais da existência extraterrestre, sobre os quais se exercem
plenamente as conseqüências da lei de afinidade, pela qual cada Espírito desencarnado
é levado necessariamente a gravitar para o estado espiritual que corresponde ao
grau de sua evolução psíquica, alcançado em conseqüência da passagem pela
existência na carne, o que não pode deixar de determinar diferenças sensíveis
nas descrições que nos chegam dos mortos, acerca da entrada deles no mundo
espiritual. De todo jeito, ver-se-á que esses desacordos se dão unicamente nos
detalhes secundários, quer sejam pessoal, quer dependam do meio, nunca no que
concerne às condições correspondentes, de ordem geral.
Antes de entrar no
assunto de que vou tratar, cumpre-me fazer uma declaração, destinada a prevenir
uma pergunta que os meus leitores poderiam formular. Refere-se a esta circunstancia:
todos os fatos, que citarei, de defuntos que narram sua entrada no meio
espiritual, são tirados de coleções de revelações transcendentais publicadas na
Inglaterra e nos Estados Unidos. Por quê? - perguntar-me-ão os leitores - esse
exclusivismo puramente anglo-saxônio? Responderei que por uma só razão,
absolutamente peremptória: não há na França, na Alemanha, na Itália, na
Espanha, em Portugal, coleções de revelações transcendentais sob a forma de
tratados, ou de narrativas continuadas, orgânicas, divididas em capítulos,
ditadas por uma só personalidade mediúnica e confirmadas por provas excelentes
de identidade dos defuntos que se comunicaram. Nas poucas coleções que hão
aparecido em as nações acima citadas - coleções constituídas de curtas
mensagens - obtidas pelo sistema dos interrogatórios dirigidos a uma multidão
de Espíritos, não se encontram episódios concernentes à crise da morte, se
excetuarmos o conhecido livra de Allan Kardec: O Céu e o Inferno, em o qual se
podem ler três ou quatro episódios desta espécie. Mas, se bem se encontrem
neles algumas concordâncias fundamentais com as narrações dos outros Espíritos
que se comunicam, esses episódios são de natureza muito vaga e geral, para
poderem ser tomados em consideração, numa obra de análise comparada.
Em tais condições, é
claro que, se os povos anglo-saxônicos são os únicos que, até hoje, hão
mostrado saber apreciar o grande valor teórico e prático das revelações
transcendentais , como são os únicos que a isso se consagraram, empregando
métodos racionais, não me restava outra coisa senão tomar o material necessário
onde o encontrava. E tanto mais razão havia para assim proceder, propondo-me a
escrever toda uma série de monografias relativamente às concordâncias e aos
desacordos que os processos de análise comparada fazem ressaltar das coleções
de revelações transcendentais, quanto é certo que não podia deixar de
principiar pelo princípio, isto é, pelo que os mortos têm que dizer acerca da
crise da morte.
Passemos agora à
exposição dos casos. Citarei, antes de tudo, alguns episódios tomados às obras dos
primeiros pesquisadores, a fim de fazer ressaltar que, desde o começo do
movimento espírita, se obtiveram mensagens mediúnicas em que a existência e o
meio espirituais são descritos em termos idênticos aos das que se obtêm
presentemente, se bem a mentalidade dos médiuns fosse então dominada pelas
concepções tradicionais referentes ao paraíso e ao inferno e, por conseguinte,
pouco preparada para receber mensagens de defuntos, afirmando que o meio
espiritual é o meio terrestre espiritualizado.
PRIMEIRO CASO
Extraio este fato de uma
obra intitulada: Letters and Tracts on Spiritualism, abra que contém os artigos
e as monografias publicadas pelo juiz Edmonds, de 1854 a 1874. Sabe-se que
Edmonds era notável médium psicógrafo, falante e vidente. Alguns meses depois
da morte acidental de seu confrade, o juiz Peckam a quem ele muito estimava,
deu-se o caso de Edmonds escrever longa mensagem, em que seu amigo morto
referia as circunstâncias de sua morte. As passagens seguintes são tiradas da
mensagem em questão:
Se houvera podido
escolher a maneira de desencarnar, certamente não teria preferido a que o
destino me impôs. Todavia, presentemente não me queixo do que me aconteceu,
dada a natureza maravilhosa da nova existência que se abriu subitamente diante
de mim.
No momento da morte,
revi, como num panorama, os acontecimentos de toda a minha existência. Todas as
cenas, todas as ações que eu praticara passaram ante o meu olhar, como se houvessem gravado na minha mentalidade, em
fórmulas luminosas. Nem um só dos meus amigos, desde a minha infância até a
morte, faltou á chamada. Na ocasião em que mergulhei no mar, tendo nos braços
minha mulher, apareceram-me meu pai e minha mãe e foi esta quem me tirou da
água, mostrando uma energia cuja natureza só agora compreendo. Não me lembro de
ter sofrido. Quando imergi nas águas, não experimentei sensação alguma de medo,
nem mesmo de frio, ou de asfixia. Não me recordo de ter ouvido o barulho das
ondas a se quebrarem sobre as nossas cabeças. Desprendi-me do corpo quase sem
me aperceber disso e, abraçado sempre à minha mulher, segui minha mãe, que
viera para nos acolher e guiar.
O primeiro sentimento
penoso só me assaltou quando dirigi o pensamento para o meu caro irmão; porém,
minha mãe, percebendo-me a inquietação, logo ponderou: Teu irmão também não
tardará a estar conosco: A partir desse instante, todo sentimento penoso
desapareceu de meu espírito. Pensava na cena dramática que acabara de viver,
unicamente com o fito de levar socorro aos meus companheiros de desgraça. Logo,
entretanto, vi que estavam salvos das águas, do mesmo modo por que eu fora.
Todos os objetos me pareciam tão reais à volta de mim que, se não fosse a
presença de tantas pessoas que sabias morta, teria corrido para junto dos
náufragos.
Quis informar-te de tudo
isto, a fim de que possas mandar uma palavra de consolação aos que imaginam que
os que lhes são caros e que desapareceram comigo sofreram agonias terríveis, ao
se verem presas da morte. Não há palavras que te possam descrever a felicidade
que experimentei, quando vi que vinham ao meu encontro ora uma, ora outra das
pessoas a quem mais amei na Terra e que todas acudiam a me dar às boas-vindas
nas esferas dos imortais. Não tendo estado enfermo e não tendo sofrido, fácil
me foi adaptar-me imediatamente às novas condições de existência...
Com esta última
observação, o Espírito alude a uma circunstância que concorda com as
informações cumulativas, obtidas sobre o mesmo assunto, por grande número de
outras personalidades mediúnicas, isto é, que só nos casos excepcionais de mortes
imprevistas, sem sofrimentos e combinadas com estados serenos da alma, é
possível atravessar o Espírito à crise da desencarnação, sem haver necessidade
de ficar submetido a um período mais ou
menos longa de sono reparador. Ao contrário, nos casos de morte consecutiva à
longa enfermidade, em idade avançada, ou com a inteligência absorvida por
preocupações mundanas, ou oprimida pelo terror da morte, ou, ainda, apenas, mas
firmemente, convencida da aniquilação final, os Espíritos estariam sujeitos a
um período mais ou menos prolongado de inconsciência.
Ponderarei que estas
observações já se referem a um desses detalhes secundários a que aludi em
começo e nos quais se notam desacordos aparentes, que, na realidade, se resumem
em concordâncias reguladas por uma lei geral, que necessariamente se manifesta
por modos muito diferentes, segundo a personalidade dos defuntos e as condições
espirituais tão diversas em que se acham no momento da desencarnação.
Cumpre-se atente, além
disso, no detalhe interessante de dizer o morto ter tido, no momento da morte,
a visão panorâmica de todos os acontecimentos de sua existência. Sabe-se que
este fenômeno é familiar aos psicólogos; foi referido muitas vezes por pessoas
salvas de naufrágios. (Publiquei a respeito uma longa monografia nesta mesma
Revista, no correr dos anos de 1922-1923.) Ora, no caso relatado pelo juiz
Edmonds, como em muitos outros casos do mesmo gênero, assistimos ao fato
importante de um morto afirmar haver passado, a seu turno, pela experiência da
visão panorâmica, de que falam os náufragos salvos da morte. Isto se torna
teoricamente importante, desde que se tenha em mente que o juiz Edmonds não
conhecia a existência dos fenômenos desta espécie, ignorados pelos psicólogos
de sua época. Ele, pois, não podia auto-sugestionar-se nesse sentido, o que
constitui boa prova a favor da origem, estranha ao médium, da mensagem de que
se trata.
Notarei, finalmente, que
neste episódio, ocorrido nos primeiros tempos das manifestações mediúnicas, já
se observam muitos detalhes fundamentais, concernentes aos processos da
desencarnação do Espírito, os quais serão depois constantemente confirmados, em
todas as revelações do mesmo gênero. Assim, por exemplo, o detalhe de o
Espírita não perceber, ou quase não perceber, que se separara do corpo e, ainda
menos, que se achava num meio espiritual. Também o outro detalhe de o Espírito
se encontrar com uma forma humana e se ver cercado de um meio terrestre, ou
quase terrestre, de pensar que se exprime de viva voz como dantes e perceber,
como antes, as palavras dos demais. Assinalemos ainda outro detalhe: o de achar
o Espírito desencarnado, ao chegar ao limiar da nova existência, para o
acolherem e guiarem, outros Espíritos de mortos, que são geralmente seus
parentes mais próximos, mas que também podem ser seus mais caros amigos, ou os Espiritos-guias.
Detalhe fundamental
também este que, com os outros, será confirmado por todas as revelações
transcendentais sucessivas, até aos nossos dias, salvo sempre circunstâncias
mais ou menos especiais de mortos moralmente inferiores e degradados, aos quais
a inexorável lei de afinidade (lei físico-psíquica, irresistível em seu poder
fatal de atração dos semelhantes) prepararia condições de acolhimento
espiritual muito diferentes das com que deparam os Espíritos evolvidos.
SEGUNDO CASO
Tiro este segundo fato
do volume de Morgan: From Matter to Spirit (pág. 149). A personalidade
mediúnica do Doutor Horace Abraham Ackley descreve, nestes termos, a maneira
por que seu Espírito se separou do organismo somático:
Como sucede a um bem
grande número de humanos, meu espírito não chegou muito facilmente a se
libertar do corpo. Eu sentia que me desprendia gradualmente dos laços
orgânicos, mas me encontrava em condições pouco lúcidas de existência, afigurando-se-me
que sonhava. Sentia a minha personalidade como que dividida em muitas partes,
que, todavia, permaneciam ligadas por um laço indissolúvel. Quando o organismo
corpóreo deixou de funcionar, pode o espírito despojar-se dele inteiramente.
Pareceu-me então que as partes destacadas da minha personalidade se reuniam
numa só. Senti-me, ao mesmo tempo, levantado acima do meu cadáver, a pequena
distância dele, donde eu divisava distintamente as pessoas que me cercavam o
corpo. Não saberia dizer por que poder cheguei a me desprender e a me elevar no
ar. Depois desse acontecimento, suponho ter passado um período bastante longo
em estado de inconsciência, ou de sono (o que, aliás, acontece freqüentemente,
se bem isso não se da em todos os casos); deduzo-o do fato que, quando torne! a
ver o meu cadáver, estava ele em estado de adiantada decomposição.
Logo que voltei a mim,
todos os acontecimentos de minha vida me destilaram sob as vistas, como num
panorama; eram visões vives, multo reais, em dimensões naturais, como o meu passado
se houvera tornado presente. Foi todo o meu passado o que revi, compreendido o
último episódio: o da minha desencarnação. A visão passou diante de mim com tal
rapidez, que quase não tive tempo de refletir, achando-me como que arrebatado
por um turbilhão de emoções. A visão, em seguida, desapareceu com a mesma
instantaneidade com que se mostrara; às meditações sobre o passado e o futuro,
sucedeu em mim vivo interesse pelas condições atuais.
Eu ouvira dizer aos espíritas
que os Espíritos desencarnados eram acolhidos no mundo espiritual pelos seus
parentes, ou por seus Espíritos-guardiães. Não vendo ninguém perto de mim,
conclui que os espíritas se haviam enganado. Mas, apenas este pensamento me
atravessou o espírito, vi dois Espíritos que me eram desconhecidos e para os
quais me senti atraído por um sentimento de afinidade. Soube que tinham sido
homens muito instruídos e inteligentes, mas que, como eu, não haviam cogitado
de desenvolver em si os princípios elevados da espiritualidade. Chamaram-me
pelo meu nome, embora não o houvesse eu pronunciado, e me acolheram com uma
familiaridade tão benévola, que me senti agradavelmente reconfortado. Com eles
deixei o meio onde desencarnara e onde me conservara até aquele momento.
Pareceu-me nebulosa a paisagem que atravessei; mas dentro dessa meia
obscuridade, fui conduzido a um lugar onde vi reunidos numerosos Espíritos,
entre os quais muitos havia que eu conhecera em vida e que tinham morrido havia
há algum tempo. . .
Notarei que no último
parágrafo do episódio precedente se encontra um outro dos detalhes secundários
habituais, que se diferenciam mais ou menos nas descrições de tantos Espíritos
que se comunicam. Esse detalhe achará sua razão de ser nas condições
espirituais, bem pouco evolvidas, do defunto autor da mensagem. Geralmente, nas
de revelações transcendentais, se lê que os Espíritos dos mortos entram num
meio mais ou menos radioso, onde são acolhidos pelos Espíritos de seus
parentes. Aqui se vê, ao contrário, que o Espírito comunicante se encontrou em
um meio nuvioso, onde foi acolhida amistosamente por dois Espíritos que lhe
eram desconhecidos, mas que guardavam afinidade com ele, do ponto de vista das
condições espirituais. E fácil de argüir que este aparente desacordo entre as
primeiras impressões desse Espírito desencarnado e outras muitas mais
freqüentes dependa da circunstancia de que, como ele próprio o diz, se
descuidara em vida de desenvolver em si o elemento espiritual e que os
Espíritos que lhe foram ao encontro se achavam nas mesmas condições. Daí
resultou que, pela lei de afinidade, um meio de luz não se adaptava às
condições transitórias, mas obscurecidas, de seus Espíritos.
De outro ponto de vista,
notarei que, também no episódio em apreço, o Espírito que se comunica afirma
ter sofrido a prova da visão panorâmica de seu passado, prova que, neste caso,
em vez de se desenrolar espontaneamente, em conseqüência de uma superexcitação
sui generis das faculdades mnemônicas (superexcitação produzida pela crise da
agonia, ao que dizem as psicologistas), pareceria antes provocada pelos guias
espirituais, com o fim de predispor o Espírito recém-chegado a uma espécie de
exame de consciência. Esta interpretação do fenômeno ressaltará muito mais
claramente de alguns dos casos que se vão seguir.
Notarei, finalmente, que
este caso, ocorrido em 1857, já contém a narração de um incidente interessante
de bilocação no leito de morte, seguido do fenômeno consistente na situação que
durante algum tempo o Espírito desencarnado conservou, pairando por cima do cadáver.
Freqüentes incidentes análogos se encontrarão nas comunicações da mesma
natureza; com mais freqüência ainda, são sensitivos que, assistindo à morte de
alguém, os descreverão segundo o que perceberam. As obras espiritualistas estão
cheias de episódios deste gênero, a começar dos que foram descritos pelo famoso
vidente Andrew Jackson Davis e pelo juiz Edmonds, até aos que chegaram ao Rev.
William Stainton Moses e à governante inglesa (enfermeira diplomada) Mrs. Joy
Snell, que, ultimamente, assistiu à produção de fenômenos desta espécie durante
uns vinte anos. Ora, quem não vê que o fato das afirmações de videntes,
concordantes de modo admirável com o que narram os próprios Espíritas
desencarnados, tem inegável importância, uma vez que se confirmam mutuamente? E
também, com relação a esta ordem de incidentes, é muito comum que o médium
escrevente, ou o sensitivo vidente, estejam na mais completa ignorância acerca
da existência de tais fenômenos e da maneira por que se produzem no leito de
morte. E como o caso com que acabamos de ocupar-nos remonta a 1857, isto é, aos
começos do movimento espírita, tudo contribui para que se suponha que nesta circunstância
o médium e os assistentes ignoravam tudo do que concerne aos fenômenos de
bilocação em geral e, sobretudo, à maneira por que se dão com os moribundos.
TERCEIRO CASO
Reproduzo um último caso
de data antiga, que extraio do livro do Doutor Wolfe: Starling Facts in Modern
Spiritualism (pág. 388). Jim Nolan, o Espírito-guia do célebre médium Senhor
Hollis, que disse e demonstrou ter sido soldado no curso da Guerra de Secessão
da América e haver morrido de tifo num hospital militar, responde da maneira
seguinte às perguntas de um experimentador:
P. - Que impressão
tiveste da tua primeira entrada no mundo espiritual?
R. - Parecia-me que
despertava de um sono, com um pouco de atordoamento a mais. Já não me sentia
enfermo e isso me espantava grandemente. Tinha uma vaga suspeita de que alguma
coisa estranha se passara, todavia, não sabia definir o de que se tratava. Meu
corpo se achava estendido no leito de campanha e eu o via. Dizia de mim para
mim: Que estranho fenômeno! - Olhei ao mau derredor, e vi três de meus
camaradas mortos nas trincheiras diante de Vicksburg e que eu enterrara.
Entretanto, ali estavam na minha presença! Olhavam a sorrir. Então, um dos três
me saudou, dizendo:
- Bom-dia, Jim; também
és dos nossos?
- Sou dos vossos? Que
queres dizer?
- Mas. .. que te achas
aqui, conosco, no mundo dos Espíritos. Não te apercebeste disto? É um meio onde
se está bem.
Estas palavras eram
muito fortes para mim. Fui presa de violenta emoção e exclamei: - Meu Deus! Que
dizes! Estou morto?
- Não; estás mais vivo
do que nunca, Jim; porém te achas no mundo dos Espíritos. Para te convenceres,
não tens mais do que atentar no teu corpo.
Com efeito, meu corpo
jazia, inanimado, diante de mim, sobre a tarimba. Como, pois, contestar o fato?
Pouco depois, chegaram dois homens que colocaram meu cadáver numa prancha e o
transportaram para perto de um carro; neste o meteram, subiram à boléia e
partiram. Acompanhei então o carro, que parou à borda de um fosso, onde o meu
cadáver foi arriado e enterrado. Fora eu o único assistente do meu enterro...
P. - Quais as sensações
que experimentaste na crise da morte?
R. - A que se experimenta
quando o sono se apodera da gente, mas deixando que ainda se possa lembrar de
alguma idéia que tenha tido antes do sono. A gente, porém, não se lembra do
momento exato em que foi tomado pelo sono. É o que se dá por ocasião da morte.
Mas, um pouco antes da crise fatal, minha mentalidade se tornara muito ativa;
lembrei-me subitamente de todos os acontecimentos da minha vida; vi e ouvi tudo
que fizera, dissera, pensara, todas as coisas a que estivera associado.
Lembrei-me até dos jogos e brincadeiras do campo militar; gozei-os, como quando
deles participei.
P. - Conta-nos as tuas
primeiras impressões no mundo espiritual.
R. - Ia dizer-vos que os
meus bons amigos soldados não mais me abandonaram, desde que desencarnei até o
momento em que fiz a minha entrada no mundo espiritual; lá, tinha eu avós,
irmãos e irmãs, que, entretanto, não me vieram receber quando desencarnei. Ao
entrar no mundo espiritual, parecia-me caminhar sobre um terreno sólido e vi
que ao meu encontro vinha uma velha, que me dirigiu a palavra assim: - Jim,
então vieste para onde estávamos? - Olhei-a atentamente e exclamei: - O avozinha,
és tu? - Sou eu mesma, meu caro Jim. Vem comigo. - E me levou para longe dali,
para sua morada. Uma vez lá, disse-me ser necessário que eu repousasse e dormisse.
Deitei-me e dormi longamente...
P. - A morada de que
falas tinha o aspecto de uma casa?
R. - Certamente. No
mundo dos Espíritos, há a força do pensamento, por meio do qual se podem criar
todas as comodidades desejáveis...
Esta última informação
que, no caso de que se trata, remonta a setenta anos atrás, não é apenas um dos
detalhes fundamentais a cujo respeito todos os Espíritos estão de acordo; é
também a chave de abóbada que permite explicar, resolver, justificar todas as
informações e descrições aparentemente absurdas, incríveis, ridículas, dadas
pelos Espíritos que se comunicam, a propósito da vida espiritual. Em outras
obras, já por mim publicadas, tive que me deter longamente sobre este tema
muito importante; limitar-me-ei desta vez, pois, a nele tocar, na medida do
estritamente necessário.
Esta grande verdade, que
nos foi comunicada pelos Espíritos, permite resolvamos uma imensidade de
questões teóricas, obscuras, determinadas pelos informes que hão dado as
personalidades mediúnicas, relativamente ao meio espiritual, às formas que os
Espíritos revestem, às modalidades da existência deles; todas as informações
que constituem uma reprodução exata, ainda que espiritualizada, do meio
terrestre, da humanidade, das modalidades da existência neste mundo. Essa
grande verdade, que resolve todos os enigmas teóricos em questão e que se funda
no poder criador do pensamento no meio espiritual, é confirmada de modo
impressionante por fatos que se desenrolam na meio terrestre. Trata-se, com
efeito, disto: o pensamento e a vontade, mesmo na existência encarnada, são
suscetíveis de criar e de objetivar as formas concretas das coisas pensadas e
desejadas, do mesmo modo que este fenômeno se realiza no meio espiritual,
embora no meio terrestre semelhante criação não se dê senão por intermédio de
alguns sensitivos especiais. Aludo aos fenômenos de fotografias do pensamento
ou de ideoplastia, fenômenos maravilhosos, aos quais consagrei recentemente um
longo estudo, em que demonstrava, citando fatos, a realidade incontestável e o
desenvolvimento prodigioso deles.
Vemos, pois, que, já no
mundo dos vivos, o pensamento e a vontade manifestam o poder de se objetivarem
e concretizarem numa forma mais ou menos substancial e permanente, ainda que,
na existência encarnada, isto se produza sem objetivo e unicamente com o
concurso de sensitivos que se achem em condições fisiológicas mais ou menos
anormais, correspondendo a estados mais ou menos adiantados de desencarnação
parcial do Espírito. Senda assim, dever-se-ia logicamente concluir daí que,
quando a desencarnação do Espírito já não estiver apenas em início e não for
transitória, mas total e definitiva, só então as faculdades de que se trata
chegarão a manifestar-se em seu completo desdobramento e, dessa vez, normalmente,
praticamente e utilmente. Ora, é precisamente o que afirmam as personalidades
mediúnicas que se comunicam. Cumpre, portanto, se reconheça que as revelações
transcendentais, concernentes às modalidades da existência espiritual,
confirmam a posterior o que se devera logicamente inferir a priori, em
conseqüência da descoberta de que o pensamento e a vontade são forças que
possuem o poder maravilhoso de modelar e organizar, faculdades que, todavia,
não se manifestam, senão de maneira esporádica e sem objetivo, no meio terrestre.
Duas palavras ainda
acerca de outra circunstancia, a de personalidades mediúnicas afirmarem que
essas condições de existência espiritual são transitórias e entendem
exclusivamente com a esfera mais próxima do mundo terrestre, isto é, com a que se
destina aos Espíritos recém-chegados. Esta circunstância não serve só para
justificar inteiramente aquelas condições de existência; prova também a razão
de ser providencial de tais condições. Imagine-se, com efeito, que sensação de
desolação e de desorientação não experimentaria a maior parte dos mortos se,
logo depois do instante da morte, houvessem de ver-se bruscamente despojados da
forma humana e lançados num meio espiritual essencialmente diverso daquele onde
se lhes formaram as individualidades, a que ainda se encontram ligados por uma
delicada trama de sentimentos afetivos, de paixões, de aspirações, que se não
poderia romper de súbito, sem os levar ao desespero, e onde, sobretudo, se
encontra o meio doméstico que lhes é próprio, constituído por um mundo de
satisfações temporais e espirituais, de todas as espécies, que contribuem
cumulativamente para criar o que se chama a alegria de viver. Se imaginarmos
tudo isso, teremos de reconhecer racional e providencial que um ciclo de
existência preparatória passe entre a existência encarnada e a de puro Espírito,
de maneira a conciliar a natureza, por demais terrestre, do Espírito
desencarnado, com a natureza, por demais transcendental, da existência
espiritual propriamente dita.
O poder criador do
pensamento seria de molde a obviar maravilhosamente a este inconveniente; o
Espírito, pensando numa forma humana, se encontraria de novo em forma humana;
pensando em estar vestido, achar-se-ia coberto de vestes que, sendo tão etéreas
como o seu próprio corpo, lhe pareceriam tão substanciais como as vestes
terrenas. E assim que o Espírito encontraria novamente, no mundo espiritual, um
meio e uma morada correspondentes a seus hábitos terrestres, morada que lhe
preparariam os seus familiares, tornados antes dele á existência espiritual.
Como se há podido ver no caso que acabo de referir, é a avó do defunto que
estaria encarregada de conduzir o neto à morada que o havia de receber. A este
respeito, deve-se notar que, quando o Espírito Jim Nolan narra ter visto que
uma velha vinha ao seu encontro, fora preciso subentender-se que a avó
revestira temporariamente sua antiga forma terrena, para ser reconhecida.
Deter-me-ei aí, para me
não estender demais nos comentários deste fato; os pontos obscuros, de
importância secundária, que ficam sem solução nas considerações precedentes,
serão sucessivamente assinalados e explicados, à medida que, nos casos que
ainda vão ser citados, se oferecer ocasião.
Com relação ao incidente
da visão panorâmica que o Espírito Jìm Nolan relata, observarei que, desta vez,
o fenômeno se desdobrou sob a forma de recapitulação de lembranças, mais do que
sob a de uma visão panorâmica propriamente dita. Isto, naturalmente, em nada
muda os termos do problema psicológico a ser resolvido. Daí apenas resultaria
que o morto, em vez de pertencer ao que se chama em linguagem psicológica a
tipo visual, pertencia ao tipo especialmente auditivo-mental.
QUARTO CASO
Passemos agora a casos
mais recentes. Começarei por um fato tirado da obra de Mrs. Jessie Platts: The
Witrhess. Trata-se de uma coleção de comunicações mediúnicas muito
interessantes, obtidas graças à mediunidade da própria Mrs. J. Platts, viúva do
Rev. Charles Platts, que teve a infelicidade de perder seus dois filhos na
grande guerra. As comunicações publicadas provêm do filho mais moço: Tiny,
rapaz de 18 anos apenas, morto quando combatia na frente francesa, em abril de
1917, e que se comunicou psicograficamente, mercê da mediunidade improvisada de
sua mãe, no ano seguinte, quando a guerra continuava mais terrível do que
nunca. Forneceu provas diretas e indiretas de sua identidade pessoal. As
diretas consistiam nisto: anunciava à sua mãe a entrada, no mundo espiritual,
de outros Espíritos de militares, mortos em combate naquele momento; depois de
alguns dias, vinham efetivamente noticias oficiais da morte desses mesmos
combatentes. Informara ele, a sua mãe, de que servia de simples instrumento
transmissor de ensinos que lhe confiava um Espírito missionário, o qual, quando
vivo, fora um eclesiástico de nome Padre Hilarion. Ora, Mrs. Platts ignorava
que essa personagem houvesse realmente existido. Chegou a verificá-lo,
documentando-se a respeito.
Isto dito, a fim de pôr
em plena luz o valor das mensagens em questão, entro a referir a passagem que
concerne á chegada do filho da Sra. Platts ao meio espiritual. Eis o que ele
escreveu:
Os seres que vivem no
meio terrestre muito têm que aprender acerca do estado que os espera depois da
morte; quero dizer - do instante em que o Espírito se destaca do organismo corporal,
E-me permitido falar-te disso rapidamente nesta mensagem. Começo por dizer que
não haverá dois Espíritos desencarnados que tenham de passar pela mesma
experiência a tal respeito. Entretanto, essas experiências variadas apresentam
uma circunstância comum: é que todos os Espíritos imaginam a principio estar
ainda entre os vivos e os que atravessaram uma agonia de sofrimentos ficam
profundamente surpreendidos de se acharem curados de súbito. Tal é a alegria
que experimentam, que julgo ser essa a impressão mais forte que se possa
sentir, depois da crise da morte. Quando morri, ou, mais exatamente, quando meu
corpo morreu, eu me julgava mais vivo do que nunca e esperava receber ordem de
um novo pulo para frente. (Ao ser ferido pelo projétil que me matou, estávamos
separados do nosso regimento e tentávamos, com grandes precauções, pôs de novo
em contacto com ele.)
Algumas vezes, os
Espíritos desencarnados, ao se acharem sós num meio desconhecido, são tomados
de grande pavor; mas, isso só se dá com os que em vida foram profundamente egoístas
e nunca dirigiram seu pensamento a Deus. Contudo, em chegando o momento, esses
Espíritos são ajudados e animados, a sua vez, por seus Espiritos-guias, mas
preciso lhes é, primeiro adquirirem uma espiritualidade suficiente, para se
acharem em condições de perceber os Espíritos-guia. Quase todos os
desencarnados passam por um período de sono reparador, que pode durar um dia ou
dois, como pode durar semanas e meses; isto depende das circunstancia em que
morreram. No meu caso, eu fora morto de maneira fulminante, não sofrera, não
passara por enfermidades exaurentes; apesar disso, porém, estive mergulhado no
sono durante cerca de uma semana, porque, tendo sido súbita a minha morte, meu
corpo fluídico fora bruscamente arrancado do corpo somático, com um contragolpe
sensível sobre o primeiro.
Quando, entre os
Espíritos recém-chegados, há os que se encontrem ligados por vivas afeições a
outros Espíritos desencarnados algum tempo antes, estes últimos lhes acorrem ao
encontro, antes que passem pela fase do sono reparador. Não se pode Imaginar
ventura maior do que a desses encontros no meio espiritual, após longas
separações que pareciam definitivas. Se bem os Espíritos saibam que terão de
separar-se ainda por certo tempo, não o lamentam, por estarem cientes de que
estas separações já não serão quais as anteriores. E, quando os Espíritos
recém-chegados despertam do sono reparador, seus guias intervêm, para
informá-los do adestramento espiritual que a cada um se acha reservado.
A narração que precede é
especialmente interessante, porque resumem em duas páginas as modalidades
essenciais em que se desenrola normalmente a crise da morte, para a grande
maioria dos visos, modalidades que, no entanto, variam enormemente nos casos
extremos de personalidades de vivos que desencarnam em condições muito
evolvidas, ou muito degradadas, de espiritualidade.
Assinalarei também a
concordância habitual, relativa ao detalhe fundamental dos Espíritos
desencarnados que não Sabem já terem morrido, concordância que se renova
invariavelmente (salvo alguns casos que confirmam a regra) desde o despontar do
movimento espiritual e que é teoricamente muito notável, dada a sua
singularidade, que exclui a hipótese dos romances subliminais. Com efeito, não
se pode admitir que uma personificação subconsciente, derivação absoluta do
consciente, forje informações que contrastem inteiramente com o que a esse
respeito julgue a consciência normal. Não se poderia admitir tampouco que-
centenas de personalidades mistificadoras desta espécie se encontrem acordes
fortuitamente na invenção das mesmas informações fantasistas, contrárias às
vistas da razão humana. Pois que se obtêm, mediunicamente, tantos detalhes
concordantes, acerca de circunstâncias que parecem inverossímeis à mentalidade
dos vivos, e, pois que esses detalhes são obtidos por intermédio de sensitivos
que não podiam imaginá-los conscientemente e que ignoravam que revelações
análogas haviam sido consignadas por outros experimentadores, logicamente se
deve daí inferir que só uma explicação pode existir para o fato: a de que os
detalhes ministrados pelas personalidades espirituais concordam entre si,
porque provêm de uma causa única: a observação direta. Em outros termos: se
todas as personalidades mediúnicas descrevem as mesmas condições de meio
espiritual, com os mesmos detalhes, fundamentais e secundários, e com os mesmos
relevos de fundo, isso demonstra que as condições de meio assim descritas são
autenticamente espirituais, ao mesmo tempo em que objetivas, permanentes,
reais, absolutamente reais.
Outro detalhe
fundamental, inteiramente concordante em todas as revelações transcendentais, é
o que se refere ás fases do sono reparador, a que estariam sujeitos todos as
Espíritos recém-chegados ao mundo espiritual. Todas combinam, até na indicação
das causas que tornariam necessário esse período de repouso absoluto do Espírito.
Notarei ainda que as
revelações concordam todas, admiravelmente, acerca de outro detalhe secundário,
contido nessa mesma mensagem e, precisamente, no trecho onde se alude ao
insulamento em que se achariam os Espíritos que, durante a vida terrena, se
mostraram profundamente egoístas, insulamento determinado pela imperfeição,
neles, da faculdade de percepção espiritual, imperfeição que seria uma conseqüência
inevitável da estado rudimentar em que se lhes encontra a espiritualidade.
Seguir-se-ia que este insulamento não poderia ter fim, senão quando os
Espíritos hajam adquirido uma espiritualidade suficiente para estarem em condições
de perceber a presença de Espiritos-guias. Este último dado, posto
incidentemente na mensagem com que nos ocupamos, é teoricamente importante,
pois concorda com todos os ensinamentos ministrados a tal respeito por
numerosas outras personalidades mediúnicas, que nos ensinam que os Espíritos
inferiores não podem perceber os que pertencem às hierarquias superiores.
Repito que as concordâncias, referentes aos detalhes secundários, são sempre
teórica e progressivamente mais importantes à medida que os detalhes parecem de
natureza mais vulgar ou mais estranha. São esses detalhes que provocam a maior
surpresa no investigador que trata de comparar entre si as diversas coleções de
revelações transcendentais.
Finalmente, importa não
esquecer o que o Espírito, de quem vem à mensagem, afirmou primeiramente -
sempre de perfeito acordo com os outros - isto é, que não há duas
personalidades espirituais que tenham de atravessar as mesmas experiências,
após a crise da morte. Esta afirmação é absolutamente racional. Com efeito, se
no mundo dos vivos não pode haver duas individualidades que pensem
absolutamente da mesma maneira; se, pela lei de afinidade, todo Espírito
gravita no plano espiritual que lhe é próprio; e se e pensamento de cada
Espírito cria o seu meio objetivo e subjetivo, é certo que não pode haver duas
personalidades desencarnadas que devam passar pelas mesmas vicissitudes
espirituais. Daí resulta que o ensino de que se trata explica perfeitamente
muitas pretendidas contradições das revelações transcendentais, que cumpre se
atribuam à variedade infinita dos temperamentos individuais, combinados com os
diferentes graus de evolução alcançados no meio terrestre por cada
personalidade humana.
Termino, lembrando que
Mrs. Jessie Platts foi levada a cogitar de pesquisas mediúnicas e a tentar escrever
automaticamente, pela morte de seus dois filhos na guerra. Ela, pois, nada
conhecia - ou muito pouco - das doutrinas espíritas e tudo ignorava acerca do
conteúdo das outras coleções de revelações transcendentais.
Quinto Caso
A narração seguinte é
tirada de uma preciosa coleção de revelações transcendentais intitulada: The
Morrow of Death by Amicus, devida à mediunidade de um particular, o Sr. Ernest
H. Peckam. A entidade que se comunicava, designada aqui pelo pseudônimo de
Amicus, conforme o desejo por ela mesma expresso, fora, em vida, o Reverendo A.
K. Stockwell, morto havia mais de quarenta anos.
Depois de dar provas
suficientes de identificação pessoal, ele se consagrou inteiramente à sua
missão, que consistia em transmitir aos vivos os ensinos com que aqui nos
ocupamos e que formam uma exposição admirável, se bem que sumária, das
modalidades da existência espiritual. Relatam da maneira seguinte as suas
primeiras impressões a esse respeito:
Quando me achava no
mundo dos vivos, jamais cheguei a conceber a existência de além-túmulo. Tinha
sobre isso idéias confusas e incertas, que, entretanto, giravam em torno das
concepções habituais de um paraíso reservado aos que conseguiam salvar-se e de
um interno pronto a tragar os maus. No meu tempo, geralmente se ignorava a
possibilidade da comunicação com os Espíritos dos mortos. Não havia, pois, mais
do que arquitetar teorias e ter fé em Deus. Era a fé que eu tinha.
Nessas condições,
inúteis é dizer-te que, quando me encontrei no mundo espiritual, fiquei profundamente
admirado em face da realidade. Vi-me acolhido, reconfortado e ajudado por
pessoas que eu conhecera na Terra e que me precederam na grande viagem. Mas, o
que constituiu para mim a alegria daquela hora foi o encontrar-me com a querida
companheira de toda a minha existência, a qual logo se pôs a prodigalizar-me,
no meio espiritual, as dedicadas atenções e as ternuras afetuosas que me
dispensava no meio terrestre. Meus primeiros passos na morada celeste foram
vigiados por esse afeiçoado guia. Posso, pois, afirmar que a minha primeira
impressão no mundo espiritual foi à prova de que a estima e o devotamento da
minha companheira não se haviam enfraquecido, em conseqüência de sua morte,
porquanto se renovaram para comigo com toda a comovente espontaneidade que os
caracterizava no meio terrestre. Eu sentia que efetivamente voltara á doce vida
familiar do período mais ditoso da minha existência; porém, dessa vez, gozava
mais a felicidade, por efeito da alegria suprema da reunião celeste, depois da
longa separação terrena.
Observarei a esse
respeito que a narração do que experimentei não é mais do que um episódio
normal do que toda gente experimenta no meio espiritual; a morte não pode
suprimir a afeição, nem impedir a reunião de duas almas que se amaram na Terra.
Naturalmente, o nosso afeto recíproco tinha por fundamento muitas qualidades
espirituais que nos eram comuns. Nada obstante, nestes últimos tempos, o
caminho que conduz à nossa elevação espiritual se bifurcou; ambos, porém, nos
sentimos ditosos por ser assim.
Uma das primeiras
descobertas que fiz, depois da morte, foi a de mim mesmo. A minha verdadeira
individualidade se desdobrou ante os meus olhos, em toda a crueza de suas
cores, revelação esta que precisamente não me foi lisonjeira...
...O processus da morte
tísica e do renascimento espiritual é muito interessante e mesmo belo.
Normalmente, a partir do instante em que começa a cessação das funções
corporais - processus que pode durar longo tempo - os sofrimentos tísicos e as
ansiedades do Espírito cessam e ele passa gradualmente a condições de inconsciência
absoluta. Porém, uma vez transposta a crise da morte, opera-se o pleno
despertar da consciência; o morto renasce então para uma existência nova e
começa logo a exercitar a sua atividade em o novo meio. Sempre acontece que,
providencialmente, o Espírito desencarnado não se apercebe de que morre; às
vezes, quando o nota muito depressa, fica terrivelmente transtornado,
especialmente se a morte cortou laços afetivos muito fortes... Mas, não chega
ao meio espiritual como um desamparado; quase nunca fica entregue a si mesmo:
todos os Espíritos, quase sem exceção, quando saem da crise da morte, são
acolhidos pelos guias melhor indicados para os reconfortar, aconselhar e
assistir...
Porém, aonde vem a encontrar-se
o Espírito recém-nascido? Eis a resposta: entraram no estado de existência que
lhe era os únicos possíveis, dadas suas condições morais, intelectuais,
espirituais. O meio que o recebe é determinado pelo grau de espiritualidade em
que ele se acha. Através da morte, ganha a morada espiritual que preparou para
si mesmo; não pode ir a nenhuma outra parte. São as suas qualificações
espirituais que o fazem gravitar, com uma precisão infalível, para as condições
de existência que correspondem matematicamente a seus méritos e deméritos. A
grande lei de afinidade regula o processus, que é inexorável. O homem, depois
da morte, vai para o meio que para si próprio preparou; não poderia ser de
outro modo. Se Junta aos que se lhe assemelham; gravita para as legiões
espirituais entre as quais se achará inteiramente à vontade, como em seu
próprio meio, como em sua casa. Sua futura morada está no circulo da sua alma;
seus companheiros espirituais são os seres que se lhe assemelham. Em outros
termos: o Espírito desencarnado, por afeito da lei benfazeja e justa da
afinidade, graças à qual cada um atrai o seu semelhante, gravita para o meio
único que se pode adaptar às suas condições de evolução espiritual, de elevação
moral, de cultura intelectual, conforme ele próprio as criou pela sua atividade
terrestre. Vai para onde tem forçosamente que ir.
Bom é que agora te diga
duas palavras sobre a natureza da substância empregada para as construções, ou
criações, no meio espiritual, assim como sobre os métodos usados. O nosso mundo
é o do pensamento; tudo o que nele se vê, toca e utiliza é uma criação do
pensamento. O nosso corpo espiritual é uma criação substancial do pensamento; é
do nosso próprio corpo que, sem nenhum prejuízo para a nossa individualidade,
exteriorizamos o que nos é necessário ao exercício da nossa atividade objetiva.
Em torno de nós tomam formas as criações do nosso pensamento, que se fundem e
harmonizam com as criações dos pensamentos dos outros. Entre essas criações,
algumas são exteriorizações inconscientes do pensamento espiritual; outras, ao
contrário, provém da torça criadora do pensamento, guiada pela vontade, para
determinados fins. Somos seres construídos de pensamento, existindo em um mundo
criado pelo pensamento, e tudo o que desejamos, tudo o que fazemos é pelo
dinamismo do pensamento. Naturalmente, os que vivem no meio terrestre, tão
radicalmente diferente do nosso, têm dificuldade de compreender, ou mesmo de
crer nestas revelações. Entretanto, afirmo-te que os processus funcionais de
que acabo de te falar são muito simples, muito naturais e espantosamente
eficazes... Estes ensinos espirituais que agora apenas começamos a dar aos
vivos constituem uma das muitíssimas coisas a cujo respeito Jesus, o Nazareno,
afirmou que aquela geração e aquela época não estavam maduras para as receber.
A propósito da
interessante mensagem que se acaba de ler e em apoio da tese essencial que
sustento, importa insistir sobre o fato de que, na mensagem em questão, se
notam as habituais, infalíveis concordâncias, relativamente a grande número de
detalhes fundamentais, concernentes às modalidades da existência espiritual, a
saber: a informação de que os Espíritos dos mortos, salvo algumas raras
exceções, são acolhidos e reconfortados por familiares e amigos que os precederam
no meio espiritual; a informação de haver o Espírito que se comunica passado
pela prova da visão panorâmica de todos os acontecimentos da sua vida; a
informação sobre os Espíritos recém-chegados, que não se apercebem de que
morreram; a informação sobre a faculdade de modelar e organizar, própria do
pensamento no meio espiritual; enfim, a informação sobre a lei de afinidade,
que regula inexoravelmente os destinos humanos, sem a intervenção de um Juiz
Supremo a condenar ou absolver cada Espírito desencarnado.
Entre os detalhes
secundários, que ainda não tive ocasião de comentar, assinalemos o do Espírito
dizer que, malgrado a viva afeição que o prende ao Espírito da sua companheira,
chegara para eles o momento em que o caminho que os conduzia à elevação espiritual
se ia bifurcar, mas que, no entanto, ambos se sentiam ditosos por se separarem.
Este detalhe, que concorda com outro análogo, constante do 4° Caso, é
teoricamente importante, porque se apresenta de maneira completamente
inesperada, para se não poder admitir que a circunstância de se encontrarem
muitos médiuns que o relatam deva ser atribuída a uma série de coincidências
fortuitas. Observarei que alguns dos Espíritos que o hão relatado têm tido o
cuidado de completá-lo, dizendo que, se os Espíritos ligados um ao outro por
viva afeição se separam sem nenhum pesar, isso se dá por duas razões: primeiro,
porque sabem que a separação é necessária à sua recíproca elevação espiritual,
que não pode deixar de ser mais ou menos diversamente orientada, para cada
entidade espiritual, segundo a natureza de cada individualidade humana; depois,
porque os Espíritos ligados pela afeição sabem que, sempre que desejarem
ver-se, não precisam senão manifestar a vontade de que esse fato se dê para
instantaneamente se acharem juntos.
Sexto Caso
Extraio a seguinte
mensagem de um precioso volumezinho de revelações transcendentais, devido à
mediunidade da Sra. E. B. Duffey, intitulado: Heaven Revised. Seu valor pode
ser deduzido do fato de que, em alguns anos, a obra atingiu a sua décima edição
e foi recentemente publicada em forma popular, isto é, numa edição de enorme
tiragem e a preço muito reduzido. A Senhora Duffey, que é de espírito muito
cultivado, se tornou médium escrevente e escreveu as mensagens de que se trata,
quando apenas havia pouco tempo que se interessava pelas pesquisas mediúnicas,
quando, por conseguinte, ainda nada lera, ou muito pouco lera, sobre doutrinas
espíritas. Convém insistir neste ponto, tanto mais quanto, nesta monografia, em
que somente me ocupo com o grupo inicial das fases da vida de além-túmulo, não
me será passível fazer ressaltar eficazmente o grande valor da circunstância de
serem numerosos os médiuns que, como a Senhora Duffey, escreveram suas
mensagens, quando mal acabavam de iniciar-se nas novas pesquisas e, às vezes,
quando ainda tudo ignoravam sobre o assunto. Com efeito, entre os médiuns
autores de mensagens transcendentais concordantes com as de outros, alguns se
encontram, cuja mediunidade se revelou ao experimentarem escrever automaticamente,
em obediência a conselho de terceiras pessoas. Tudo isto leva logicamente a
deduzir-se que, se também os médiuns improvisados, embora tudo ignorando,
escrevem mensagens que concordam admiravelmente com as outras, no tocante à
descrição dos detalhes fundamentais, dos detalhes secundários, dos relevos
substanciais do meio e da existência espirituais, não se pode explicar o fato,
sem que se reconheça que tudo isso se produz, porque as personalidades que se
comunicam são efetivamente Espíritos de mortos e que, portanto, tiram suas
descrições e seus informes de um meio real, permanente, objetivo, comum a
todos.
Aqui está como a Senhora
Duffey descreve a maneira por que obteve as mensagens que publicou:
Se eu houvesse escrito
um ditado, não teria podido conhecer menos do que conhecia pela minha mão a
escrever. Por outro lado, é certo que não assimilara subconscientemente as
mensagens que escrevi, haurindo-as em fontes de natureza análoga. Com efeito,
quando as escrevi, ainda muito pouco ouvira talar dessas questões e ainda menos
havia lido a respeito. Convertera-me às novas idéias, fazia apenas um ano;
muitas vezes, quando lia o que vinha de escrever, embaraçada me sentia e
perplexa, temendo que o que havia escrito não estivesse de acordo com as doutrinas
espíritas. Este sentimento de embaraço se tornou particularmente forte, a
propósito do capitulo intitulado - No abismo. Durante todo o tempo em que me
foram ditadas às mensagens (cerca de quatro meses), vivi num estado permanente
de sonho. Nada do que me cercava ou acontecia me parecia real; até as
preocupações de natureza material, que me assaltaram nessa época, não tiveram o
dom de afligir-me. Sentia-me como se estivesse sob a influencia de poderoso
anestésico moral. Foi num sábado à tarde que acabaram de me ditar as mensagens.
Na noite de domingo, fiz um breve discurso na nossa Sociedade espiritualista.
Na segunda-feira de manhã, despertei pela primeira vez na plena posse da minha
personalidade normal. Recuperara enfim a capacidade de agir com eficácia
ordinária na vida prática de cada dia.
Estas informações da Senhora
Duffey são teoricamente interessantes, porquanto demonstram que, durante todo o
tempo em que foram escritas as comunicações transcendentais, o médium
permanecera em condições de sonambulismo no estado de vigília, como acontecia
em circunstancia análogas ao célebre vidente americano Andrew Jackson Davis. Em
outros termos: isto provaria que o órgão cerebral do médium foi submetido,
durante todo aquele período de tempo, a uma disciplina de possessão parcial,
exercida pela entidade que se comunicava. Esta manifestamente se propusera a
eliminar assim o perigo da emergência esporádica de interferências
subconscientes, que teriam podido interpolar-se ás mensagens, interferências
que só muito dificilmente se pudera evitar, desde que o médium, entre duas
mensagens, remergulhasse nas preocupações da vida cotidiana.
Ora, se levarmos em
conta esta sugestiva circunstância, junta à outra do médium tudo ignorar das
doutrinas espíritas, havemos de convir em que, no caso de que se trata, somos
conduzidos logicamente a admitir uma origem estranha ao médium, ou espírita,
para as revelações transcendentais obtidas.
Assim sendo, estas
conclusões deverão estender-se ao conjunto das revelações transcendentais, pois
que as mensagens da Senhora Duffey concordam admiravelmente com o que se contém
em todas as outras revelações desta espécie fora de dúvida que a lógica
rigorosa permitiria concluir no sentido que indiquei, mesmo que não houvesse
mais que um caso análogo ao precedente.
De fato, no caso com que
nos ocupamos, não se trata de simples concordâncias acerca de algumas
informações banais, que se possam legitimamente atribuir a coincidências
fortuitas; trata-se, ao contrário, de um conjunto orgânico, muito complicado,
de concordâncias muito diferentes, grandes e pequenas, freqüentemente estranhas
e inesperadas, em contraste com as tradições religiosas assimiladas no curso da
infância e da adolescência por toda a humanidade cristã.
Depois deste preâmbulo,
extenso mas necessário, passo à reprodução de algumas páginas da narração
ditada pela personalidade que se comunicava e referente ao processo de sua
desencarnação. Essa personalidade, no curso de sua existência terrestre, fora
conhecida do médium. Era uma senhora distinta e de espírito muito culto, cujas
opiniões foram, durante longo tempo, as de um livre-pensador, em matéria de
religião, porém que se tornara espírita convencida nos últimos anos de sua
vida. Eis o que ela escreve, falando de si mesma:
Eu sabia que ia morrer,
mas não temia a morte, não fremia a essa idéia. Desde muito tempo, os terrores
da ortodoxia haviam perdido toda a eficácia para minha alma; sentia-me pronta a
afrontar a inevitável crise com uma serenidade filosófica. Acrescentarei mesmo
que havia alguma coisa de mais em meu estado da alma, pois que me dispunha a
observar e analisar, com o interesse de uma pesquisadora, a lenta aproximação
do grande momento. Não queria perder essa suprema ocasião de adquirir
conhecimentos psicológicos que escapam às investigações da Ciência.
Conservei-me, pois, como espectadora impassível dos lentos progressos da minha
agonia, esperando poder comunicar mais tarde, aos assistentes, minhas
observações e prestar assim um último serviço à humanidade: o de dissipar o
terror que a hora fatal produz em toda a gente.
Parecia que o meio
terrestre se afastava em torno de mim; sentia-me como que a flutuar fora do
corpo, num desconhecido meio de existência. Não se deu comigo nada do que eu
julgava dever experimentar durante a crise da morte. Assim, por exemplo, lera
descrições interessantes acerca de uma espécie de epílogo da morte, que
nasceria da mentalidade dos moribundos, em conseqüência do qual todos os
acontecimentos de suas vidas lhes passariam diante da visão subjetiva. Nada
disso se verificou comigo: não me sentia atraída nem pelo passado, nem pelo
futuro. Um só pensamento e um só sentimento me dominavam a consciência: os das
pessoas que eu amava e das quais me ia separar. Entretanto, jamais me
considerara uma mulher excessivamente terna; levava minha razão a dominar todas
as impulsões e todas as emoções. Julgo até que esse domínio de mim mesma
exerceu influência muito favorável sobre o rendimento eficaz da atividade de
minha vida. Contudo, nessa hora suprema, a afeição me pareceu o cúmulo e a substancia
de tudo o que há de apreciável na existência...
Esse estado de vigília
atenta sobre a aproximação da morte acabou por me esgotar e, pouco a pouco, uma
suave sonolência me invadiu. Era mesmo tão suave, de tal modo me repousava que,
no curso desse período de semi-inconsciência, que precede ao estado de
inconsciência total, eu refletia sobre o tato de somente duas vezes na minha existência
haver experimentado sensação análoga de sonolência deliciosa...
Despertei,
experimentando quase um sentimento de remorso, como acontece quando alguém se
apercebe de ter dormido demais, além das conveniências sociais. Esse despertar
me pareceu ainda mais doce do que o período que precedera o sono. Não cuidava
de abrir os olhos, permanecia a gozar daquela sensação de paz e de serenidade,
que em vão desejara tantas vezes, no correr da minha existência tão provada.
Como era delicioso! Que perfeito era aquele sentimento de paz! Oh! se ele
pudesse durar eternamente! De toda sorte, sentia-me bem; o que me mostrava que,
afinal de contas, ainda não estava a ponto de morrer. Teria então que me
submeter de novo à antiga servidão, conhecer outra vez o aborrecimento, a
inquietação da existência?
Súbito, ouvi algumas
pessoas que conversavam à meia voz no quarto ao lado. Ouvindo, nitidamente,
pela porta aberta, o que diziam, não lograva apanhar o sentido da conversação
em que se achavam empenhadas. Porém, despertando mais, cheguei a perceber um
dito que me prendeu a atenção, se bem não lhe ligasse muita importância. Eis a
frase em questão:
- Não duvido de que ela
o fizesse com boa intenção; aliás, era tão excêntrica!
A outra voz respondeu:
- Sim, muito excêntrica
e também obstinada nos seus caprichos.
A primeira replicou:
- Foi muito
experimentada pela infelicidade, mas também cumpre se reconheça que foi quase
sempre a causadora de seus próprios infortúnios. É o que acontece as mais das
vezes.
- Sem dúvida. Por exemplo,
sei perfeitamente...
E seguiu-se a narrativa,
grotescamente desfigurada, de alguns incidentes da minha vida.
Eu estava surpresa:
talavam de mim e talavam empregando o verbo no imperfeito: Ela era... Que
quereriam dizer? Julgar-me-iam morta? Veio-me a idéia de que aquelas pessoas poderiam
pensar mais tarde que eu tingia estar morta para lhes ouvir a conversação
confidencial a meu respeito. Dei-me por isso pressa em chamar uma das minhas
amigas, para lhe certificar que eu ainda vivia e me sentia muito melhor...
Elas, porém, não se aperceberam do meu chamado e continuaram a conversar sem se
interromperem. Chamei de novo, em voz mais alta, porém sempre em vão. Sentia-me
tão bem de corpo e de Espírito, que me decidi a lhes interromper as imprudentes
apreciações, apresentando-me diante delas no outro quarto... Mas... que havia?
Fiquei uma instante presa de terror, ou de qualquer coisa semelhante. Que
manequim era aquele que alguém deitara na minha cama, onde, entretanto, eu
devera estar, muito gravemente enferma, o qual jazia rígido em meu lugar e com
o rosto lívido, absolutamente idêntico a um cadáver no leito de morte? Eu o via
de perfil; tinha os braços cruzados sobre o peito, as pernas rigidamente
estendidas, as pontas dos pés viradas para cima. Sobre ele, um pano branco se
achava desdobrado. Mas, coisa estranha! eu o distinguia igualmente debaixo do pano
e reconhecia naquele manequim os meus traços! Meu Deus! Estava então realmente
morta? Enorme sensação me assaltou, que parecia abalar-me no mais profundo da
alma. Só então foi que todo o meu passado emergiu de um jacto e me invadiu,
como grande onda, a consciência. Tudo o que me haviam ensinado, tudo o que eu
temera, tudo o que esperava com relação à grande passagem da morte e à
existência espiritual se apresentou ao meu Espírito com indescritível nitidez.
Foi um momento solene e aterrador; porém, a sensação de terror se desvaneceu
logo e só a solenidade grandiosa do acontecimento permaneceu...
De todo modo, no mundo
dos Espíritos, como no dos vivos, o sublime acotovela não raro o ridículo, de
maneira tão imediata, que basta dar-se um passo à frente, para se cair do
solene no divertido, da dor na alegria, do desespero na esperança. Foi o que se
produziu na minha primeira experiência em o mundo espiritual. Com efeito, não
podendo prender a língua àquelas mulheres enredadeiras e maldizentes, tive que
me resignar a ouvir todo o mal que diziam de mim. Assim foi que, pela primeira
vez, tive que me contemplar a mim mesma, á claridade da luz em que me viam
outros. Pois bem! a lição me foi instrutiva, embora houvesse eu transposto uma
fronteira que tirava todo interesse aos acontecimentos mundanos. Aqueles
conceitos maldizentes foram para mim comparáveis a um espelho convexo, colocado
diante de minha visão espiritual, onde os defeitos do meu caráter eram
exagerados e deformados do modo mais grotesco, pela convexidade do vidro que os
refletia. Assim, a minha primeira lição espiritual recebi-a das minhas amigas
vivas.
Logo que satisfizeram
aos seus instintos de enredo, as duas mulheres se levantaram, para virem mais
uma vez contemplar a fisionomia da amiga que lhes morrera e cujo caráter haviam
anatomizado com tanta crueldade. Éramos três a contemplar aquele cadáver,
conquanto uma das três tosse invisível para as outras. E, como estas não
percebiam a minha presença, desinteressei-me delas, para me absorver na
contemplação do corpo inanimado, que tora meu. Observava-lhe o pálido aspecto,
demudado pelos sofrimentos, e com a minha mão invisível procurava afastar da
fronte os cabelos brancos que a cobriam, enquanto uma inefável piedade me
oprimia a alma, ao pensar na sorte daquele corpo velho, do qual me sentia
separado para sempre...
Estava então morta? Que
estranha sensação a de uma pessoa saber-se morta e se sentir exuberante de
vida! Como os vivos compreendem mal o sentido desta palavra. Estar morto
significa estar animado de uma vitalidade diferente e extraordinária, de que a
Humanidade não pode fazer idéia... Provavelmente, a morte se dera havia vinte e
quatro horas: eu adormecera no mundo dos vivos e despertara no meio espiritual.
Como é estranho! Só nesse momento foi que me lembrei, pela primeira vez, de que
estava no meio espiritual. Até ali, meus pensamentos e minhas emoções se tinham
conservado presos ao mundo dos vivos.
Mas, onde estavam os
espíritos de tantas pessoas caras, que haviam transposto antes de mim a fronteira
da morte? Esperava vê-las acorrendo a me darem as boas-vindas no limiar da
morada celeste e a me servirem em seguida de conselheiros e guias. Não me
preocupava o insulamento em que me achava e ainda menos me assustava; porém,
experimentava um penoso sentimento de decepção e de desorientação. Em todo
caso, esse estado da alma não durou mais que um instante. Apenas formulara em
meu Espírito aqueles pensamentos, vi dissolver-se e desaparecer o quarto em que
me encontrava e tudo o que ele continha e me achei, não sei como, numa espécie
de vasta planície... Era indescritível a beleza da paisagem. Bela também é a
paisagem terrena, mas a celeste é muito mais maravilhosa. . . Caminhava;
entretanto, coisa singular, meus pés não tocavam o solo. Deslizava sobre este,
como sucede nos sonhos...
Mas, onde estavam
aqueles a quem eu amara? Onde estavam tantos amigos mortos, aos quais tão
ligada estivera na Terra? Por que esse estado de insulamento da minha nova existência?
Não tinha consciência de haver manifestado de viva voz meus pensamentos;
todavia, como se alguém me houvesse escutado e se apressasse em me atender, vi
diante de mim dois mancebos, cuja radiosa beleza excedia a tudo o que o
espírito humano possa imaginar... Muitos anos antes, levara ao túmulo, com lágrimas
de desesperada dor, dois filhinhos que adorava: um após outro. E muitas vezes,
a chorar sobre as suas sepulturas, estendera os braços para frente, como se
contasse reavê-los à morte que mos arrebatara. O! meus filhos! meus filhos!
Quanto os desejara!... Quando vi diante de mim aqueles mancebos radiosos, um
instinto súbito e infalível me preveniu de que eles eram os meus filhinhos, que
se haviam tornado adultos. Não hesitei um instante em os reconhecer.
Estendi-lhes os braços, como fizera outrora na Terra, e dessa vez os apertei
realmente ao peito! Ó! meus filhos, meus filhos! Enfim tornei a encontrar-vos!
Ó! meus filhos, meus para sempre!...
É com real pesar que
interrompo aqui a narrativa da entidade que se comunicava, narrativa que se
torna de mais em mais interessante, quando se manifestam o pai e a mãe, os
parentes, os amigos, assim como o Espírito-guia da defunta. Porém, não podendo
reproduzir tudo, limito-me a transcrever mais uma passagem do diálogo em que se
explica por que motivo a personalidade da defunta que se comunicava permaneceu
algum tempo na solidão, em o mundo espiritual. Ela pergunta ao Espírito-guia:
- Por que fui condenada
a passar de um mundo a outro completamente só?
O Espírito-guia: -
Condenada não é o termo, minha querida amiga. Não estavas só. Assim te parecia,
mas, na realidade, eu velava ansiosamente por ti, com muitos outros Espíritos
de parentes e de amigos, aguardando o momento em que nos fosse possível
manifestar-nos a ti. Para muitas almas de mortos a passagem do mundo dos
mortais para o dos imortais é um período de crise moral muito dolorosa; esses
seres imploram a assistência imediata dos entes caros que os possam confortar e
animar, até ao momento em que se hajam familiarizado com o novo meio. Tu,
porém, não eras uma alma como tantas outras. No curso das vicissitudes mais
criticas da vida, preteriste sempre agir sozinha; encerrou constantemente no
fundo da alma teus pensamentos, tuas meditações, o fruto da tua experiência,
mesmo tuas emoções. Soubeste, com uma firmeza de heroína, encarar a morte. Ora,
a um temperamento como o teu convinha que, no meio espiritual, se achasse num
insulamento aparente, para melhor apreciar em seguida o valor da sociedade
espiritual. Entretanto, desde que sentiste a necessidade de companhia e a
desejaste com o pensamento, imediatamente nos achamos em condições de responder
ao teu chamado.
Estas explicações do
Espírito-guia são teoricamente interessantes, porque constituem uma variante
complementar de outra informação, que precedentemente discutimos e segundo a
qual os Espíritos inferiores não poderiam perceber os superiores, dada a
diferença existente na gradação das vibrações de seus respectivos corpos
etéreas e, de maneira análoga, das vibrações de seus pensamentos. Mas, no caso
que aqui consideramos, é preciso ver, antes de tudo, que razões de temperamento
aconselharam o Espírito-guia da defunta a submetê-la a uma primeira experiência
espiritual, consistente em lhe permitir conservar-se em condições de solidão
temporária, no momento da desencarnação. Esta condição, aliás, se tornara
possível, pelos sentimentos afetivos da morta, intensamente ligados ao meio
onde ela vivera. Nesse estado, sua mentalidade, que ainda vibrava em uníssono
com as vibrações específicas do meio terrestre, não chegava a perceber as
vibrações infinitamente mais sutis do meio espiritual; por conseguinte, ela não
percebia os Espíritos que se achavam ao seu derredor. Porém, desde que o seu
pensamento se voltou para as coisas espirituais e vibrou assim em uníssono com
o meio espiritual, ela viu desaparecer diante de si o mundo em que vivera e se
encontrou, como por encanto, no meio espiritual. Logo que dirigiu o pensamento
para os seus mortos queridos, pô-los em situação de se lhe manifestarem; ou,
melhor, ela se achou em condições de os distinguir, por haverem seu pensamento
e seu corpo etéreo aprendido a vibrar em uníssono com o mundo espiritual.
Não será inútil repetir
que, também neste caso, se notam algumas das concordâncias habituais. Assim,
por exemplo, o detalhe infalível da morta ignorar que morreu e não ter a
intuição da verdade, senão quando dá com o seu cadáver rígido no leito de marte.
O mesmo se verifica com relação ao detalhe da visão panorâmica de todos os
acontecimentos da sua vida, que desta vez se teria apresentado com atraso à
visão subjetiva da defunta, mas que, todavia, não deixou de também a ela se lhe
apresentar. Registram-se muitos casos em que a demora da prova ainda é mais
considerável; parece, entretanto, que esta nunca deixa de se verificar. Assinalemos,
enfim, outra circunstância: a de que a morta se achou em forma humana, no meio
espiritual, onde andava, ou, antes, se transportava pairando a pequena
distância do solo.
Sétimo Caso
Este fato foi relatado
pelo Light, numa série de números (ano de 1922, págs. 594-595, 610-611, 722-723,
768-769). Trata-se de uma coleção de revelações transcendentais teoricamente
importantes, no sentido de que o médium, por quem elas foram obtidas, é uma
senhora de limitada cultura intelectual e que ignorava inteiramente as
doutrinas espíritas. O interesse pelas pesquisas mediúnicas se manifestou nela
repentinamente, em conseqüência da morte, na guerra, de um dos seus irmãos, a
quem muito estimava. (Mais tarde, seu Espírito-guia a informou de que fora ele
próprio quem a sugestionara nesse sentido.) Uma de suas amigas possuía uma
prancheta, de que aliás nunca se servira. Mrs. Hope Hunter - tal o nome da
médium - a foi visitar e procurou servir-se do pequeno aparelho, conseguindo
com facilidade fazê-lo mover-se automaticamente. Viu logo se formarem algumas
frases truncadas, indicando a presença de entidades que tentavam comunicar-se.
Uma dessas entidades lhe aconselhou que abandonasse a prancheta experimentasse
o lápis. Mrs. Hunter seguiu o conselho e não tardou a escrever correntemente.
Ao cabo de algum tempo, teve a manifestação de seu irmão morto na guerra, o
qual forneceu provas de identificação pessoal e narrou à irmã as circunstâncias
em que se dera a sua entrada no mundo espiritual. Mas, como essa narrativa
continha informações que pareceram absurdas ao médium, pediu este, a uma outra
entidade, explicações a respeito. A que se lhe manifestara, na qualidade de
Espírito-guia, prestou-se a esclarecer os pontos que a Mrs. Hunter se afiguravam
duvidosos. Aconselhou-Ihe em seguida que se dirigisse a alguma pessoa
competente em matéria de pesquisas mediúnicas.
Numa primeira carta que
dirigiu ao diretor do Light, escreveu à senhora Hope Hunter falando de si
mesma:
Não tive ocasião de me
instruir. Aos 14 anos, vi-me forçada a renunciar à escola, por causa da morte
de meu pai. Não me julgo capaz de redigir uma composição qualquer... Nada sabia
e nada sei do que respeita a experiências mediúnicas.
Os Espíritos que se
comunicam me exortam a submeter suas mensagens a alguém que tenha competência
na matéria...
Foi em virtude desta
exortação dos Espíritos que ela se dirigiu ao diretor do Light, Sr. David Gow,
que compreendeu o valor teórico deste caso de mediunidade súbita, o estudou
cuidadosamente e, afinal, publicou sabre ele um relatório completo na sua
revista.
Dada a impossibilidade
de reproduzir, por muito longas, as mensagens em questão, limitar-me-ei a citar
as passagens em que o irmão defunto descreve pormenores do meio espiritual, ou
episódios de outro gênero, comentadas em seguida pelo Espírito-guia do médium,
comentários que inserirei de modo mais extenso.
Quando o Espírito da
jovem militar se manifestou pela primeira vez, sucedeu o que quase
invariavelmente acontece nessas circunstâncias, como o sabem todos os que
experimentam, isto é, que o Espírito, reabsorvendo fluidos humanos e volvendo
parcialmente às condições terrestres, quais as em que se achava no termo da sua
existência, não pode deixar de ressentir e, conseguintemente, de transmitir ao
médium os sintomas que lhe caracterizaram a agonia. Dessa vez, a mão do médium
foi presa de tremores e de impressionantes arrancos convulsivos, que lhe faziam
saltar o braço em todas as direções. Quando, por fim, essas convulsões se
acalmaram, ditou o Espírito o que segue:
Foi o que se deu comigo,
quando cai mortalmente ferido pelos estilhaços de um obus. Dissera-me que a
minha morte ocorreu em menos de um minuto; as convulsões da agonia foram, pois,
muito curtas, embora eu tenha tido a impressão de durarem longas horas. Não te
assustes; isto não te trará conseqüências más. Quanto a mim, estou
perfeitamente bem; mas, voltando ao meio terrestre e pensando na minha morte,
não posso evitar se reproduzam os sintomas que a acompanharam.
Quando fui ferido,
achava-me à borda de uma trincheira e, quando as convulsões cessaram, estava
morto. Senti-me então, como antes, em perfeito estado de saúde. Via-me trajando
o uniforme militar. Meu primeiro pensamento foi para Ben (seu filhinho) e, ao
pensar nele, vi-me logo transportado à minha casa, onde o contemplei a dormir
na sua caminha, ao lado de Carris (a mãe). Distinguia-os tão bem como com os
olhos do corpo; em seguida te vi a ti e a John (o marido). Pensei em minha mãe
e logo me achei ao seu lado. Vi-a acordada na cama e lhe dirigi a palavra,
porém ela nenhum sinal deu de me ter ouvido. Voltei então para a França, para a
trincheira; mas, também é possível que me haja transportado a K... e a S... e
que ao mesmo tempo não tenha deixado a trincheira.
Sabia-me morto... e um
caso estranho me acontecia: via passar diante de meus olhos todos os
acontecimentos da minha vida, em os quais me comportara mal... Logo depois,
divulguei um Espírito que me vinha ao encontro... Era meu pai; porém, não o
reconheci. Entretanto, quando me chamou pelo meu nome: Will, imediatamente o
reconheci e me lancei a chorar nos seus braços. Sentia-me extraordinariamente
comovido e não sabia o que lhe dissesse. Nada posso dizer com relação ao tempo
que ali permanecemos. Lembro-me apenas de que, durante esse tempo, deixei de
ver os meus camaradas, de ouvir o ruído da batalha. Via, no entanto, os
pensamentos daqueles camaradas; verifiquei, assim, que muito os havia
impressionado a minha morte. Quando meu amigo Franck se aproximou do meu
cadáver, para se certificar de que eu estava realmente morto, ainda uma vez o
distingui como com os olhos do corpo. Meu pobre amigo desejava estar em meu
lugar e não ligava importância à vida, senão por amor de sua Dora...
Não me seria possível
dizer se estive nalguma outra parte, durante a minha permanência naquele lugar.
Encontrava-me num estado de completa confusão de idéias; o que me rodeava parecia
ao mesmo tempo muito nítido e muito incerto. Meu pai se conservava ao meu lado,
a me animar e a me dizer que não tardaria a readquirir o equilíbrio mental. Conduziu-me
depois à sua habitação, onde presentemente vivemos juntos, aguardando que a
mamãe venha para a nossa companhia...
Outro dia, disse-me ele:
Queres ver tua avó? - Eu ainda não a encontrara no mundo espiritual. Ela se
achava, ao que parece, numa localidade muito afastada de nós. Papai
acrescentou: Formula intensamente o desejo de estar com ela e o de que eu lá
esteja por minha vez. Fizemo-lo simultaneamente e saltamos com a rapidez do
relâmpago, através do espaço. Em menos de um segundo estávamos ao lado de minha
avó. Ela vive com meu avó e com o meu tio Walter, a quem não conheci na Terra;
logo, porém, percebi que o conhecia muito bem, por que, quando vivo, eu o ia
freqüentemente ver durante o sono; era meu pai quem me levava...
O que se acaba de ler é
extraído da primeira mensagem do irmão do morto de Mrs. Hope Hunter. Numa
segunda mensagem, acrescentou ele copiosos detalhes acerca do momento de sua
morte. Limitar-me-ei a transcrever esta passagem que completa a precedente.
Muitos de meus camaradas
se acharam mortos sem o saberem e, como não logravam perceber certas coisas,
supunham que estavam a sonhar. Eu, ao contrário, me inteirei imediatamente da
minha morte, porém não conseguia compreender o tato de ser absolutamente o
mesmo que anteriormente. Antes de ir para a guerra, jamais cogitara das
condições prováveis da existência espiritual; durante a vida nas trincheiras,
pensava nisso algumas vezes, mas longe estava de imaginar a verdade. Como era
natural, tinha na cabeça os coros celestes, as harpas angélicas, de que talam
as Santas Escrituras. O que sobretudo havia de mais incompreensível para mim
era me ver e sentir absolutamente o mesmo indivíduo de antes, quando, na
realidade, me achava transformado numa sombra. Em compensação, não podia igualmente
compreender uma outra circunstancia, a de que, quando vinha ver a vocês, os via
como se todos fossem sombras, ao passo que eu não o era. Quando estive em casa,
mal acabara de morrer, vi a vocês como os via quando vivo; mas, depois, pouco a
pouco, todos se foram tornando cada vez mais evanescentes, até não passarem de
puras sombras. Em suma não posso distinguir, nos seres vivos, senão a parte
destinada a sobreviver ao corpo...
Bem calculadas as
coisas, muito de verdadeiro havia no que dizia o nosso pastor em seus sermões.
. . Há realmente uma vida eterna. É, pelo menos, o que todos cremos; enquanto
que aqueles que na Terra viveram honesta e virtuosamente vão para um lugar que
se pode comparar a um paraíso, aqueles cuja existência transcorreu depravada e má
vai acabar em outro lugar que se pode exatamente definir como um inferno...
Acho-me aqui ativamente
ocupado. O mesmo se dá com todos, mas suspendemos o trabalho quando nos
sentimos fatigados. Atende, entretanto, a que, quando talo de cansaço, não me
refiro ao que vós ai experimentais. É coisa muito diversa. Quando estamos
fatigados, pensamos em nos distrair, segundo os nossos pendores. Nenhum de vós
poderia imaginar em que consistem os nossos descansos...
Se eu pudesse tornar a
viver (mas absolutamente não o desejo) e se soubesse o que sei agora, viveria
de maneira muito diferente. Doutra feita, falar-te-ei das minhas ocupações. Por
hoje, boa-noite!
Aí estão as passagens
essenciais das mensagens de que se trata e onde se fala da entrada do morto que
se comunica no meio espiritual. Aditar-lhes-ei algumas outras, colhidas nos
esclarecimentos dados a respeito pela Espírito-guia do médium, a pedido deste.
Ele começa ponderando:
Teu irmão, desde que o
feriram os estilhaços do obus, conheceu que lhe chegara à hora da morte. O
desconhecido que o esperava se lhe apresentou terrivelmente, nos espasmos da agonia...
Quando se comunicou mediunicamente, viveu esses terríveis momentos. Dai os
tremores convulsivos de tua mão e os arrancos do teu braço, que tanto te
impressionaram...
A crise da morte é,
fundamentalmente, a mesma para todos; contudo, no caso de um soldado que morre
de maneira quase fulminante, as coisas diferem um pouco, porém não muito.
Quando chegou o instante fatal, o corpo etéreo, que penetra o corpo carnal,
começa gradualmente a se libertar deste último, à medida que a vitalidade o vai
abandonando. .. Quem ainda não viu uma borboleta emergir da sua crisálida? Pois
bem! o processo é análogo... Desde que o corpo etéreo se haja libertado do
corpo carnal, outros Espíritos intervêm para auxiliar o recém-desencarnado.
Trata-se de um nascimento, em tudo análogo ao de uma criança no meio terrestre.
o que faz que o Espírito recém-nascido tenha necessidade de auxilio. Ele se
sente aturdido, desorientado, aterrado e não poderia ser de outro modo.. .
Quase sempre julga que
está sonhando. Ora, o nosso primeiro trabalho consiste em convencê-lo de que
não está morto. É o de que geralmente se encarregam os parentes do
recém-chegado, o que, as mais das vezes, não serve senão para confirmar, no
morto, a idéia de que está sonhando...
Teu irmão diz que se
transportou imediatamente a Samerset; que falou com sua mãe; que, viu o filho e
te viu com teu marido. Vou tentar explicar-te como isso ocorre. Logo após o
instante da morte, o Espírito ainda se acha impregnado de fluidos humanos. Pelo
que sei (e não é grande coisa) este fato significa que ele ainda está em
relação direta com o meio terrestre. Mas, ao mesmo tempo, está despojado do
corpo carnal e revestido unicamente do corpo etéreo. Basta, pois, que dirija o
pensamento a determinado lugar, para que seja instantaneamente transferido
aonde o leva o seu desejo. O primeiro pensamento de teu irmão foi dirigido, com
grande afeto, à sua mulher e seu filhinho; achou-se portanto, instantaneamente,
com eles; estando ainda impregnado de fluidos humanos, pode vê-los como com os
olhos do corpo...
Além disso, refere teu
irmão: Vi passarem diante de meus olhos todos os acontecimentos da minha vida,
em os quais me comportara mal. Trata-se de um fenômeno muito notável da
existência espiritual. Geralmente, isso prelúdia a sanção a que todos nos temos
que submeter, pelo que toca às nossas faltas. A visão se desenrola diante de
nós num rápido instante, mas nos oprime pelo seu volume e nos abala e impressiona
pela sua intensidade. Quase sempre, vemo-nos tais quais fomos, do berço ao
túmulo. Não me é possível dizer-te como isso se produz; porém, a razão do fato
reside numa circunstância natural da existência terrena, durante a qual toda
ação que executamos, todo pensamento que formulamos, quer para o bem, quer para
o mal, fica registrado indelevelmente no éter vitalizado que nos impregna o
organismo. Trata-se, em suma, de um processo fotográfico; com isto imprimimos e
fixamos vibrações no éter e este processo começa desde o nosso nascimento...
Teu irmão continua,
referindo como encontrou o pai. Tudo isso se produziu num instante do vosso
tempo; mas, para ele, Sue calculava o tempo pela intensidade e pelo concurso
dos acontecimentos, os segundos pareceram horas. A principio, não reconheceu o
pai, o que freqüentemente acontece. Com efeito, os desencarnados não esperam
encontrar-se com seus parentes; ao demais, o aspecto destes tem geralmente
mudado. Entre nós, também existe um desenvolvimento do corpo etéreo... Um bebê
cresce até chegar à maturidade. Contrariamente, um velho alcança a seu turno a
idade viril, rejuvenescendo. Teu pai e dele morreu na plenitude da idade
adulta; apesar disso, o filho não o reconheceu, porque muitos anos haviam
passado e o pai atingira, no mundo espiritual, um estado de radiosa beleza.
Reconheceu-o, todavia, assim aquele lhe dirigiu a palavra. Ninguém pode
enganar-se no mundo espiritual.
A outra afirmativa de
teu irmão é de si mesma clara.
Observa ele: Eu podia
ver o que pensavam os meus camaradas. O tato se dá, porque, na vida espiritual,
a transmissão do pensamento é a forma normal de conversação entre os Espíritos;
depois, porque muitos pensamentos se exteriorizam da fronte daquele que os
formula, revestindo formas concretas, correspondentes à idéia pensada, formas
que todos os Espíritos percebem...
Informou-te, afinal, de
que vivia com o pai, na habitação deste último. E absolutamente exato. Já
noutra mensagem te expliquei que no mundo espiritual o pensamento e a vontade são
torças por meio das quais se pode criar o que se deseje...
Paro aqui com as
citações. Compreende-se que outros informes se encontram, concordantes com
análogas afirmações contidas em outras coleções de revelações transcendentais;
porém, como geralmente se trata de informações concernentes á existência
espiritual propriamente dita e que, portanto, escapam aos limites que me tracei
nesta obra, devo dispensar-me de as reproduzir. Em todo caso, os informes que
transcrevi deveriam bastar, para confirmação da grande verdade que ressalta dos
casos dos médiuns improvisados, inteiramente ignorantes das doutrinas espíritas
e que, não obstante, recebem mensagens concordantes, em que todos os detalhes
coincidem com as outras narrações do mesmo gênero. Há aí uma verdade que se
impõe à razão e que força a reconhecer-se que, assim sendo, as personalidades
mediúnicas que se comunicam não podem ser personificações subconscientes, caso
em que, é claro, deveriam contradizer-se mutuamente. Têm elas, portanto, que
ser consideradas como Espíritos de mortos, que tiram de uma experiência comum às
informações que dão, a que lhes explica a concordância. Está entendido que,
quando se fala de concordâncias, não há esquecer que devem ser consideradas
relativamente às condições espirituais em que se acham as personalidades que se
comunicam, isto é, que uma entidade desencarnada, moralmente normal, se achará
de acorda com as outras entidades que participam da sua natureza, quanto à
descrição que fazem do meio radioso onde se encontram; contrariamente, uma
entidade moralmente depravada estará de acordo com todas as outras entidades
que participam da sua natureza, quanto à descrição do meio tenebroso onde se
encontram.
Lembrarei, finalmente,
que são assaz numerosos os casos análogos ao que acabo de citar e em que o
médium não conhecia as doutrinas espíritas. Já citei alguns e ainda citarei
outros. Entretanto, cumpre-me recordar que o assunta muito circunscrito coar
que aqui me ocupa não me permite fazer ressaltar, em toda a sua cumulativa
eloqüência, o valor decisivo no sentido espírita dos casos desta espécie. Não o
esqueçamos.
Falta-me agora
acrescentar duas palavras de comentário a uma afirmação do Espírito-guia. Aludo
aos processos psicofisiológicos pelos quais as vibrações correspondentes às nossas
ações e pensamentos se gravariam e fixaria no corpo etéreo - o que constituiria
o substratum da memória integral, existente na subconsciência humana.
Observarei a este respeito que as afirmações do Espírito-guia concordam com as
indicações dos psicólogos e dos fisiologistas. Estes, com efeito, para darem
idéia da maneira por que se cria e funciona a memória fisiológica normal, assim
como a memória integral subconsciente, cuja existência reconhecem, falam
igualmente de vibrações do pensamento, que se gravam de modo indelével na
substância cerebral. Apenas neste último detalhe se nota uma discordância entre
as indicações dos psicólogos e os ensinos do Espírito-guia, segundo quem as
vibrações do pensamento se gravariam e fixariam inapagavelmente no éter vitalizado
que constitui o corpo etéreo.
Acrescentarei que esta
última explicação do fenômeno deve certamente ser verdadeira, para o caso da
memória integral sobreviver à morte do corpo. Aliás, se nos lembrarmos de que a
substância cerebral existe em condições de processos permanente e rápido de
transformação, de eliminação, de renovação, não vemos bem como se possa admitir
que ela guarde inapagavelmente as vibrações do pensamento, constitutivas da
memória normal e da memória integral subconsciente. Nestas condições, forçoso é
convir em que a afirmação do Espírito-guia tem por si todas as probabilidades
de ser verdadeira. Essas probabilidades são ulteriormente corroboradas, desde que
se considere que a indicação dos psicólogos é impotente para explicar o fato de
existir, na subconsciência humana, uma memória integral maravilhosa, que se
conserva ociosa e sem utilidade durante a existência terrena.
Uma vez que,
aceitando-se a explicação da entidade que se comunica, essa dificuldade não se
apresentaria, daí se deveria inferir que a memória Integral subconsciente
permanece ociosa e sem utilidade durante a existência terrena, porque
representa a memória normal da existência espiritual, à espera de emergir e
manifestar-se em um meio apropriado, depois da crise da morte; do mesmo modo
que as faculdades supranormais subconscientes se conservam inoperantes, no
curso da existência terrena, porque representam os sentidos, de antemão formados,
da existência espiritual, à espera de emergirem e exercitarem-se no meio
espiritual, ao mesmo tempo em que a memória integral, após a crise da morte.
Oitavo Caso
Este caso também é
tirado do Light (1925, página 234).
Apenas foram publicadas
as iniciais - K. H. R. D. - do narrador experimentador, que é uma personagem
bastante conhecida e que mantém relações pessoais com o diretor da revista.
Precedeu ele das notas
seguintes o texto das comunicações.
Nas mensagens que vou
reproduzir aqui, o Espírito que se comunicava era o de um jovem soldado que se
alistara como voluntário no começo da grande guerra e fora morto logo no primeiro
ano desta. Sua identidade pessoal foi previamente examinada e comprovada, por
meio de sistemas de investigações rigorosamente científicos (especialmente pelo
método das Correspondências cruzadas). As sessões de que se trata realizaram-se
no correr dos meses de maio e junho de 1918. Esta publicação de uma parte das
mensagens obtidas se dá para satisfazer ao desejo manifestado por um
metapsiquista eminente, que observou não dever ser privada de publicidade uma série
tão importante de informações acerca da existência espiritual - série que
contribuía para aumentar o valor cumulativo das revelações transcendentais. E
acrescentava:
E isso tanto mais, quanta
é ainda numerosa os pesquisadores que pensam nada se haver até agora obtido de
importante e concordante, relativamente às modalidades da existência
espiritual.
Como o Espírito que se
comunicava dissera que, durante o período da guerra, estivera encarregado de
assistir os soldados que tombavam nos campos de batalha, foram-lhe pedidos
esclarecimentos sobre esse assunto e ele respondeu assim:
Eles chegam ao mundo
espiritual com os sentimentos que os dominavam no momento da morte. Alguns
julgam estar ainda combatendo: tem-se que os acalmar. Outros imaginam que
ficaram loucos, por se haver transformado de súbito o meio em torno deles. Nada
disto certamente vos surpreenderá, porquanto podeis imaginar em que terrível
estado de tensão de Espírito, bem semelhante à loucura, se empenham às
batalhas. Há outros que pensam ter sido gravemente feridos, sem se haverem
apercebido disso é aliás, o que efetivamente lhes aconteceu, com a diferença,
entretanto, de que supõem terem sido transportados para um hospital de sangue e
pedem explicações sobre o estado em que se acham. Temos, primeiro, que procurar
distraí-los gracejando, e só pouco a pouco os levar a compreender a verdadeira
significação do pretendido hospital em que se encontram. Há também os que
acolhem com real satisfação a noticia de que morreram; estes são os que, no
curso da vida horrível das trincheiras, passaram os limites extremos do que a
sensibilidade humana pode suportar. O mesmo já não se dá com outros, que deixam
no mundo pais a quem amam com ternura; neste caso, temos que os conduzir
gradualmente à realidade do estado em que se encontram, com um tato e uma
delicadeza infinitos. Muitos há, tão fatigados, que nenhuma energia mais lhes
resta para deplorarem coisa alguma; esses não demoram em entrar no período do
sono reparador. Há, finalmente, os que tinham previsto a morte iminente, vendo
o obus descer do alto; esperavam o fim, com a sua explosão inevitável.
Entre estes últimos,
muitos se contam que caem no sono logo que desencarnam; isto se produz, quando
faziam idéia de que a morte era o aniquilamento; o período do sono reparador se
adapta então imediatamente às suas convicções a respeito. Esses não precisam de
explicações, ou de socorro, até ao termo do período de repouso, que se
prolonga, às vezes, por muito tempo, quando suas convicções, no tocante à inexistência
da alma, eram profundamente enraizadas...
Nesse momento,
dirigindo-se ao experimentador, o Espírito que se comunicava emite uma
observação sobre as modalidades em que a sua mensagem é transmitida. Essa
observação é muito significativa, no sentido da autenticidade transcendental da
mensagem em questão. Com efeito, interrompendo-se, observa o Espírito:
Verifico que consigo
muito melhor transmitir o meu pensamento ao médium, deixando-o livre de
revestir com suas próprias palavras o que lhe transmito. Percebeste que o
estilo mudou de repente? Limito-me agora a lhe transmitir o meu pensamento, que
a sua mentalidade percebe, assimila e reveste do seu estilo literário bem
conhecido.
Pergunta - Caíste
imediatamente em sono?
Resposta - Não,
precisava, antes de tudo, de cuidados, porque eu compreendera a sorte que me
aguardava.
- Compreendeste... Qué?
- Sabia estar gravemente
ferido e esperava morrer de um instante para outro. Entretanto, quando a morte
se deu, não estava bem certo do que me acontecia. Perguntava a mim mesmo se não
estaria a sonhar. Esse sonho, porém, me parecia muito agradável, pois que me
via cercado de atenções e comoventes cuidados. Comecei então a suspeitar da
verdade; mas, os Espíritos que me assistiam me haviam colocado num certo meio, que
me parecia uma sala de hospital, provida de todo o conforto moderno. Tinham-me tratado tão bem, que já não
sofria; haviam, enfim, cerrado as janelas, dizendo a todo mundo que era preciso
dormir.
Quando despertei, tive a
intuição nítida de que me achava no mundo espiritual.
- Alegraste-te com o
sabê-lo?
- De certo modo, sim,
visto que já me familiarizara com essa idéia; aliás, o fato de estar cercado de
tantos cuidados era de molde a me reconfortar. Agora, sou eu quem cerca das
mesmas atenções os meus camaradas, que chegam em tão grande número ao mundo
espiritual...
Neste ponto, o Espírito
se dirige ao médium, dizendo:
Transcreveste fielmente
até à última sílaba o que te transmiti. Retomarei em breve a minha mensagem;
mas, neste momento, me retiro um pouco e te deixo livre de conversares por tua
conta. ..
O Médium - Que estranho
que é! Percebo agora o Espírito por detrás de mim. Está aqui (indica o lugar).
Experimento uma sensação curiosa: sinto-me aqui onde se acha o meu corpo e, no
entanto, tenho a impressão de estar nele (no Espírito) uma parte de mim mesmo.
Presentemente, sua forma ocupa parcialmente o mesmo lugar onde se acham minha
cabeça e meus ombros; porém, ela se prolonga um pouco para trás do limite do
meu corpo. Diz-me ele, agora, que vai retomar a narrativa interrompida.
Continua assim o
Espírito:
Quando se sai do sono
reparador, as coisas mudam de aspecto; é um estado da alma difícil de explicar;
esforçar-me-ei o mais que possa para me fazer compreendido.
Antes do sono, sempre se
guarda, em parte, a ilusão de ser-se ainda a mesma pessoa que precedentemente.
Esse estado de incerteza gera a lassidão. O Espírito ressente a necessidade de
repousar, de dormir; cai, afinal, adormecido. Durante o sono, transformações
notáveis se produzem; mas, ainda não estou em condições de te esclarecer a este
respeito. Hás de compreender que não se trata do sono que conheces; é, contudo,
a melhor analogia, para te dar desse estado uma idéia, tanto mais quanto não
ignoras que mesmo no sono fisiológico, se produzem fenômenos que ninguém chega
a explicar. Em todo caso, quando desperta, o Espírito se sente um outro ser.
Sabe que se acha num meio espiritual e que é um Espírito; tal qual como quando,
no mundo dos vivos, uma pessoa acorda com a solução de um problema que lhe
parecera insolúvel antes de adormecer.
Os que desencarnam com a
convicção da existência de uma vida de além-túmulo não necessitam dormir, a
menos que cheguem ao mundo espirituais esgotados por longa enfermidade, ou
deprimidos por uma vida de tribulações. Na prática, poucos há que não necessite
de um período mais ou menos longo de sono. Este período é mais ou menos
prolongado e mais ou menos profundo o sono, conforme a dificuldade que o Espírito
encontra para se adaptar às novas condições.
Vou agora te dizer às
impressões que experimentei, ao despertar do sono. Tinha plena consciência de
estar vivo, isto é, de que saíra daquele estado de incerteza em que se tem a ilusão
de estar ainda no meio terrestre e sonhar. Compreendes o que quero dizer?
- Sim, perfeitamente.
- Depois do despertar,
ao contrário, sabe-se, conhece-se. Não se tem mais a impressão de estar
sonhando. Os Espíritos muito inferiores, que permanecem ligados a Terra
(earthbound), não gozam do beneficio do sono reparador; por conseguinte,
perseveram na ilusão de estarem ainda vivos e presas de estranho sonho. Não
esqueçais, pois, que os Espíritos ligados a Terra, ou Espíritos assombradores,
são os que vivem perpetuamente nessa ilusão...
Uma enorme curiosidade é
o primeiro sentimento que assalta aquele que desperta com a plena consciência
do que somos e do lugar onde nos encontramos, isto é, sabendo que somos
Espíritos sobreviventes à morte do corpo e que nos achamos em outro plano da
existência. Essa curiosidade é acompanhada, naturalmente, de um grande desejo
de explorar o novo meio, de saber cada vez mais a seu respeito. Verificamos,
primeiramente, que há em torno de nós coisas; é a primeira observação que nos
enche de espanto, tanto mais que essas coisas parecem da mesma natureza que as
que conhecemos na Terra, ainda que também pareçam diferentes, mas de modo
difícil de compreender-se. Elas são reais, absolutamente reais: isto vemo-lo
bem e, no entanto, temos a intuição de que são apenas temporárias e que apenas
correspondem ao estado espiritual que se segue ao despertar.
Em seguida, não tardamos
a descobrir (e isto é muito curioso e interessante) que podemos transformar
certas coisas que vemos em torno de nós, unicamente pelo desejarmos que elas se
transformem. Porém, não o podemos fazer senão com objetos de pouca importância.
Assim, por exemplo, se percebo aos meus pés uma agulha de pinheiro e me ponho a
desejar que ela se torne uma agulha de aço, ei-la mudada numa verdadeira agulha
de coser, que posso apanhar e observar. Não poderíamos, entretanto, transformar
os objetos volumosos e, ainda menos, o meio em que vivemos. E não poderíamos
fazê-lo, porque a paisagem que nos rodeia não é somente cenário nosso; é o
cenário de todos os Espíritos. Podemos transformar coisas pequeninas, quando
isso a ninguém aborreça, a ninguém prejudique. Após repetidas experiências
desta natureza, começa-se a compreender a verdade, isto é, que o meio onde
vivemos é, na realidade, constituído unicamente de formas do pensamento e de
projeções da memória; que tudo isto está organizado com o fim de tornar mais
fácil, aos Espíritos recém-chegados, o período de transição da existência
terrestre para a existência espiritual propriamente dita. E muito aprendemos a
esse respeito, procurando em torno de nós tudo o que estejamos em condições de
transformar por um ato da vontade e tudo o que se conserva inalterado, apesar
dos esforços da vontade.
Não falei até aqui senão
das nossas percepções e realizações; há, todavia, muitas coisas que não podemos
aprender pela simples observação do meio espiritual. Assim, por exemplo, tem-se
que aprender como se produzem efetivamente às conversações e as trocas de
idéias entre os Espíritos que se acham na mesma fase de desenvolvimento. A
principio, afigura-se-nos que os Espíritos conversam da mesma maneira que o
faziam na Terra, quando vivos; apenas se experimenta, desde o começo, a curiosa
sensação - que também muitas vezes se verifica no mundo dos vivos - de
compreender-se muito mais do que o que se formula verbalmente. Mas, no meio
espiritual, esse sentimento é de contínuo experimentado e é infinitamente mais
forte do que o que se produz no mundo dos vivos. Não custamos, pois, a
compreender que a nossa conversação, por meio da palavra, não constitui mais do
que uma espécie de superestrutura artificial, substancialmente inútil para a
permuta das nossas idéias, que, na realidade, se opera diretamente, pela
transmissão dos pensamentos. ..
Abstenho-me, muito a meu
mal grado, de extrair do texto outros detalhes importantes, com que neles
deparamos, pela necessidade de não ultrapassar os limites do que me é bastante,
para atingir o fim a que me proponho nesta obra.
Como se vê, em a
narrativa acima também são notáveis as concordâncias que habitualmente se
verificam nas mensagens que se ocupam com as modalidades da existência
espiritual. Todavia, no caso de que se trata, as descrições sobre este assunto
se desdobram com maior amplitude de pormenores instrutivos. Notarei, por
exemplo, a eficácia, psicologicamente sugestiva, com que o Espírito que se
comunica descreve as impressões multiformes que experimentariam os Espíritos
dos soldados mortos em guerra, no momento de entrarem no meio espiritual:
impressões correspondentes às diversas condições psicológicas e morais em que
eles se acham por Ocasião da morte. Farei também notar que ninguém poderia
deixar de reconhecer não menos significativa, do ponto de vista psicológico, a
maneira por que a mesma entidade descreve as modalidades tão várias, segundo as
quais se produziria o sono reparador nos defuntos, o que, por sua vez, está em
relação com as diferentes condições psicológicas, afetivas, morais, emocionais,
em que se encontram os recém-chegados, no momento do traspasse.
Assinalo igualmente a
verossimilhança psicológica, racional e natural, com que a mesma entidade
descreve as impressões pelas quais os Espíritos recém-chegados seriam
gradualmente conduzidos a se inteirarem de que as conversações de viva voz são
supérfluas no mundo espiritual, desde que o mesmo fim é alcançado muito melhor,
permutando-se as idéias pela transmissão do pensamento.
Resta-me, por fim,
assinalar a mesma amplitude de detalhes, teoricamente instrutivos, na
circunstância do muito interessante fenômeno do pensamento e da vontade,
considerados como forças que modelam e organiza no meio espiritual. Já tive
ocasião de desenvolver longamente este assunto, que é excepcionalmente
interessante, pois que permite se apreendam nitidamente as modalidades em que
se desdobra a existência espiritual, nas esferas preparatórias, próximas do
mundo dos vivos. Assim é que se chega a eliminar as formidáveis objeções que
induziam a maioria dos pesquisadores a atribuir uma origem puramente
subconsciente a todas as revelações transcendentais, objeções que, irremovíveis
na aparência, desaparecem, ao contrário, como o nevoeiro em face do Sol, ante a
grande verdade psicológica de que se trata, verdade que é também reconhecida
como experimentalmente demonstrada no mundo dos vivos. Nestas condições,
indispensáveis se torna que me detenha, ulteriormente, sobre este tema.
No caso que nos ocupa,
só muito eficaz, muito instrutiva se poderia achar a descrição, que faz o Espírito
comunicante, das modalidades pelas quais os Espíritos recém-vindos chegam
gradualmente a descobrir que o meio onde se encontram é constituído de formas
do pensamento e de projeções da memória e que tudo isto está organizado com o
fim de tornar mais fácil, ao recém-desencarnados, o período de transição da existência
terrestre para a existência espiritual propriamente dita.
Para melhor ilustrar,
posteriormente, esta grande verdade, julgo útil reproduzir longo trecho de um
artigo que publiquei, há algum tempo, sobre o mesmo assunto. Reportando-me às
revelações transcendentais, em geral, raciocinava assim:
Os informes que acabo de
reproduzir concordam exatamente com o que se lê na obra do professor Oliver
Lodge, intitulada - Raymond. Toda gente se lembra da referida ironia e das
vulgares chacotas dos jornalistas, a propósito de uma afirmação análoga às que
precedem, porém mais especificas, do Espírito Raymond, que tivera ocasião de
aludir à anedota seguinte:
Outro dia, chegou um
soldado que desejava fumar um charuto. Logo lhe apresentou uma coisa cuja aparência
era bem a de um charuto. O soldado a tomou avidamente; porém, pondo-se a
fumá-lo, não experimentou a satisfação habitual; pelo que, depois de haver
consumido quatro, deixou para sempre de pedi-los. E o que se dá com todos os
Espíritos recém-chegados: não encontram a mesma satisfação que antes, nesses
hábitos voluptuosos, adquiridos no mundo dos vivos e os perdem. Entretanto,
quando chegam aqui, ainda estão influenciados pelas tendências que os dominavam
na Terra. Assim, alguns há que pedem de comer; outros desejariam beber um gole
de uísque. Não tens que te espantar, se eu te disser que há meio de serem
contentados, fornecendo-se-lhes qualquer coisa que se assemelhe ao que eles
reclamam. Somente, desde que hajam saboreado uma ou duas vezes a coisa
desejada, não mais sentem dela necessidade e a esquecem... (Raymond, págs.
197-198.)
Eis ai o que refere a
personalidade mediúnica de Raymond, que, conforme o disse eu - não faz mais do
que relatar anedotas análogas a outras narradas precedentemente por muitas personalidades
mediúnicas. Mas, ao mesmo tempo, importa notar que as personalidades em questão
jamais deixaram de advertir que se não tratava de alimentos, de bebidas, de
tabaco, porém de criações efêmeras do pensamento, não tendo por fim senão
trazer, gradualmente e sem abalos emocionais, aqueles Espíritos 8 realização
das condições em que se encontram, ainda excessivamente dominados pelos hábitos
contraídos na existência terrestre, de modo a não ficarem consternados, como
ficariam, se viessem a saber bruscamente que se achavam na condição de
Espíritos desencarnados, ou, mais exatamente, de Espíritos desprovidos de corpo.
Em suma, o Espírito do
defunto Raymond nunca pensou em afirmar que no meio espiritual se fumavam
charutos autênticos, nem se bebia uísque feito de álcool. Os jornalistas,
porém, não atentaram bem nisso e se serviram do episódio em questão para
provocar a hilaridade das massas, anunciando que no paraíso dos espíritas se
fumam havanas e se saboreia uísque!
Quem se disponha a
considerar os fatos, de um ponto de vista sereno e objetivo, não poderá deixar
de logo reconhecer que os fenômenos anímicos da fotografia do pensamento e da Ideoplastia,
tais como se realizam experimentalmente no mundo dos vivos, já servem para
confirmar, apoiando-a em fatos incontestáveis, a afirmação fundamental contida
na revelação com que nos ocupamos. Com efeito, se o pensamento é uma força
criadora durante a existência terrena, nada há de absurdo e de Insustentável em
o fato de que, nas esferas espirituais, ou, mais exatamente, na esfera
preparatória da existência espiritual propriamente dita, a torça criadora do
pensamento se exercite espontaneamente sobre essências etéreas - por assim
dizer - para produzir duplicatas efêmeras de todos os objetos, de toda
substância terrestre, e que essa faculdade do Espírito seja empregada com
relação aos Espíritos pouco elevados, dominados ainda pelas tendências
voluptuosas trazidas da Terra.
Esses Espíritos são
assim preparados gradualmente, graças a convenientes ilusões desta espécie, a
se adaptarem à mudança radical que sofrem subitamente e que uma oportuna
condição psicológica, análoga ao sonambulismo, lhes não permite reconhecer no
primeiro momento. Parece que os que mais necessitam deste gênero de ilusões
benfazejas são os Espíritos daqueles que entraram na existência espiritual por
efeito de uma morte violenta ou repentina, como se dá justamente com os
soldados que tombam em guerra, ou com os que sucumbem de súbito a uma
apoplexia, a uma sincope, ou a infortúnios acidentais.
Nestas condições, tem-se
o direito de perguntar o que há de absurdo, de ridículo, de inconciliável com a
existência espiritual, em tudo o que descrevem as personalidades mediúnicas.
Dever-se-ia dizer, muito ao contrário, que nada há de mais racional, do ponto
de vista psicológico e terapêutico, do que estes processos de desabituar,
empregados nas esferas espirituais, para libertar gradualmente os Espíritos
desencarnados das tendências voluptuosas adquiridas no curso da existência
terrestre, processos absolutamente análogos aos adotados na Terra para
desabituar os alcoólicos e os morfinômanos, aos quais não se interrompem bruscamente
os hábitos viciosos - pois que isso provocaria graves perturbações funcionais.
O que se faz é submeter mediante lenta graduação, a um uso cada vez mais
restrito das doses de álcool ou de morfina. Vale, portanto, a pena perguntar,
ainda uma vez: Por que se haveria de considerar absurda e ridícula a Informação
de que, no mundo espiritual, se segue o mesmo racional sistema, para fazer que
os Espíritos desencarnados abandonem os hábitos viciosos que contraíram na
Terra? Não são idênticas as leis psicológicas a que se acham sujeitos o Espírito
encarnado e o desencarnado? Sendo assim, por que os processos para desabituar,
eficazes e indispensáveis num estado de existência, seriam menos eficazes e
menos indispensáveis no outro? Não haveria razão para notar-se que as ironias
ferinas dos jornalistas e a hilaridade das massas apenas demonstram a profunda
ignorância de uns e outras acerca de um assunto que os fenômenos de fotografia
do pensamento e de ideoplastia, de um lado, os processos de análise comparada, de
outro, provam, ao contrário, ser digno da mais séria consideração? E, se os
processos de análise comparada chegassem um dia a provar definitivamente que um
fundo incontestável de verdade existe neste tema, então, longe de considerá-lo
merecedor somente de desprezo, teclamos todos que mostrar verdadeira sabedoria,
examinando-o sistematicamente, com grandíssima vantagem para a Humanidade.
Assim me exprimia eu, no
artigo que publiquei sabre o assunto, e não creio que haja mister
acrescentar-lhe coisa alguma, a não ser uma observação de ordem geral, relativamente
á natureza das projeções do pensamento no meio espiritual. Se, do ponto de
vista da evolução ulterior do Espírito, essas projeções deveriam ser
consideradas efêmeras, não menos verdadeiro é que, do ponto de vista da
existência espiritual nas esferas em que se produzem tais manifestações, elas
deveram, ao contrário, ser consideradas substanciais. Admitamos, com efeito, a
existência de um meio espiritual, cuja densidade específica seja constituída de
éter vitalizado. Em um mundo assim constituído, mesmo a paisagem geral
(provável projeção da vontade de entidades superiores, prepostas à direção das
esferas espirituais em questão), assim como as projeções particulares das
vontades dos Espíritos, deveriam ser consideradas reais, absolutamente reais,
pois que teriam a mesma consistência que o organismo espiritual dos seres que o
habitam e seriam constituídas do mesmo elemento imaterial. E assim, aliás, que
as coisas de que estamos cercados nos aparecem consistentes, no meio terrestre
que este é constituída dos mesmos elementos físicos que compõem o organismo
corporal de que somos revestidos.
Passando a outras
informações importantes, contidas na mensagem a cuja análise me propus,
assinalarei o interesse que apresenta o parágrafo referente aos Espíritos muito
inferiores, cujas paixões e aspirações terrenas continuariam a dominá-los a
ponto de os prender por tempo mais ou menos longo, ao meio onde viveram.
Seguir-se-ia que, excluídos do sono reparador, permaneceriam na ilusão de
estarem ainda vivos, porém presas de um sonho singular. Esta última informação
que, em a narrativa da entidade cuja mensagem se vai ler, não passa de simples
episódio, apresenta, na realidade, imensa importância teórica, porque basta
para dissipar uma outra das mais formidáveis incertezas, que impediam de
reconhecer-se à proveniência, estranha ao médium e, por conseguinte, espírita,
de toda uma categoria de manifestações supranormais: a dos fenômenos de
assombramento, nos quais se verifica o detalhe de um fantasma repetir
constantemente a mesma ação, como, por exemplo, a de passear ao longo de um
corredor, conservar-se ao lado de uma lareira apagada, contar dinheiro
avidamente perto de um cofre-forte que realmente existe na casa assombrada. Ora,
do ponto de vista da proveniência espírita dos fenômenos em questão, não se
sabia como explicar essa repetição invariável do mesmo episódio, de cada vez
que o fantasma aparecia. Era se então levado a recorrer a outras hipóteses que,
muito gratuitas, forçadas e, sobretudo, impotentes, para bem explicar o
conjunto dos fatos, pareciam menos inverossímeis do que a espírita. Ora, o
esclarecimento constante da frase de que se trata resolve de modo simples e
racional o formidável problema. Com efeito, se admitir que há Espíritos desencarnados, que as
suas paixões terrenas os dominam a ponto de os prenderem ao meio onde viveram,
perdendo assim o benefício do sono reparador e permanecendo longo tempo em
condições psíquicas especiais (análogas ao sonambulismo vígil dos
hipnotizados), crendo-se ainda vivos, mas presas de um sonho curioso, ou de um
horrível pesadelo, explicada se torna a repetição monótona do mesmo episódio,
nos casos dos fantasmas assombradores. Dever-se-ia, efetivamente, concluir daí
que esses Espíritos se acham presas de um monoideísmo, que os obriga a repetir
automaticamente uma determinada ação, que lhe era costumeira quando vivos, ou
então a cena obsidente de uma obra má que praticaram aliás, o que se dá nos
casos dos monoideísmos experimentalmente provocados em pacientes hipnotizados,
monoideísmos que são executados e renovados sem interrupção pelo paciente, até
ao instante em que o experimentador retira a sugestão que dera.
Termino, chamando a
atenção de meus leitores para a espontaneidade, prenhe da sinceridade
característica das impressões experimentadas de modo autêntico, com que o
Espírito que se comunicava interrompeu duas vezes a sua narrativa. Da primeira
vez, foi para se dirigir ao experimentador e lhe assinalar uma observação
interessante que acabava de fazer, isto é, que conseguia muito melhor
transmitir seu pensamento ao médium, quando o deixava livre de revesti-lo das
suas próprias palavras. E pergunta, a esse propósito, ao experimentador:
Notaste que o estilo mudou subitamente? - De outra vez, interrompeu a
narrativa, para tentar uma experiência, a de fazer-se ver pelo médium. Esse,
efetivamente, anuncia, com viva surpresa, perceber atrás de si o fantasma do
Espírito que se comunicava e acrescenta que sentia ser, em parte, ele próprio,
em parte, um outro, o que concorda com a visão que percebia. Vê o corpo do
Espírito que se comunica como se uma parte deste último o houvesse penetrado.
Toda gente compreende
que essas interpolações inesperadas, no curso da narração, muito contribuem para
convencer da presença real do Espírito autor da mensagem. De fato, na hipótese
das personificações subconscientes, não se sabe como justificar, de maneira
racional, essas irrupções subitâneas, tanto mais se considerar que elas correspondem a duas circunstâncias
que se verificaram simultaneamente: a do médium haver mudado repentinamente o
estilo de que usara até àquele momento e a de ter tido a visão súbita do
Espírito autor da mensagem.
Nono Caso
Tiro-o do recente livro
de mensagens transcendentais intitulado: A Heretic in Heaven. O médium-narrador
é o Sr. Ernesto H. Peckham, conhecido pelas suas pesquisas metapsíquicas, o
mesmo que precedentemente escreveu o belo volumezinho intitulada: The Morrow ot
Death.
Desta feita, o Espírito
que se comunicava fora, quando vivo, membro do mesmo círculo experimental, em
casa do Senhor Peckham. Declarara, no entanto, não desejar que lhe publicassem
o nome, para não magoar inutilmente as pessoas de sua família que, seguindo a
mais intransigente ortodoxia católica, não deixariam de protestar, se metessem
o nome do parente morto em experiências tidas por diabólicas. Ele, pois, fez
que, no tratado que deliberara ditar, o designassem pelo pseudônimo de Daddy.
Aconselhou que intitulassem a obra: Um Herético no Paraíso, a fim de demonstrar
que, tendo sido, quando vivo, um dissidente em matéria de dogmas, se achava num
meio espiritual correspondente ao que os ortodoxos jurariam ser a paraíso.
O Espírito abre o seu
tratado com o preâmbulo seguinte, cuja feitio não devera ser jamais esquecido,
quando se lêem e discutem mensagens mediúnicas concernentes às modalidades da
existência espiritual:
Neste pequeno tratado,
proponho-me a te referir alguma coisa da nossa existência espiritual, tão
extraordinariamente animada, na qual emergi por intermédio da morte.
Infelizmente, a tarefa que desejo executar apresenta dificuldades quase
insuperáveis, por isso que a existência supranormal ultrapassa enormemente tudo
o que se conhece e experimenta na existência terrena. Por exemplo: se bem me
haja conservado, substancialmente, a mesma personagem, vi desenvolverem-se em
mim faculdades e potencialidades, que me abriram novo campo, imenso, de
atividades inimaginadas. Ora, é impossível explicar-te, por meio da
terminologia terrestre, em que consistem essas atividades. .. Tentarei dar uma
idéia dessa insuperável dificuldade, fazendo notar que a minha tarefa pode
comparar-se à de um homem que fosse obrigado a descrever coisas vistas em termos
de coisas ouvidas. A audição é uma impressão bem pobre, comparada com a visão.
Como descrever as belezas de uma aurora nos Alpes suíços, com toda a radiosa
glória de matizes doiro, recorrendo aos acordes de um instrumento musical? Como
poderia eu descrever-te exatamente e de modo apropriado à glória da existência
espiritual, empregando a linguagem grosseira e material dos terrícolas?...
Declarações análogas se
encontram incessantemente repetidas, nas coleções de revelações transcendentais.
Importa tê-Ias bem presentes ao espírito, quando se lêem certas descrições de
acontecimentos, de espetáculos, de ocupações num meio espiritual, as quais nos
parecem muito análogas às do mundo dos vivos e apresentam, sem dúvida, o valor
de representações simbólicas de uma realidade inacessível aos vivos.
Passo á transcrição de alguns
trechos de comunicações em que o Espírito que se manifesta fala de sua entrada
no mundo espiritual.
A maior surpresa que
espera um vivo, na crise da morte, consiste no fato de ele despertar e se
reconhecer morto. Quando procuram fazer-nos compreender que estamos mortos,
somos infalivelmente levados a responder: Impossível! Por que deveria eu me
considerar morto, uma vez que me sinto mais vivo do que antes? - Efetivamente,
não nos sentimos de modo algum mudados. Tudo o que contribui para formar a existência
da nossa individualidade permanente inalterado. Ao mesmo tempo, o meio imediato
em que entramos nos parece aquele que nos é familiar. (Na realidade, tomos nós
que inconscientemente o objetivamos pelo pensamento.) Assim sendo, não podemos
acreditar no maravilhoso fenômeno de estarmos realmente mortos. Estas primeiras
Impressões podem ser definidas como: a surpresa número um.
Naturalmente, eu, por
minha vez, pensava que era assim, quando, pela morte, penetrei no mundo
espiritual. Os acessos de soluços, a asma e os outros sintomas bronquiais, que
me haviam atormentado no momento da morte, continuavam a afligir-me, quando
abri os olhos para a vida espiritual. Como bem se pode ver, assim não era, em
realidade. Tratava-se de uma reprodução efêmera dos sofrimentos que
experimentava, reprodução oriunda das vivas lembranças que deles me ficaram.
Acrescentarei que essas reproduções efêmeras dos males realmente sofridos são
uma conseqüência inevitável, geral e, mesmo, providencial, do nascimento no
meio espiritual. No que me concerne, esses sofrimentos não duraram muito; mas,
enquanto me senti oprimido pelos sintomas em questão, impossível me era
acreditar na minha morte, embora soubesse que tinha de morrer.
Logo depois me sobreveio
à surpresa número dois, a mais maravilhosa e mais reconfortante de todas. Foi
quando ouvi ao meu lado uma doce voz de mulher, que eu conhecia bem, a me
chamar pelo meu nome: Dicky. Era minha mãe. Ela morrera havia muitos anos e
acorria a me dar às boas-vindas no meio espiritual, chamando-me pelo meu
apelido familiar, recordação da minha infância. Sendo eu velho, avô desde muito
tempo, via-me, no entanto. acolhido e festejado, em a nova morada de minha mãe,
que eu tanto amara outrora, mas que - coisa vergonhosa! - quase esquecera
depois, em conseqüência dos longos anos decorridos, após a sua morte. Em
seguida, outra meiga voz de mulher, que não menos familiar e querida me era,
chamou-me pelo nome de Ricardo. Era minha mulher, que me precedera de alguns
anos na existência espiritual...
. . . Seguiu-se então
prolongado período de profundo sono. Era o total esquecimento, durante o qual,
ao que me disseram, as forças espirituais, graças a leis imutáveis, preparam
lentamente o grandioso processo do renascimento espiritual. Uma vez operado o
milagre, sobreveio para mim a hora gloriosa do despertar e, recuperando a
consciência, tive a benfazeja certeza de haver efetivamente passado da morte no
meio terrestre à vida em a morada espiritual: a uma vida que é realmente vida,
como diz a Bíblia. E a alegria, a paz, a calma me invadiram e proporcionaram um
estado de que nunca suspeitara, a suprema felicidade... (Págs. 43-44.)
Levantei-me e olhei ao
meu derredor: o panorama que se desdobrava aos meus olhos era de indescritível
beleza e parecia prolongar-se ao infinito. Sobre ele um céu maravilhoso se
estendia... A paisagem era plana e ondulada; muito semelhante, sob certos
pontos de vista, às belezas rurais do meu querido pais natal... Porém, o
detalhe mais maravilhoso do panorama contemplado consistia nisto: que os
objetos afastados não pareciam de modo algum diminuídos em suas proporções, por
efeito das distancia, como sucede no meio terrestre. A perspectiva se
apresentava literalmente transformada. E não era tudo, pois que verifiquei
então que percebia simultaneamente os objetos por todos os seus lados e não
unicamente do lado exposto ao meu olhar, como suceda no mundo dos vivos. Esta
faculdade de visão amplificada e aperfeiçoada produz efeitos maravilhosos.
Quando se observa a superfície exterior de um objeto qualquer, ve-se-lhe o
Interior, o contorno e, através dele, o que lhe está além, donde resulta que a
visão espiritual põe o observador em condições de penetrar integralmente o
objeto observado... (Pág. 48.)
. . Era maravilhoso o
meio em que me achava, porém, comecei a experimentar uma vaga necessidade de
companhia. Desde que esse sentimento nasceu em mim, vi o meio, em meu derredor,
se transformar. Pareceu estender-se, renovar-se, tornar-se mais belo do que
nunca. Em seguida, vi surgir, de todos os lados, seres espirituais, que me
vieram ao encontro com demonstrações de júbilo. Soube, depois, que esse
prodígio fora devido ao tato de que o meu vivo desejo tivera por efeito criar a
relação psíquica necessária entre mim e os seres existentes no mesmo plano espiritual,
os quais se apressaram a vir ao encontro do recém-chegado...
Mas, ainda me sentia
ligado ao mundo dos vivos, pelo desejo de saber se o meu velho e grande amigo -
aquele por intermédio de quem dito agora este tratado - fora informado de minha
morte. Aqui, devo explicar, aos que lerem estas páginas, que o meu amigo e eu
caíramos gravemente enfermos ao mesmo tempo, ficando sem noticias um do outro.
Minha enfermidade acarretou o meu trespasse; o mesmo não se deu com o meu
amigo. Ele sobreviveu, porém eu nada sabia a seu respeito. Enquanto pensava
nisto, ouvi uma voz longínqua - que soube em
seguida ser a de Amicus - que assim me falou: Pensa nele, concentra nele o teu
pensamento e o verás. - Atendi Imediatamente ao conselho recebido, com este
resultado: tive a impressão de que me abismava através do espaço, para me ver,
logo depois, cercado de uma espécie de nevoeiro. Quando parei, o nevoeiro se
dissipou e eis que tive a visão de meu amigo, em companhia de sua mulher.
Passeavam ¡untos, tranqüilamente, ao longo da praia de uma cidade marítima.
Pensei: Aqui está uma coisa verdadeiramente maravilhosa: estou morto, ele está
vivo e, no entanto, vejo-o! - Disse, com força: Peckham! meu amigo! sabes que
morri? - Ele se voltou bruscamente e olhou à volta de si, com uma expressão de
grande surpresa. Subitamente, eu me vi de novo cercado pelo nevoeiro. Quando
este se dissipou, achei-me outra vez no mundo espiritual. Vim a saber mais
tarde que meu amigo, curado de um sério ataque de hemorragia pulmonar, tora com
sua mulher para uma estação climática, às bordas do mar, a fim de se
restabelecer. Para não se contristar durante a convalescença, ocultaram-lhe a
minha morte, de que ele só for sabedor, pela primeira vez, quando lha
comuniquei, do mundo espiritual... (Pág. 55.)
Tais são as passagens
essenciais que julguei dever citar, relativas ao tema com que me ocupo nesta
obra. Poderiam fazer-me notar que não me limito estritamente a referir
episódios concernentes à crise da morte; que me estendo, muitas vezes, a citar
outros, que dizem respeito à existência espiritual após o despertar do sono
reparador, o que já é coisa diversa. Decidi-me a assim proceder, por uma
consideração de ardem geral: é que a tese que sustento implica a repetição
inevitável de detalhes, que são sempre substancialmente os mesmos; isto serve
de modo eficaz para demonstrar que ela é bem fundada, mas, ao mesmo tempo, dá
lugar a uma monotonia, que pode fatigar o leitor. Daí a necessidade de intercalar
alguns outros episódios, que saem um pouco dos limites restritos do assunto de
que se trata, conferindo a este a indispensável variedade episódica. Aliás, os
episódios acrescentados são sempre teoricamente muito importantes e podem
considerar-se complementares da tese que desenvolvo, tanto mais que, a seu turno,
eles concordam muito bem com todos os outros da mesma natureza, como noutra
obra demonstrarei.
Entre os episódios que
não cabem de todo no tema com que me ocupo de modo especial nesta obra,
assinalo o último, que acabo de citar, no qual o Espírito que se comunica
refere ter anunciado sua morte a um amigo vivo, que a ignorava. Como o
incidente realmente se produziu nas condições de meio indicadas pelo Espírito,
forçoso se torna deduzir daí que se trata de um dos fenômenos comuns, ora
visuais, ora auditivos, de manifestação de mortos, fenômenos que os
metapsiquistas ortodoxos classificam, ao contrário, entre os casos de telepatia
diferida. Se esta interpretação fosse exata, o fenômeno se teria produzido
quando o agente estava ainda vivo e houvera sido percebido subconscientemente
por um de seus amigos, que se achava distante. Este último, no entanto, não se
apercebeu disso, senão no momento psicologicamente propício, em que a mensagem
telepática era emersa da sua subconsciência, para passar à sua consciência
normal. Tomou, assim, a dita mensagem, a aparência ilusória de uma manifestação
telepática post mortem. Como se viu, no caso em questão, o Espírito que se
comunicava afirmou haver ele próprio transmitido à mensagem telepática post
mortem a seu amiga. O intervalo de muitos dias, entre a morte do agente e o
instante em que o percipientes sentiu o fenômeno da audição supranormal,
constitui uma circunstância confirmativa dos dizeres do Espírito.
Resta-nos assinalar: 1°)
o fenômeno curioso e interessante segundo o qual, no dizer do Espírito, os
objetos afastados não parecem diminuídos à percepção espiritual, pela
distância, do mesmo passo que todo objeto é simultaneamente percebido por todos
os seus lados e no seu próprio interior, indo mesmo a visão além do objeto; 2°)
a observação concernente ao pensamento do Espírito, logo percebido por outro
Espírito distante e que intervém, auxiliando o primeiro com um conselho que lhe
transmite no mesmo instante. Não se pode deixar de observar que a nossa geração
talvez ache concebíveis estes detalhes e, portanto, aceitáveis. Hoje, com
efeito, dispomos da analogia científica dos raios Roentgen pelos quais se obtém
o primeiro dos dois fenômenos acima e da outra analogia da telegrafia sem fio,
para explicar o segundo fenômeno. Mas, as duas manifestações houveram parecido
absurdas, impossíveis, loucas, aos representantes, grandes e pequenos, de duas
gerações anteriores à atual. Esta observação deveria aconselhar a toda
prudência, antes de proclamarem absurdas e impossíveis outras informações
análogas, constantes das mensagens do Além e que ainda não estão confirmadas
pela ciência terrestre. Por outro lado, é também de notar-se que as
manifestações mediúnicas se produzem no momento exato em que parecem maduros os
tempos, para serem compreendidas, apreciadas e assimiladas. Se as pancadas de
Hydesville se houvessem produzido um século antes, teriam passado despercebidas
e infecundas, como passaram despercebidas e infecundas as revelações de
Swedenborg, nas quais já se encontra tudo o que estou analisando nesta obra.
Por outras palavras: o advento das manifestações mediúnicas foi preparado e
tornado possível pelas descobertas da Ciência, no domínio das ignoradas forças
físicas e psíquicas que nos cercam de todos os lados, atravessando e saturando,
à nossa revelia, os organismos de que somos dotados. Não havia mais que um
passo a ser dado, para que se admitissem outras influências invisíveis, de substrato
inteligente. Logicamente inevitável se tornou esse passo, desde que se observaram
manifestações aptas a sugerir a sua possibilidade. Foi o que aconteceu. Cumpre,
pois, se reconheça que a Nova Ciência da Alma nasceu na hora precisa, no seio
dos povos civilizados.
Do ponto de vista que
nos preocupam, as modalidades sob as quais se manifesta à visão espiritual
constituem um detalhe fundamental. Não será, pois, inútil notemos que todos os
Espíritos, que, nas suas comunicações, a ela aludem, são acordes na descrição
que dela fazem. Assim, por exemplo, o Espírito do Rev. A. H. Stockwell, de quem
falamos ao tratar 5° caso, se exprime, a
tal respeita, nos termos seguintes:
Um dos traços
característicos mais notáveis da existência espiritual consiste na faculdade de
visão, própria do corpo etéreo, a qual é enormemente aperfeiçoada. No mundo dos
vivos, o sentido da vista põe o observador em estado de visualizar apenas um
lado, um aspecto do objeto observado. Aqui, vemos o objeto simultaneamente de
todos os lados. Quer dizer que, quando olhamos uma coisa qualquer, não a vemos
somente como vedes: penetramo-la em todas as suas partes. Vemos em torno e
através dela, o que faz que cheguemos, num instante, a ter conhecimento
completo do que nos possa interessar. E realmente maravilhosa a faculdade
visual do Espírito; mas, naturalmente, é preciso um certo tempo, para que essa
faculdade apurada se desenvolva inteiramente nos Espíritos recém-chegados. Tal
qual todas as outras faculdades espirituais, essa visão evolute gradualmente, ao
mesmo tempo em que a experiência adquirida em a nova existência. (The Morrow of
Death, páginas 23-24.)
Esta última
consideração, sobre ser necessário algum tempo para que os Espíritos
recém-chegados adquiram a faculdade da visão através dos objetos que observem,
é teoricamente importante, pois que explica por que são em número reduzidos os
Espíritos recém-chegados que aludem a essa visão.
Décimo Caso
Tomo-o à revista Light
(1927, pág. 230). O diretor dessa revista, Sr. David Gow, precedeu a narrativa
deste caso de uma breve nota, donde extraio os períodos seguintes:
Os trechos, que se vão
ler, de mensagens mediúnicas, foram tirados de um longo relatório que nos
enviou um ministro anglicano da Nova Escócia. O Espírito comunicante foi, ao
que parece, conhecida personagem americana, que ocupou, quando na Terra, alto
cargo municipal. O médium, de cujo nome se nos deu conhecimento, é uma senhora
distinta, muito conhecida, igualmente, pela elevação de seu caráter e pela excelência
de suas faculdades mediúnicas.
O Espírito começou
assim:
Desejo principiar a
minha narrativa, do dia em que deixei o corpo material no meu quarto de
Blankville. Via quão grande era a dor que despedaçava a alma de meus filhos e
muito me afligia o achar-me impossibilitado de lhes dirigir a palavra.
De súbito, verifiquei
que em mim uma mudança se operava, que eu não compreendia bem. Fui presa de
estranha sensação que, conquanto inteiramente nova para mim, era um tanto
análogo à que uma pessoa experimenta quando desperta repentinamente de profundo
sono. No primeiro momento, nada compreendi, dada a situação em que me
encontrava. Pouco a pouco, porém, fui percebendo o meio que me cercava, como
sucede ai quando a gente desperta do sono. Vi-me estendido, calmo e imóvel, no
meu leito, circunstância que me encheu de espanto, longe que estava de supor
que morrera. Após algum tempo, cada vez mais desperto, percebi que minha
defunta mulher se achava ao meu lado, a me sorrir, com uma expressão radiante
de ventura. Esse nosso encontro se dava depois de longa separação. Foi ela quem
me comunicou a terrificante noticia de que eu estava morto e me encontrava
também no meio espiritual. Disse-me que, desde muitos dias, velava à cabeceira
do meu leito, aguardando o momento de acolher o meu Espírito e de o conduzir à
morada celeste.
Sentia-me de mais em
mais revigorado por uma vitalidade nova, como se todas as minhas faculdades
entrassem num período de atividade grande, após o prolongado torpor em que me
achara... Era a sensação de uma beatitude difícil de descrever-se. . .
Afigurava-se-me que me tornara parte integrante do meio que me rodeava. Minha
mulher me tomou então pelas mãos e, assim unidos, nos elevamos através do teto
do quarto, subindo para o alto, sempre mais alto, pelo espaço em fora.
Entretanto, se bem que me houvesse afastado muito do melo terrestre, continuava
a ter conhecimento do que ocorria em minha casa. Via minha filha acabrunhada de
dor. Esse estado da alma parecia deslizar como uma nuvem escura, entre ela e
mim; insinuava-se no meu ser, produzindo nele um sentimento penoso de torpor.
Desejo saiba as crises excessivas de dor, junto dos leitos mortuários,
constituem imensa barreira interposta entre os vivos, que delas se deixam
tomar, e o Espírito do defunto por quem eles choram. Trata-se de uma barreira
real e intransponível, que nos não permite entrar em comunicação com os que se
desesperam pela nossa morte. Mais ainda: as exageradas crises de dor retêm
presos ao meio terrestre os Espíritos desencarnados, retardando-lhes a entrada
no mundo espiritual.
De fato, se é certo que,
com a morte, cessam necessariamente todas as relações entre os Espíritos
desencarnados e o organismo físico dos vivos, em compensação os Espíritos dos
defuntos se tornam extremamente sensíveis às vibrações dos pensamentos das
pessoas que lhes são caras. Concito, pois, os vivos que percam alguns de seus
parentes - qualquer que possa ser a importância da perda e da dor
correspondente - a que, a todo custo, se mostrem fortes, abafando toda
manifestação de mágoa e apresentando-se de aspecto calmo nos funerais.
Comportando-se assim, determinarão considerável melhoria na atmosfera que os
cerca, porquanto a aparência de serenidade nos corações e nos semblantes das
pessoas que nos são caras emite vibrações luminosas que nos atraem, como, à
noite, a luz atrai a borboleta. Por outro lado, a mágoa dá lugar a vibrações
sombrias e prejudiciais a nós outros, vibrações que tomam o aspecto de
tenebrosa nuvem a envolver aqueles a quem amamos. Não duvideis de que somos
muito sensíveis às impressões vibratórias que nos chegam, por efeito da dor dos
que nos são caros. Nossos corpos etéreos estão, efetivamente, sintonizados por
uma escala vibratória muito alta, que nada tem de comum com a escala vibratória
dos corpos carnais...
Aqui não se usa da
palavra para conversar. Percebemos os pensamentos nos olhos daquele que conversa
conosco. O nosso interlocutor, a seu turno, percebe em nossos olhos os
pensamentos que nos acodem. Deste modo, percebemos integral e perfeitamente a
significação dos discursos dos outros, o que se não pode realizar na Terra...
Logo que cheguei ao meio
espiritual, tive a sensação de estar em minha casa. Parentes, amigos,
conhecidos vieram todos me receber; todos se congratulavam comigo, por haver,
afinal, chegado ao porto. Era, pois, natural que fizessem nascer em mim à
impressão de estar em minha casa. Para me adaptar ao novo meio, menos tempo me
foi preciso, do que me seria na Terra, para me adaptar a uma mudança de
residência...
Aqui, todos podemos
obter facilmente os objetos que desejamos: não temos mais do que pensar neles,
para que os criemos. Nessas condições, compreende-se que ninguém pode
desobedecer ao mandamento de Deus: Não desejareis o que pertença ao vosso
próximo. Nada aqui se compra com dinheiro; coisa alguma pode haver que tenha
valor, senão para aquele que a criou, destinada a seu uso pessoal, por
necessitar dela. Cada um se acha em condições de conseguir para si, se o
quiser, tudo o que seu vizinho possua. Bem entendido, talo apenas de objetos
materiais de toda espécie. Digo materiais, para me fazer compreendido, pois que
semelhante qualificativo não se adapta às criações etéreas...
Como se vê, nestas
passagens da narrativa que a Light publicou, encontram-se as habituais
concordâncias, a propósito de o defunto perceber o seu próprio cadáver no leito
de morte; de não saber que morrera; de ver-se com a forma humana; de ser acolhido
por sua mulher defunta e por grande número de outros Espíritos, que ele
conhecera e estimara quando vivo. Acrescenta que, no mundo espiritual, os
Espíritos conversam por meio da transmissão do pensamento e que este é uma
força criadora, a cujo favor cada um pode conseguir o de que precise.
Falta, no entanto,
qualquer alusão à frase do sono reparador, por que passa os Espíritos, pouco
tempo depois da morte.
Tampouco se alude alia
outro fato, tão freqüente nas mensagens com que aqui nos ocupamos, o da visão
panorâmica, que tem o morto, de todos os acontecimentos de sua vida. Noto-o
apenas incidentemente, porquanto, do ponto de vista teórico, a omissão nenhuma importância
apresenta. Primeiramente, os defuntos que se manifestam não estão forçosamente
obrigados a dar uma descrição completa das circunstâncias em que se encontram no
momento da morte. Depois, ninguém afirma que os Espíritos devam todos passar
pelas mesmas experiências. Finalmente, a publicação da Light não é mais do que
uma reprodução fragmentária das mensagens do Espírito que se comunicou; a
diretor da revista em questão fez mesmo saber a seus leitores que, por motivo
de carência de espaço, suprimira a maior parte das informações, já muito
conhecidas dos espíritas. E, portanto, provável que entre as informações
suprimidas se achem as de que acabamos de falar.
Outro ponto interessante
da mensagem que se vem de ler é o em que o Espírito diz que a dor exagerada dos
vivos, junto dos Feitos mortuários de Pessoas que lhes eram caras, constitui
obstáculo intransponível, que impede o morto de entrar em relações psíquicas
com os seus, acrescentando que, por outro lado, o estado da alma dos vivos
exerce influência deplorável sobre as condições espirituais em que se encontra
o Espírito recém-desencarnado. Estas afirmações adquirem importância pelo fato
de que muitos outros Espíritos têm afirmado exatamente a mesma coisa. Somos
deste modo levados a refletir seriamente sobre a advertência que nos chega de
além-túmulo, sobretudo se considerarmos que as afirmações desses Espíritos são
perfeitamente acordes com as conclusões dos sábios, segundo as quais tudo o que
existe e se manifesta no universo físico e psíquico pode reduzir-se, em última
análise, a um fenômeno de vibrações. Sendo assim, ter-se-á que convir em que é
muito verossímil, inevitável mesmo, que as vibrações inerentes a um estado da alma
de grande dor sejam penosas para um Espírito que há pouco se libertou do corpo
carnal e o impeçam de entrar em relação psíquica com os seus, retendo-o no meio
terrestre, enquanto essas vibrações persistirem.
Um pouco mais adiante
(144 caso), transcreverei a mensagem de outro defunto, afirmando os mesmos
fatos.
Undécimo Caso
Encontro-o num volume
recentemente publicado na Inglaterra e intitulado: From Four Who are Dead, (De
Quatro que estão Mortos). O que os quatros defuntos, a que alude esse título,
dizem da existência espiritual concorda com o que têm dito todos os que os
precederam, não obstante o sensitivo, por cujo intermédio esses Espíritos se
manifestaram, ignorar todo este gênero de literatura. O livro, aliás, é um
resumo substancial das revelações fundamentais transmitidas por tantas outros,
acerca da existência espiritual.
O médium, que serviu
para a transmissão da mensagem de que se trata, é uma literata inglesa,
conhecida e distinta: a Sra. C. A. Dawson Scott, que jamais cuidara de
pesquisas psíquicas.
Eis o que a este
propósito escreveu ela:
Minha atitude,
relativamente às pesquisas psíquicas e ao psiquismo em geral (compreendidas,
nesta última expressão, também as crenças religiosas), era a do mais claro
agnosticismo.
Os conhecimentos
humanos, a este respeito, me pareciam por demais rudimentares para justificarem
uma opinião qualquer. Muitas pessoas sentem a necessidade de criar para si
mesmas uma hipótese explicativa do mistério do ser. Quanto a mim, de nenhum
modo sentia a necessidade de reconfortar nesse sentido o meu Espírito,
recorrendo aos Espíritos. Sendo as alegrias e as dores apanágio de toda gente,
tomava a vida tal como era. Conseguintemente, a minha atenção se concentrava na
existência cotidiana. Não me interessavam os destinos da alma. Ignorava se a
morte suprimia ou não suprimia a individualidade, mas o problema me era
indiferente. E esse estado da alma persistira em mim até à idade de trinta
anos: meus dias se passavam em intensa atividade; vivia exclusivamente do
presente...
Uma grande dor, que de
súbito atingiu a existência ditosa da Senhora Dawson Scott, despertou nela um
certo interesse pelo problema da sobrevivência. Seu marido, doutor em Medicina,
voltara da guerra em estado de esgotamento nervoso, agravado pelo fato de haver
na sua família uma forma hereditária e deprimente de hipocondria (spleen). Daí
resultou que um dia o doutor Scott se suicidou, ingerindo uma dose de ácido Prússico.
Foi em conseqüência
dessa grande dor que a Senhora Dawson Scott começou a se interessar pelas
experiências mediúnicas a que, na própria residência, se entregavam às irmãs
Shafto, com as quais mantinha ela relações. Foi visitá-las e assistiu a uma
pequena sessão tiptológica, no correr da qual teve a manifestação de seu
defunto marido, que deu provas de identidade e lhe aconselhou ensaiasse
escrever mediunicamente. Em resumo: ela seguiu o conselho e conseguiu sem
demora comunicar-se psicograficamente com o marido.
O ponto essencial desta
narrativa é que a senhora Dawson Scott começou a escrever mediunicamente quando
ignorava tudo relativamente às doutrinas espíritas. Apesar disso, as mensagens
mediúnicas por ela obtidas constituem uma síntese admirável do que afirmaram e
constantemente afirmam tantas outras personalidades mediúnicas, que se
comunicam em todos os países.
Note-se que já é o
quarto caso, com que nos ocupamos, em que os médiuns, por intermédio dos quais
foram recebidas longas mensagens sistemáticas de revelações transcendentais,
tudo ignoravam em matéria de doutrinas espíritas e de fenômenos metapsíquicos.
Considere-se ainda que, no caso em questão, do mesmo modo que nos outros três
(4°, 6° e 7°), os médiuns escreviam as respectivas mensagens na solidão de seus
gabinetes, o que também exclui a possibilidade teórica, antes fantástica,
segundo a qual suas subconsciências teriam captado nas subconsciências dos
assistentes os conhecimentos que manifestaram.
Isto dito, passo a
transcrever o que o marido morto narrou com relação à sua entrada no meio
espiritual.
Perguntou a Senhora
Dawson Scott ao Espírito:
- Quais foram tuas
impressões, quando te separaste do corpo?
O Espírito - Quando
despertei, achei-me num meio novo e liguei extraordinariamente surpreendido de
me sentir vivo, pois me lembrava muito bem de que ingerira o veneno. Olhei à
volta de mim e notei uma mudança geral no aspecto das coisas que me cercavam.
Tudo era diferente: os objetos tinham uma aparência evanescente; as árvores
pareciam sombras. Experimentei apalpar uma delas e minha mão penetrou no
tronco. Observei que, no lugar onde se achava este, perceptível me era uma
espécie de movimento intenso, como se ali houvesse uma aglomeração de átomos
infinitesimais, agitados por movimentos turbílhonantes.
Senhora Dawson Scott -
Teu corpo permanecia estendido no mesmo lugar?
O Espírito - Eu tinha
disso uma idéia vaga, contudo, não liguei importância ao fato. Dirigi-me para o
hospital, notando com surpresa que me transportava sem caminhar. Penetrando
ali, notei que percebia bem as enfermeiras e os doentes, mas que todos me
apareciam como sombras, ao passo que percebia no meio deles muitas pessoas de
formas distintas, porém que me eram desconhecidas. Essas entidades se
aperceberam de que eu as mirava com olhar espantado e se apressaram a vir ter
comigo, dirigindo-me a palavra e dando-me as boas-vindas com expressões
afetuosas. Estive longo tempo sem me inteirar da realidade; que elas não falavam;
que me transmitiam seus pensamentos. Depois de algum tempo, deixei o hospital e
fui-me, a céu aberto, em companhia daquelas entidades, que me informaram de
achar-me no meio espiritual. Tudo o que via ao meu derredor era
extraordinariamente interessante, surpreendente, agradável. A atmosfera parecia
radiosa; sentia-me rejuvenescido e cheio de animação, ditoso pela novidade do
meio e pelo alto grau da felicidade que via estampada no semblante das
entidades que me rodeavam. Estas procuravam todas me testemunhar amizade,
mostrando-se muito solicitas para comigo e fazendo-me admirar as belezas do
mundo onde viviam. Não tardei a granjear bons amigos entre elas...
Notara que as entidades
em cujo meio me encontrava obtinham por si mesmas as coisas de que
necessitavam, criando pela torça do pensamento. Experimentei fazer o mesmo,
pensando na minha pessoa, tal qual era em vida, e, no mesmo instante, me achei
provido do meu corpo antigo. Pensei, em seguida, na roupa que trajava e me vi
vestido, tendo nos bolsos os objetos que costumava colocar neles. .. Mas, o que
sobretudo me surpreendeu era a rapidez com que me transportava. Pensava em me
achar num dado lugar e no mesmo instante lá me encontrava. Não precisava ir a
esse lugar; meu Transporte de um ponto a outro não demandava tempo: o tato se
produzia incontinente, como no conto do tapete mágico. (Págs. 68-72.)
Senhora Dawson Scott -
Mas, que faziam essas entidades espirituais?
O Espírito - Trabalhavam
na sua própria evolução. Eram todos Espíritos de defuntos, que para aqui tinham
vindo muito degradados pelo meio terreno. Foram vivos que, tendo tido
possibilidades intelectuais, não as puderam desenvolver no meio terrestre;
agora se auxiliavam mutuamente em preparar a evolução das possibilidades
intelectuais que se encontravam latentes nelas. O meu desenvolvimento
espiritual também tora grandemente retardado, por causa da hipocondria que me
acabrunhava. Ditoso, pois, me senti em cooperar com outros para a evolução
comum. Que imensa alegria experimentamos, ao verificarmos que as nossas faculdades
espirituais se reavivam; que certos dons espirituais, de que não tínhamos
certeza, de que, durante a vida, apenas tínhamos vaga idéia, efetivamente
existem e podem agora desenvolver-se e ser utilizados. Adquirimos confiança em nós
mesmos; sentimo-nos, pela primeira vez, homens capazes de alguma coisa. E nisso
não há unicamente uma consolação: há um encorajamento para a ação...
Dá-nos o pão cotidiano,
deixa de ser uma prece que tenhamos de dirigir a Deus. O nosso alimento é
espiritual e a nossa mentalidade pode livremente aproveitá-lo. Apesar disto,
quando se chega ao meio espiritual, fica-se durante algum tempo sujeito aos
prejuízos e às inibições sensoriais adquiridas no curso da existência terrena.
Mas, não tardamos a nos desabituar inteiramente de umas e outras, diante da
grande realidade da existência espiritual... (Pág. 156.)
A causa principal de
tantos crimes no mundo dos vivos - isto é, a necessidade que cada um tem de
alimentar-se - não existe aqui. Ou, com maior exatidão, não temos mais
necessidade de alimentar-nos, no sentido preciso do termo, se bem que aqueles
dentre nós, que ainda queiram satisfazer ao prazer de se alimentarem, possam
proporcionar a si mesmo a sensação de que o fazem... (Págs. 73-74.)
Limito-me às citações
que acabam de ser lidas.
Embora meus leitores se
achem. em condições de notar por si mesmos as constantes concordâncias
habituais que existem entre cada episódio da obra da Senhora Dawson Scott e os
episódios precedentemente referidos, não será inútil que alguns eu passe em rápida
revista.
Concito-os a notarem,
por exemplo, que, no caso que nos preocupa, as primeiras impressões do morto
dizem com a circunstância de haver ele percebido que não caminhava, que se
transportava, pairando acima do solo. Os vivos lhe parecem sombras e os
Espíritos seres substanciais. Conversando com estes últimos, julgara que eles
lhe dirigiam a palavra, quando apenas lhe transmitiam seus pensamentos. A mais forte
das surpresas não tardou em se lhe apresentar também a ele, isto é, a de
perceber que as entidades, em cuja companhia se achava, obtinha tudo o de que
necessitavam, criando-o pela força do pensamento. Também ele, o Espírito do Sr.
Scott, percebeu que lhe bastava desejar ir a um lugar qualquer, para se sentir
transferido no mesmo instante a esse lugar. Enfim, não tardou igualmente a
notar que muitos Espíritos de defuntos, ainda sujeitos à contingência de
satisfazerem a certos hábitos inveterados, contraídos durante a vida terrena,
podiam proporcionar a si mesmos a sensação desses hábitos, graças à força
criadora do pensamento.
Notem ainda que o
funcionamento habitual e matemático da grande lei de afinidade, graças a qual
cada um tem forçosamente que gravitar para o seu semelhante, levou o doutor
Scott a fazer parte de um grupo de Espíritos que chegaram ao meio espiritual
muito degradados pelo meio terrestre, no qual não tinham podido desenvolver
suas possibilidades intelectuais. Daí, como eles não eram responsáveis por essa
falta de evolução, resultou que o meio para onde gravitou o doutor Scott não
correspondia a um estado espiritual inferior; era, ao contrário, um meio radioso,
como convinha, a fim de encorajar para a ação Espíritos que, sem terem disso a
culpa, se conservaram atrasados.
Esta circunstância dá
ensejo a que toquemos numa questão, que deve ser esclarecida, no que concerne
ao doutor Scott. Ele se achava num meio luminoso, conquanto se houvesse
suicidado, o que estaria em flagrante contradição com as afirmações unânimes
das outras personalidades mediúnicas, segundo as quais em severas sanções
incorrem os que se tornam culpados desse ato de pusilanimidade ante as provas
que nos reserva o destino e que devemos suportar valorosamente.
O sensitivo, Senhora
Dawson Scott, ignorava a existência dessa contradição nas mensagens que
obtivera. Pessoas amigas, porém, lha assinalaram. Ela, então, pediu uma
explicação ao defunto, que respondeu nestes termos:
Há um outro fator que se
deve ter em consideração, é que aqui não somos absolutamente da mesma opinião
sobre grande número de questões. Limitei-me a te referir minhas experiências
pessoais; disse que fora acolhido calorosamente no mundo espiritual, onde
ninguém me questionou sobre o meu fim; acrescentei que minhas primeiras impressões
foram de alegria, por me ter livrado do corpo. Isso não impede que outro Espírito
possa considerar as coisas de um ponto de vista diverso; ou, melhor, que outro Espírito,
nas minhas condições, possa ter outra sorte. Em suma, expressei minha opinião
pessoal e nada mais. (Pág. 107.)
Esta resposta longe está
de haver esgotado o assunto; entretanto, constitui uma nova ilustração da
grande verdade que o Espírito do doutor Scott procura incessantemente inculcar
à mentalidade da sua mulher, isto é: que os Espíritos desencarnados, longe de
se mostrarem oniscientes, julgam de acordo com a experiência pessoal de cada
um, exatamente como ocorre no mundo dos vivos. Segue-se que as opiniões que
eles emitem devem ser acolhidas com reserva, pois que não representam mais do
que opiniões pessoais, ou experiências pessoais daqueles que podem às vezes
saber um pouco mais do que nós no tocante a certas questões; mas, é tudo.
Ora, no caso com que nos
ocupamos, vê-se que o Espírita que se comunicava, descrevendo o meio radioso em
que veio a achar-se, de modo algum declarou que a mesma ditosa sorte espera os
outros Espíritos de suicidas, nem, por conseguinte, que alguém está autorizado
a matar-se, sem incorrer em graves responsabilidades na existência espiritual.
Os fatos, na realidade,
são muito outros; mas, a verdade a esse respeito escapara aa doutor Scott, que
não refletira sobre a circunstância de que, se ele se encontrou num meio de
luz, não obstante o seu suicídio, foi por não lhe caber a responsabilidade da
ação insensata que praticara, a qual, nele, resultou de uma enfermidade
psíquica hereditária, conhecida em psiquiatria sob o nome de melancolia e que
muita freqüentemente termina por um acesso de loucura do suicídio.
Parece-me que o que
deixo dito é o suficiente para eliminar a única contradição, aparente aliás,
que se poderia notar nas mensagens mediúnicas cujo exame empreendi,
consideradas em relação aos ensinamentos das outras personalidades mediúnicas.
Duodécimo Caso
No episódio seguinte,
não se nos deparam descrições de detalhes novos sobre a crise da morte, mas
encontram-se anotações instrutivas sobre a natureza da personalidade integral
inconsciente e sobre a dificuldade que um Espírito experimenta para se
comunicar com os vivos, pelos médiuns.
Esta narrativa tiro-a de uma brochura intitulada: Blaire's Letters, communicated
by James Blaire Williams to his mother. (Cartas de Blaire, escritas por James Blaire Williams à sua
mãe.) A mãe do autor das cartas (morto aos 30 anos, em 1918) começa por dizer
que, não podendo consolar-se da morte de seu único filho, desejou pôr-se mediunicamente
em comunicação com ele. Para esse fim, aconselharam-lhe fosse à Direção do
British College of Psychical Science. Foi na sede dessa importante instituição,
que ela chegou a experimentar sucessivamente, com quatro dos melhores médiuns,
obtendo por eles numerosas provas de identificação pessoal de seu filho, provas
revestidas de alto valor cumulativo, porque provinham de quatro médiuns
diversos, que a desconheciam completamente. Por um deles - uma senhora dotada
de faculdade para a escrita mediúnica - foi que recebeu do filho a série de
mensagens que se contêm na brochura com que nos ocupamos.
Do que concerne ao tema
que constitui objeto deste estudo, o defunto fala rapidamente, em quatro pontos
diversos de suas mensagens. Fê-lo, a primeira vez, na véspera do aniversário de
sua morte, escrevendo:
Guardei profunda
recordação do que experimentei nesse dia, véspera de minha morte. Sentia que me
afundava lentamente e inexoravelmente no abismo; não chegava a distinguir as
pessoas que me cercavam, pelo se ir tornando o meio para mim cada vez mais
sombrio. Sentia achar-me em condições estranhas, inexplicáveis, indescritíveis.
Não compreendia o que se estava passando, por isso que me via deitado na minha
cama. Profundamente me perturbava a idéia dos sofrimentos que haviam de
aniquilar aquele pobre corpo. Entretanto, não me sentia doente. Não me achava
em estado de compreender a situação. Via-te, minha mãe, bem nitidamente e
quisera fazer-te ciente de que já me não encontrava enfermo. (Pág. 86.)
A pág. 97, o defunto
volta à mesma questão, nos seguintes termos:
Minha morte se deu
bruscamente, enquanto me achava em estado de inconsciência. Quando despertei,
pensei logo em mamãe e me pareceu estar com ela. Media-lhe a grandeza da dor, exatamente
como se me achara a seu lado. A lembrança de mamãe ocupava inteiramente a minha
mentalidade... A principio, fiquei aterrado. Invadia-me o sentimento de uma
desoladora impotência, como se houvesse perdido todas as energias. Em
compensação, era ditoso, por me haver tornado leve, leve; mas, ao mesmo tempo,
experimentava a impressão de alguma coisa imensa, incomensurável, que me
circundava: não chegava a discernir claramente o lugar onde me encontrava. Era
uma situação de enlouquecer. Assaltava-me por vezes a idéia de que ainda me achava
doente e deitado na minha cama. Logo me invadia um sentimento de desolação
impotente. Depois, sentia como que milhares de sons diferentes, a ressoarem em
torno de mim, acabando por se fundirem num só vozerio. Em seguida, eram relâmpagos,
de ofuscante luminosidade. Entretanto, não conseguia ver os entes amados que
deveriam rodear-me. Percebia que não estava só; muito ao contrário, parecia-me
estar cercado de uma multidão de seres, que não chegava a divisar.
Sentia o ar saturado de
elementos vitais; mas, pessoalmente, me sentia diminuído e quase morto, do
ponto de vista sensorial. Afigurava-se-me que esse estado durava, para mim,
havia longo tempo; na realidade, deve ter sido de muito curta duração. Era, em
todo caso, um estado bastante penoso.
Apesar de tudo,
reconheço agora que fui libertado do corpo com relativa facilidade e penso que
os que morrem de súbito devem sofrer mais do que eu. Como já disse, creio que o
período de desorientação e de pena não foi para mim de longa duração. De todo
modo, é certo que, enquanto está na segunda esfera, o Espírito atravessa um
período de inconsciência, seguido de outro período de semi-inconsciência, que
não é a existência espiritual e em que ele ignora esta existência. Enquanto
permaneci nesse estado, não consegui entrar em comunicação com minha mãe;
sentia-me como que a tatear nas trevas, procurando-a, sem jamais ter a certeza
de estar perto dela. Minha passagem para a terceira esfera ocasionou uma súbita
e maravilhosa mudança. Sentia-me inteiramente desperto, exuberante de
vitalidade, consciente de me encontrar no mundo espiritual. Achei então natural
que viesse ao meu encontro meu pai, por quem fui imediatamente inteirado do que
me sucedera. Lembro-me da viva impressão que experimentei ao dar com ele, tão
transformado no seu aspecto. Acolheu-me como um irmão, como um amigo querido.
falamos longamente de ti, mamãe. Disse-lhe ser minha intenção ir visitar-te,
custasse o que custasse. Ele me respondeu ter ouvido dizer que a coisa era
possível, se bem nunca a houvesse tentado.
Procurei informar-me a
esse respeito, depois do que tratei de penetrar no meio terrestre. Asseguro-te,
mamãe, que as primeiras tentativas exigem grandíssimo estorço. Somos obrigados a
restringir de novo a nossa mentalidade, pondo adentro de limites tão apertados,
que nos ferem. Ou, com mais precisão, eles não nos terem, porém é extremamente
difícil fazê-lo. Ainda agora, quando me comunico contigo, sinto-me nas
condições de um vivente mergulhado na água.
A pág. 105, o defunto
retoma o tema da crise da morte, dizendo:
Esta noite, quero tentar
fazer-te compreender o que significa o achar-se a gente de súbito sem corpo...
Minha primeira impressão foi à consciência de ter simultaneamente presentes à
memória uma imensidade de lembranças e de coisas diferentes. Deduzi dai que
esse fato singular devia ser atribuído a uma espécie de sonho provocado pela
febre. Apercebi-me, em seguida, de que já não tinha nenhuma idéia do tempo, não
chegando a fazer um conceito exato do meu passado, do meu presente e do meu futuro.
Com efeito, essas categorias do vosso tempo se me apresentavam à mente de
maneira simultânea. A este propósito, abstenho-me de informar a mamãe acerca do
seu futuro, se bem eu saiba exatamente o que o futuro lhe reserva.
Em tais condições,
deveis compreender que, com essa Imensa expansão das faculdades da inteligência,
fácil não é haurirmos, em nossas recordações, um dado tato, muitas vezes
insignificante, a cujo respeito os vivos nos interrogam. Já vou começando a
ficar menos embaraçado quando me dirigem perguntas desta natureza; mas, a
principio, fora incapaz de responder a qualquer pergunta. Além disso, não
esqueçais que, quando aqui venho, sou obrigado a comprimir a minha mentalidade,
até a ponto de reduzi-la às proporções acanhadas da dos vivos. Segue-se que,
quando me interrogam sobre o meu passado, não consigo esclarecer-me senão
retomando, por instantes, as minhas condições espirituais de expansão
intelectual, para, em seguida, comprimir de novo a minha mentalidade, até
reduzi-la às proporções humanas e achar-me assim na condição de ter que
empregar inauditos esforços para me lembrar da resposta que formulei no estado
de livre expansão espiritual e que logo esqueci, ou quase, no estado de
mentalidade reduzida para as necessidades do momento.
...Procurei conhecer
qual era o estado de meu Espírito, quando me achava aprisionado e diminuído no
corpo. Eis aqui: verifiquei que o corpo se pode comparar a uma roupa muito
apertada, de que o Espírito se reveste; trata-se, porém, de uma roupa que não
contém mais do que uma seção especial do Espírito, porquanto à parte, que é de
muito a mais importante da nossa personalidade espiritual, se conserva em
estado latente, quase inconsciente, nas profundezas da subconsciência. Mas,
quando o Espírito se desembaraça do corpo, as coisas mudam de aspecto; a parte
latente desperta em plena eficiência, realizando todos os poderes. É essa uma
sensação maravilhosa e deliciosa para os Espíritos desencarnados... (Pág. 116.)
Não é este certamente o
caso de nos estendermos, para fazer notar que essa última afirmação do defunto,
autor da mensagem, é perfeitamente conforme ao que foi observada no mundo dos
vivos, desde todos os tempos e em todos os povos, isto é: que, na
subconsciência humana, existem, em estado latente, maravilhosas faculdades
supranormais, capazes de devassarem o passado, o presente e o futuro, sem
nenhuma limitação de tempo, nem de espaça. E o fato de, na existência corporal,
essas faculdades só emergirem, quais centelhas fugazes, sob a condição de estar
a vivente mergulhada numa fase qualquer de sono: natural, sonambúlico,
hipnótico, mediúnico, provocado por drogas narcóticas; ou então, numa fase
qualquer de ausência psíquica, como no êxtase, na síncope, na catalepsia, na
coma e no período pré-agônico, isto é, somente sob a condição de que o vivente
se ache em estado de desencarnação parcial do Espírito - este fato, digo,
concorda muito bem com a afirmação do defunto, transcrita acima, segundo a qual
as faculdades supranormais em questão constituem os sentidos da existência
espiritual, que se conservam em estado latente na subconsciência humana,
aguardando unicamente, para emergirem e se manifestarem com toda a eficiência,
que o estado de desencarnação do Espírito já não seja inicial e transitório,
mas total e definitivo. Numa palavra, depois da crise da morte.
Estes fatos parecem
constituir verdades fundamentais e, ao mesmo tempo, elementares, das doutrinas
metapsíquicas; verdades que se acham inabalavelmente fundadas na observação
direta de grande número de fenômenos, examinados pelo método científica da
análise comparada e da convergência das provas. Entretanto, muito difícil é
vencer-se a este respeito à resistência misoneísta de alguns pesquisadores
eminentes, que, não querendo, ou não podendo renunciar à concepção materialista
do Universo, preferem interpretar dessa maneira o fato perturbador de existirem
latentes, na subconsciência humana, faculdades supranormais independentes das
leis de evolução biológica. Fazem-no, sem se preocuparem com a circunstância de
que as hipóteses, que eles hão proposto, se mostram em contradição flagrante
com os fatos.
Se passarmos a examinar
a afirmação do defunto, quando diz que não consegue, em certos casos,
Lembrar-se de detalhes da sua existência terrestre, devido às condições anormais
em que se encontra sempre que se comunica, comprovamos que essa explicação
coincide com as outras dadas, sobre este ponto, pelas personalidades
mediúnicas. Não só isso, como também o exame dos fatos prova a veracidade do
que elas afirmam, conforme eu já demonstrei num recente trabalho analítico,
relativo a uma série de Mensagens mediúnicas entre vivos, transmitidas com o
auxílio de personalidades mediúnicas (Revue Spirite, de dezembro de 1927 e
janeiro de 1928). Nessas experiências (efetuadas por dois grupos que se reuniam
simultaneamente a 300 milhas um da outro), os Espíritos, que se comunicavam,
mostraram-se perfeitamente capazes de transmitir, de um ao outro grupo, as
mensagens que se lhe confiavam, porém quase sempre o fizeram apenas parcialmente,
ou,então, só transmitiram a substância da mensagem. Quando chegavam a
transmiti-la integralmente, é que a mensagem se constituía de uma idéia única.
Interrogados sobre isso, um dentre eles deu explicação análoga à que ficou
acima exarada, dizendo que o fato devia ser atribuído ao estado de amnésia
parcial ou total, em que entram as personalidades mediúnicas no ato de se
comunicarem. A este propósito, não se pode deixar de reconhecer significativo
um incidente que se produziu, na série de experiências em questão. Tendo-se o
Espírito manifestado uma primeira vez, com o fim de transmitir a mensagem que
lhe fora confiada, logo se apercebeu de que a esquecera; teve que se limitar a
dizer que recebera o encargo de transmitir uma mensagem, mas que a olvidara. Ora,
cinco dias depois, ele se achou em condições de transmitir a parte substancial
da mensagem. Forçoso é se deduza que, se o Espírito, depois de haver esquecido
a mensagem, conseguiu lembrar-se dela, isso demonstra que era apenas temporária
a amnésia total que se produzira anteriormente. Quer dizer que, constituindo
uma conseqüência da ação de se comunicar, ela desaparecera, quando o Espírito
se libertou da aura perturbadora, para, em seguida, se renovar, parcialmente,
quando o Espírito tentou de novo a prova. Sê desta segunda vez a amnésia foi
apenas parcial, isto significa que as condições perturbadoras da aura mediúnica
eram. menos desfavoráveis.
Naturalmente, estas
explicações só servem para uma modalidade única de comunicações mediúnicas: em
que o Espírito se utiliza mais ou menos parcialmente do órgão cerebral do
médium. Outras modalidades há de comunicações mediúnicas que se verificam por
via telepática. Neste caso, as interferências, devidas a um estado
imperfeitamente passivo da mentalidade do médium, ocasionam outras formas de
alterações, mais ou menos profundas, das mensagens transcendentais que são
transmitidas.
Só me resta analisar a
mensagem acima, do ponto de vista especial da crise da morte. A este respeito,
nota uma variedade de experiências, ou, antes, de impressões, que mais ou menos
se afastam das impressões descritas por muitos outros Espíritos. Mas, essas
variantes se nos revelam de natureza prevista, desde que nos lembremos de que
os Espíritos declaram que nenhum peregrino do mundo dos vivos chega pela mesma
porta aa mundo maravilhoso deles, o que é logicamente inevitável, dado que o
meio e as existências espirituais são puramente mentais e que não pode haver,
em nosso mundo, duas individualidades intelectualmente e moralmente idênticas.
Afora isso, notamos que a mensagem de que se trata concorda com todas as
outras, no que concerne aos detalhes fundamentais da existência espiritual.
Verifica-se, com efeito, que o Espírito, a seu turno, alude sucessivamente às
circunstâncias seguintes: visão de seu carpo no leito. de morte; ignorar,
durante algum tempo, que estava morta; haver passada por um período de sono e
de inconsciência; ter sofrido a prova da visão panorâmica de todos os
acontecimentos de sua vida; terem-no seus parentes defuntos acolhidos no mundo
espiritual.
Nos detalhes
secundários, nota-se que ele está plenamente de acordo com os outros, quando
diz ter observado com surpresa que no mundo espiritual a noção de tempo deixa
de existir.
Décimo Terceiro Caso
Tiro-o da Light (1927,
pág. 314). Trata-se da manifestação de Miss Felicia Scatcherd, alguns meses
depois de sua morte, ocorrida a 27 de março de 1927. Miss Felicia fora em vida,
uma das personalidades mais em evidencia no movimento espiritualista inglês.
Seu nome permanecerá na História, por ter sido- ela quem fez as primeiras
experiências importantes, de onde nasceram às teorias da fotografia do
pensamento e da ideoplastia.
Relativamente à
comunicação de que me disponho a citar algumas passagens, eis o que escreveu o
diretor da Light:
Não me é licito publicar
os nomes das senhoras que receberam a mensagem; mas, estou apto a declarar que
elas nenhuma parte jamais tomaram no movimento espiritualista e que o médium é
uma senhora por quem se obtiveram as mais verídicas comunicações que têm
aparecido nestes últimos tempos.
Grande parte da mensagem
em questão apresenta caráter meramente pessoal e contém numerosas provas de
identidade, tanto mais notáveis quanto dizem respeito a circunstancia
absolutamente ignoradas dos assistentes e cuja veracidade foi comprovada mais
tarde... Posso também fazer notar que Miss Scatcherd diz em sua mensagem que
iria ao circulo Crew (no qual Jazia, em vida, freqüentes experiências de
fotografia transcendental), a fim de projetar a imagem de seu semblante numa
chapa fotográfica, o que se realizou pontualmente. Aludiu, ao demais, a um de
seus poemas, indicando o tema dessa composição. As senhoras que assistiam à
sessão desconheciam esses versos, que foram, em seguida, achados num artigo de
Miss Scatcherd, publicado depois de sua morte...
Parece-me que esses
esclarecimentos tendem a confirmar admiravelmente a autenticidade da mensagem
obtida.
Aqui vão as passagens
que se referem ao assunto com que nos ocupamos:
O médium anuncia a
presença do Espírito de uma dama distinta, morta havia pouco, que deseja
vivamente manifestar-se a uma das senhoras presentes.
Pergunta - Pode dar-nos
o nome dessa dama?
Resposta - Esperem... vou experimentar... Rudolph. ..
Pergunta - Pode
completá-lo?
Resposta - Felicity.
Pergunta - Felicity
Rudolph tem alguma coisa a dizer?
Resposta - Ela está mais
ou menos confusa; porém, vai tentar..
Foi à primeira prova de
identidade que o Espírito deu, porquanto Miss Scatcherd publicou muitos de seus
artigos com o pseudônimo de Felix Rudolph, ao mesmo tempo em que seus íntimos
costumavam chamá-la Felicity.
Em seguida, o Espírito
ditou a sua longa mensagem, da qual extraio os tópicos seguintes:
Minha cara amiga, eu
desejava ardentemente comunicar-me com você. Sou ditosa por poder fazê-lo.
Orei, para que isso me fosse concedido. É um fenômeno maravilhoso. Quanta coisa
quisera dizer-lhe, minha querida começarei por aqui: que a morte absolutamente
não existe; a significação dessa palavra é um contra-senso. Assim pensei sempre
em vida, mas, às vezes, o corpo não estava de acordo com o Espírito. Agora o
reconheço.
Antes de continuar, devo
informá-la de uma coisa, a cujo respeito tenho certeza; é que nenhum peregrino
do mundo dos vivos chega a este mundo pela mesma porta. O meio que aqui nos
recebe se apresenta a cada um de nós de modo inteiramente diverso. Segue-se dai
que o que lhe eu dissesse poderia não parecer perfeitamente idêntico a qualquer
outra narrativa deste gênero...
O trespasse me foi tão
fácil! Senti-me cansada e sonolenta; pela manhã adormeci ligeiramente. Foi
então que percebi estranhas luminosidades, singulares filamentos luminosos.
Senti-me em seguida a flutuar no espaço e a minha mentalidade se tornou muito
límpida. Pensei: Como me sinto bem! Eu sabia que me havia de curar. Minha inteligência se tornara de novo tão solerte,
que já projetava por me outra vez a escrever, para informar meus amigos de que
me sentia como se tivera vinte anos... Era uma estupefaciente sensação de
bem-estar... Mas, não tardou que me inteirasse do que significava aquele
repentino restabelecimento. . .
Um pouco de sonolência
voltou em seguida a se apoderar de mim, por isso que aqueles filamentos
luminosos ainda me prendiam ao mundo dos vivos, entorpecendo-me o Espírito.
Repousei durante algum tempo... Mas, não se tratava de sono: era antes
delicioso torpor. Uma multidão de recordações antigas e ditosas me invadiam
então o Espírito: lembranças do tempo que passei na sua companhia e na de
muitas outras pessoas. Porém, tudo isso se desdobrava com tranqüila serenidade,
sem nenhum choque, sem dissonâncias. Nada do que se verifica de incoerente e
desagradável nos sonhos propriamente ditos...
Muitas pessoas, dentre
as que me eram mais caras, vieram em seguida ter comigo. Havia, entre outras, a
mais querida de todas: Minha mãe! Mas, quanto estava mudada! Tornei a vê-la tal
como era na sua mocidade... Quisera que todos vós vos persuadísseis de que a
vida terrena é à parte mais desolada de nossa existência. Na realidade, ela não
é uma vida...
Via-me mergulhada numa
espécie de nevoeiro aljofrado. Os Espíritos me informaram de que iam ajudar-me,
com seus conselhos, para me facilitarem a ruptura dos filamentos luminosos que
ainda me ligavam ao corpo. Segui-lhes, com efeito, os conselhos: tratei de pôr
em absoluta calma de Espírito; vi então desaparecerem os filamentos luminosos.
Radical mudança se produziu lentamente em mim. A nuvenzinha aljofrado, de que
me via cercada, tomou gradativamente uma forma. Compreendi que se tratava do
meu corpo espiritual, que assumia gradualmente uma forma humana. Disseram-me
então que, pela torça do meu pensamento, eu poderia modelar, à vontade, os meus
traços. Não é maravilhoso?
Entretanto, os
pensamentos e as ações realizadas no curso da existência terrestre contribuem
para a criação da natureza intima do nosso corpo etéreo. Bem consideradas as
coisas, vereis agora uma Miss Felicia muito mais moça e, penso, mais atraente.
Em todo caso, seria sempre a mesma para você, minha caríssima amiga...
Dirigi um olhar ao meu
velho corpo lívido e desfeito. Pareceu-me tão pouca coisa! Voltei o pensamento
para as pessoas que me eram caras e que eu deixara na Terra. Desejava,
sobretudo, vê-la ainda uma vez, assim como a A... Imediatamente vi você na sua
cama, profundamente adormecida! Parecia muito fatigada, porém calma. Procurei
entrar em comunicação com seu Espírito, mas este não se achava preparado para
essa prova. Renovarei a minha tentativa noutra ocasião; entretanto, é preciso
que, então, antes que você adormeça, pense fortemente em mim e reconstitua a
minha imagem pela imaginação. Chegarei assim a fazê-las sair momentaneamente do
corpo e a trazê-la até a mim. E o que chamamos uma entrevista no sono. Tornará
a me ver e me reconhecerá; mas, naturalmente, ao despertar suporá que sonhou.
Lembre-se, no entanto, de que, ao contrário, teremos estado juntas...
Fui logo conduzida para
longe dali pelos Espíritos que tinham vindo receber-me e que me explicaram
haverem construído o maravilhoso mundo deles, tirando-o daquele nevoeiro aljofrado
que eu percebia, condensando-lhe, pelo poder do pensamento, as vibrações
infinitamente sutis. Eles projetam nesse meio as formas do pensamento, que se
revestem da substancia espiritual. Chegam assim, pouco a pouco, a criar o seu
meio. Quanto a mim, como é natural, ainda não me achava em condições de
projetar as formas do meu pensamento nesse mundo exclusivamente mental; por
isso, os Espíritos me conduziram à maravilhosa morada que eles próprios haviam
criado. Mais tarde, aprenderei, por minha vez, a construir o meu mundo
pessoal...
Quanto ao meio, em
geral, somos sempre nós que contribuímos para a sua criação; cada um traz para
ali uma pequena parte de todo. Naturalmente, o trabalho é dividido, depois de
todos se haverem posto de acordo com relação ao conjunto a ser criado. Grande
número de Espíritos há que não se ocupam com estas criações, reservadas aqueles
que manifestam disposições para essa espécie de trabalhos. A paisagem que me
cerca aparece completa por si mesma e maravilhosa; mas, é apenas a nossa
paisagem. Asseguram-me, com efeito, que, para além da nossa, há outras muito
diversas, porque almas há incapazes de apreciar o que se afaste da paisagem
terrestre.
A minha amiga não pode
imaginar quão eletrizante é o sentimento de criar desta maneira. A intensidade
passional com que todos a isso se afazem não se pode exprimir por palavras. . .
Falaram-me da existência
de outras esferas Infinitamente superiores à nossa e que desejo e espero
alcançar um dia, ainda que esse dia deva estar para mim muito distante. Os
Espíritos eleitos que as habitam executam, pelo poder da vontade, coisas que
vos parecerão impossíveis, o que não impede sejam verdadeiras. É dessas esferas
que se desprendem as centelhas da Vida, sob a forma, por assim dizer, de um
fluxo vital que atinge o vosso mundo e é absorvido pelo reino vegetal. Para
chegar a dispor de tanto poder, é necessário alcançar-se suprema perfeição
espiritual; todos, porém, estamos em condições de ascender até lá o que me
afirmam...
Passo a comentar
sumariamente o caso que venho de reproduzir. Chamo, antes de tudo, a atenção
para o fato de que a personalidade autora da mensagem se deu pressa em prevenir
os experimentadores de que nenhum peregrino do mundo dos vivos chega pela mesma
porta ao mundo espiritual, isto é, que cada Espírito, sendo uma entidade
individualizada e, por conseguinte, mais ou menos diferente de todas as outras
entidades da mesma natureza, tem. forçosamente que deparar no Além com uma
situação também mais ou menos diferente da dos outros Espíritos
individualizados, no momento de entrar no meio espiritual, meio de natureza
exclusivamente mental. Essas diferenças, que não podem deixar de ser enormes
entre eleitos e réprobos, existem mesmo entre os Espíritos que, pela lei de
afinidade, gravitam no mesmo meio, embora se trate de diferenças relativas a
detalhes secundários, ou ,à direção de certas experiências inerentes à crise da
morte. No caso que nos preocupa, pareceria que as diferenças se referem
unicamente à duração de determinadas experiências por que todos os Espíritos
têm de passar.
Nota-se, em primeiro
lugar, que a crise do trespasse foi mais fácil para Miss Scatcherd do que o é
para a maioria dos Espíritos. Contudo, ela também refere ter experimentado a
sensação passageira da flutuação no espaço. Diz igualmente não haver, a principio,
acreditado que morrera, mas que se curara de súbito, embora essa impressão
também tenha sido pouco duradoura. Viu igualmente seu cadáver no leito de
morte; também teve o seu período de sono, ainda que muito curto; teve a visão
panorâmica dos acontecimentos de sua vida, se bem que sob a forma de um:a
multidão de lembranças gratas que lhe invadiam a mentalidade. Os entes caros,
que ela perdera, se lhe apresentaram em seguida, entre outros, sua mãe.
Observou os filamentos luminosos que ainda a prendiam ao corpo e conseguiu
dissipá-los, concentrando-se em absoluta calma de espírito. Percebeu a
nuvenzinha fluídica que havia de lhe constituir o corpo espiritual e, graças à
potencialidade do seu pensamento, seguindo o conselho de seus guias, chegou a
modelar o próprio semblante, dando-lhe traços juvenis. Presa do vivo desejo de
tornar a ver uma de suas amigas, achou-se incontinenti perto dela. Do mesmo
modo que todos os outros Espíritos que se comunicam, foi, afinal,
impressionada, sobretudo, pelo grande fato do poder criador do pensamento, no
meio espiritual. Deteve-se mesmo, mais demoradamente do que a maior parte dos
outros Espíritos, a descrever maravilhas desse poder. Sua descrição é
importante e instrutiva, porque contribui para que melhor se compreendam certas
modalidades do fenômeno, que pareciam obscuras e embaraçosas à nossa
inteligência limitada. Aludo aos esclarecimentos dados pela entidade, acerca da
sábia colaboração por meio da qual os Espíritos operam, para criar o meio geral
comum, evitando assim a confusão caótica das iniciativas pessoais.
Resta-nos tomar em
consideração a revelação última da entidade transmissora da mensagem: a que diz
respeito às supremas esferas espirituais, donde os Espíritos muito elevados que
as habitam enviariam os germes da vida aos mundos do Universo, empregando o
poder criador do pensamento. - Que se deve pensar disto? Responderei que, se
atentarmos na impotência inata da ciência humana, que jamais conseguirá
penetrar o grande mistério das origens da vida dos mundos; se considerarmos que
a mentalidade humana permanecerá eternamente na impossibilidade de saber como é
que uma mônada inerte de protoplasma se vitalizou repentinamente, tornando-se
uma ameba, ou transformando-se num líquen - teremos que convir em que se pode
tomar em consideração a fecunda sugestão da entidade de quem procede à comunicação.
Segundo ela, haveria entidades espirituais muito elevadas que, pelo seu
pensamento criador, engendrariam fluxos vitais. Estes, atingindo os mundos e
saturando-lhes o protoplasma primitivo, lhe transmite os germes da vida
vegetativa que, graças a um processus evolutivo muito lento, a se realizar no
meio físico, através dos quatro reinos da Natureza, acaba por engendrar a
sensibilidade, depois a motricidade, em seguida o instinto animal, os primeiros
albores da inteligência e, por fim, a inteligência consciente de si mesma. É
assim que se chegaria à criação de uma individualidade pensante...
Paremos aí. Nada impede
se haja de aceitar esta solução do grande enigma, tanto mais que, tudo bem
considerado, fora desta explicação, nunca se chegará a formular qualquer coisa
de racional sobre o problema das origens. Contrariamente, aceita que seja esta
solução, se bem ela não nos ponha em condições de penetrar o Incognoscível,
levar-nos-á, entretanto, a uma compreensão do mistério, bastante, ao que nos
parece, a satisfazer e repousar o espírito. Com efeito, este começo de solução
se fundaria num fato conquistado pela Ciência, isto é, que o pensamento humano
já dispõe da potencialidade de objetivar formas que ficam gravadas na chapa
fotográfica e se materializam e, muitas vezes, se organizam. O primeiro e maior
obstáculo racional que se encontra, para aceitar a solução de que se trata,
estaria então vencido. Para aceitá-la, bastaria deduzir dali que a
potencialidade criadora do pensamento, tal qual se manifesta em a natureza
humana, é de natureza evolutiva no meio espiritual e perfectível além de todo
alcance do entendimento humano. É claro que, se admite a sobrevivência, este
postulado não só é legítimo, mas também racionalmente necessário.
Dever-se-ia, pois,
inferir daí que o fato, experimentalmente demonstrado, da potencialidade
criadora do pensamento no meio terrestre oferece base suficientemente firme à
concepção de que se cogita e assim a torna cientificamente e filosoficamente
legítima. Em outros termos: Tendo-se em conta que a ciência oficial não dispõe
de uma base experimental qualquer, por onde possa orientar-se na pesquisa das
origens da Vida no Universo; tendo-se em conta que se chegaria a encontrar, na
experiência humana, essa base experimental, contanto que se aceite, a título de
hipótese de trabalho, a explicação que deu a personalidade mediúnica em questão
- segue-se que, até prova em contrário, se está no dever de considerar legítima
essa solução parcial do grande mistério.
Décimo Quarto Caso
Tomo-o ao livro intitulado:
Messages from the Unseen. Trata-se de uma santa mãe que se comunica por
intermédio de sua filha. Orna a brochura o retrato da morta, cujos traços
angélicos se harmonizam de modo muito sugestivo com o conteúdo das mensagens,
das quais se exala o perfume celeste de uma bela alma, em suprema comunhão de
amor com todos os seres do Universo.
E tão espontânea, tão
natural à forma em que são ditadas as mensagens, que sugere aos que as lêem a
intuitiva certeza da origem, autenticamente transcendental, donde promanam.
Na primeira, a morta
exprime a sua viva alegria por sentir-se, enfim, liberta do corpo.
Dirige-se, depois, ao
marido, nos termos seguintes:
Acho-me, neste momento,
contigo, bem perto de ti e dos meus filhos. Varre da mente essa idéia de que me
encontro muito longe do melo onde vivi. Podes consultar-me sobre tudo o que te
apraza, com mais facilidade do que antes. Estarei sempre em relação com todos
vás; não vos deixarei um só instante, até ao dia em que vos der as boas-vindas
à passagem do grande rio. Possa essa passagem ser para todos tão suave quanto o
foi para mim. Não me lembro de coisa alguma concernente à travessia.
Devo ter dormido longo
tempo, se bem não conserve disso nenhuma recordação. Mas, quando abri os olhos,
achei-me curada miraculosamente. Vi-me tal como era no curso dos melhores anos
da minha mocidade, porém, infinitamente mais exuberante de vida, mais lúcida de
Espírito, mais ditosa. O extenso período da minha enfermidade me pareceu um mau
sonho, do qual por fim despertara, para volver à afeição das pessoas que me são
caras e que me assistiram com tanta abnegação. Sentia-me na posse de toda a
rica experiência adquirida durante a minha passagem através da existência
terrestre...
Na segunda mensagem,
volta à circunstância da crise da morte, dizendo:
Ignoro o que
experimentam os outros na travessia do grande ribeiro que separa o mundo
espiritual do mundo terreno; a minha experiência se resume num despertar
maravilhoso que, ainda agora, me enche de extática alegria. Não temais a morte;
não há o que temer; todas as penas, todas as dores, tudo o que há de leio na
grande crise, pertence ao seu lado físico; do outro lado, há o amor - o Divino
Amor - combinado com a glória inexprimível do despertar espiritual. Quando
despertei, vi-me cercada pela assembléia de todos os que eu amara na Terra.
Via, em torno de mim, os
semblantes de todas as pessoas queridas que eu conhecera nas diferentes épocas
da vida, a partir da mais tenra infância, pessoas essas que, na sua maioria,
tinham sido, havia muitos anos, arrancadas à minha afeição. Ao mesmo tempo,
ressoavam no ar maravilhosos acordes musicais, literalmente celestes, que eu
escutava extasiada. No meu trespasse, não houve mudanças bruscas; adormeci e
despertei, pouco a pouco, para uma vida em que se tem uma consciência mais
vasta de si mesmo e se sabe muito bem estar curado de todas as enfermidades e
livre, livre para sempre do meu pobre corpo envelhecido, que durante tão largo
tempo me pesara sobre o Espírito qual geena. Como exprimir, pela palavra, o que
esta revelação significava para mim?
Só os que, como eu,
sofreram longamente, aguardando com ansiedade a liberação, se acham em
condições de o conceber. Sinto-me perfeitamente bem, exuberante de vitalidade,
rejuvenescida. Quando, ao despertar, respondi às saudações de boas-vindas de
tantas pessoas queridas, que me tinham vindo receber, sabia que não sonhava,
que efetivamente havia entrado no meio espiritual; sabia que estava morta.
Morta! esta palavra é um
contra-senso! Nunca faleis de mim como de uma pessoa morta. Estou viva, com uma
vitalidade que jamais experimentara, nem sonhara, na posse de novas faculdades,
de novas energias, com um poder de amar e de ser feliz, dez vezes mais forte do
que antes. Tudo isto me revela o grande fato de que a existência, nestas
esferas, deve constituir uma alegria permanente. Para alcançar tal meta, valia
bem a pena de viver uma vida de lutas e de sofrimentos. Presentemente me parece
que vivi na Terra uma existência de sonho; somente esta é, com efeito, vida
real; aquela era uma sombra de vida. Só vós outros continuais a ser para mim
uma realidade da existência terrena; o amado companheiro de minha vida e meus
filhos constituem o laço único que me prende ainda ao mundo dos vivos.
No paraíso, onde me
acho, reinam o perfeito amor e a harmonia universal, a se manifestarem numa
glória de luz radiosa, vibrante de energias vitais, que enchem a alma de
sentimentos agradáveis e de suprema alegria. Em o nosso meio, os pensamentos
substituem a palavra; eles não só vibram em uníssono com as almas, como
revestem cores admiráveis e se transformam em sons muito harmoniosos, o que faz
ouçamos ressoar em torno de nós uma sinfonia de acordes musicais, sempre mais e
mais maravilhosos, de uma beleza de gradações infinitas.
. . . Desejo ainda
talar-vos da maravilhosa música que me acolheu, à minha entrada no mundo
espiritual, experiência que ultrapassa tudo o que conheci na Terra. Não era eu
a única a ouvi-la; a maioria dos Espíritos que se tinham reunido para me
receber a ouviram e dela gozaram comigo. Era uma série gloriosa de acordes
musicais que pareciam vir de um instrumento central, de um órgão gigantesco.
Espalhavam-se e vibravam no espaço, em ondas de harmonias celestes, que
pareciam elevar-se, até se fundirem em Deus. Era tão passante essa sinfonia,
tão grandiosa, tão penetrante, que se diria dever o Universo inteiro ouvi-la.
E, no entanto, ao escutá-la, eu tinha a intuição de que aqueles acordes
ressoavam só para mim, que eles me chegavam como uma voz que se dirigia à minha
alma, revelando-me a natureza intima e os segredos maravilhosos do meu ser e me
ensinando que, no mundo espiritual, a música é o veiculo revelador das grandes
verdades cósmicas... Se me perguntásseis onde estava o instrumento musical,
donde vinha aquela música, quem era o músico, não saberia responder. Ela se fez
ouvir de repente, sem que ninguém a houvesse pedido. Sei apenas que representa,
com relação a mim, o primeiro passo para a iniciação nas maravilhas da esfera
espiritual que tive a dita de alcançar...
Um dos grandes atrativos
desta Esfera consiste no fato de haver alguns lados da sua configuração que são
invariáveis, havendo, porém, ao mesmo tempo, nela, uma espécie de configuração
particular superposta - se assim se pode dizer - que é, ao contrário, muito
variável. E que todos possuímos faculdades criadoras, que atuam perpetuamente
sobre o meio imediato onde existimos. Segue-se que toda variação em a nossa
maneira de sentir e de pensar acarreta variação correspondente no meio que nos
cerca. As nossas vestes são também criações do nosso pensamento e constituídas
de elementos tirados do melo onde existimos. Ainda não aprendi exatamente o
processus pelo qual se opera o milagre, mas o tato é que essas manifestações
exteriores do nosso pensamento traduzem as disposições interiores do nosso Espírito.
Resulta dai que, para os Espíritos existentes de há muito neste meio, as vestes
constituem um símbolo infalível, que lhes revela o valor moral intrínseco...
Embora a natureza deste
mundo difira enormemente da Terra, os dois mundos se assemelham, com a
diferença, porém, de que o mundo espiritual é infinitamente mais apurado, mais
sublime, mais etéreo: eis tudo.
Coisa singular! conquanto,
à minha chegada no mundo espiritual, tudo o que nele existe me haja parecido
tão maravilhoso, (experimente) logo a sensação de me encontrar num meio que me
era familiar; ou, mais precisamente, de me encontrar outra vez num meio que não
era novo para mim. Exprimi esta impressão aos meus companheiros espirituais e
eles então me Informaram de que eu recuperaria gradualmente a lembrança de
acontecimentos pessoais que se estendem muito para além da minha última existência
terrestre, abrangendo recordações de um tempo em que habitei os mundos
espirituais, que é a nossa verdadeira morada. Começo, com efeito, a
lembrar-me... Não desejo entrar em longa dissertação sobre este tema, mas, bom
é diga o que dai resulta para mim a tal respeito. É que meus filhos, assim como
outros Espíritos com os quais tenho tido ensejo de falar deste assunto, me
informaram que se lembravam claramente de todas as existências que viveram no
planeta Terra. Eu mesma principio a recordar-me das fases de existências
encarnadas, anteriores à que acabei ultimamente. Apenas, pelo que me toca, não
poderia dizer se essas recordações se referem a vidas passadas na Terra, ou em
outros planetas do Universo. Do que sei com toda a certeza é que me achava
revestida de um corpo muito semelhante ao corpo velho que acabo de deixar.
No caso presente,
assiste-se à passagem de uma bela alma para o meio espiritual, alma que, pela
lei de afinidade, gravita para uma esfera elevada do meio astral. Concebe-se
então que as circunstâncias do seu trespasse sejam um pouco diferentes daquelas
pelas quais passa a maioria dos outros Espíritos que desencarnam.
Segue-se que, em a
narrativa de que se trata, nenhuma referência se encontra a duas circunstâncias
relevantes das precedentes experiências análogas. A primeira consiste no
detalhe de os Espíritos não se aperceberem de que estão mortos; a outra
consiste no fenômeno da visão panorâmica d,e todos acontecimentos pelos quais
se tenha passado - fenômeno, ou prova quase infalível, na crise da morte, para
as almas que desencarnam em condições normais de espiritualidade. Vê-se, no
caso com que nos ocupamos, que a personalidade que se comunica refere haver
despertado, sabendo perfeitamente que estava morta e se achava no mundo espiritual,
ao passo que não fala de uma irrupção geral de lembranças na sua consciência,
nem durante a agonia, nem após o despertar.
Afora isso, a sua
descrição concorda, em todos os detalhes, com as outras narrativas do mesmo
gênero. Nota-se com efeito, que ela
passa por uma fase de sono reparador que, no que lhe diz respeito, se combina,
sem solução de continuidade, com o sono da morte, de maneira a lhe poupar os
estados de ansiedade e de confusão, inerentes à crise suprema. Observa-se, além
disso, que é acolhida no mundo espiritual pelos Espíritos dos defuntos a quem
amou, quando viva. Finalmente, ela se acha de novo em forma humana no mundo
espiritual.
Notemos também haver
dito que, nesse mundo, os Espíritos conversam entre si por meio da transmissão
dos pensamentos; que o pensamento e a vontade espirituais constituem forças
criadoras. A propósito desta última circunstância, cumpre-me assinalar um
detalhe secundário, que concorda perfeitamente com o que relatam os outros
Espíritos que se comunicam com os vivos: é que a paisagem astral se compõe de
duas séries de objetivações do pensamento, bem distinta uma da outra. A
primeira é permanente e imutável, por ser a objetivação do pensamento e da
vontade de entidades espirituais muito elevadas, prepostas ao governo das
esferas espirituais inferiores; a outra é, ao contrário, transitória e muito
mutável; seria a objetivação do pensamento e da vontade de cada entidade
desencarnada, criadora do seu próprio meio imediato.
Do ponto de vista das
informações concernentes a detalhes que só raramente se dão no período inicial
da existência espiritual, é muito de notar-se que, no caso que nos ocupa, o
Espírito autor da mensagem fala de duas circunstâncias deste gênero: a de haver
percebido, logo após o seu despertar, uma onda de música transcendental e a de não
haver tardado a experimentar a sensação do já visto, a propósito do meio
espiritual em que se encontrava e em que pensava achar-se pela primeira vez.
A análise comparada,
aplicada a um número adequado de revelações desta espécie, demonstra doravante
que as circunstâncias de que se trata constituem uma prova da elevação
espiritual do desencarnado que as experimenta no curso do período inicial que
se segue à crise da morte.
No que concerne à música
transcendental, farei notar, primeiramente, que este fenômeno, às vezes, se
produz no leito de morte de enfermos espiritualmente elevados. Neste caso,
acontece muito freqüentemente que alguns dos assistentes percebem, ao mesmo
tempo em que o moribundo, a manifestação supranormal; porém, raríssimo é que
toda gente a ouça. Ora, é de considerar-se que, no caso a que nos referimos, a
personalidade que se comunica diz que a maioria dos Espíritos, que se tinham
reunido para recebê-la, percebiam a aludida música, da qual gozavam
deliciosamente, ao mesmo tempo em que ela, o que subentende que, entre os
Espíritos em questão, alguns se contavam que não a percebiam, ou, em outros
termos, que havia entre eles Espíritos ainda não bastante evoluídos para chegar
a percebê-la. Forçoso é se deduza daí que a tonalidade vibratória de seus corpos
etéreos não estava suficientemente apurada para sintonizar-se com a tonalidade
vibratória daqueles acordes musicais muito elevados. A este respeito, importa
observar que os Espíritos que se comunicam, mostram-se unânimes em afirmar que,
no meio espiritual, os acordes musicais apresentam um valor
psíquico-construtivo de primeira ordem, que corresponde, de modo
impressionante, a uma das nossas mais importantes generalizações científicas,
segundo a qual tudo o que o Universo contém parece poder ser reduzido a um
múltiplo ou submúltiplo de uma grande lei misteriosa: a lei do ritmo, que, em
última análise, reduziria todo o Universo - matéria e espírito - a um fenômeno
de vibrações, donde a profunda intuição dos filósofos orientais, quando dizem
que, no fenômeno do movimento, assistimos à manifestação imanente de um
atributo de Deus. Ora, os acordes musicais podem ser reduzidos, em última
análise, a uma combinação e a uma sucessão de vibrações, que se harmonizam
entre si. Por outro lado, no fenômeno vibratório se desenha um mistério
primordial, destinado a reger o Universo inteiro. Segue-se que se chega
facilmente a conceber o grande interesse espiritual e construtor que os acordes
musicais deveriam apresentar, num ciclo de existência puramente mental, qual a dos
Espíritos desencarnados.
Vou agora assinalar, nalgumas
linhas, a sensação do já visto que a personalidade autora da mensagem
experimentou - sensação que subentende a teoria das vidas sucessivas, isto é, a
hipótese reencarnacionista. Sabe-se que é o único ponto importante em que se
depara com um desacordo parcial nas mensagens dos Espíritos que se comunicam:
entre os povos latinos, eles afirmam constantemente a realidade das vidas
sucessivas, ao passo que, entre os povos anglo-saxões, estão em desacordo, na proporção
de dois terços que negam mais ou menos claramente esta forma evolutiva do ser
humano, e de um terço que a afirma, de modo mais ou menos categórico. Não
esqueçamos, com efeito, que os povos anglo-saxões experimentam uma aversão de
raça - por assim dizer - contra a solução reencarnacionista do mistério do ser.
Entretanto, conforme já o fiz notar em outras obras, este contraste de
opiniões, relativamente a um problema insolúvel para os que o discutem - e, por
conseguinte, essencialmente metafísico - nada significa, pois que os próprios
Espíritos reconhecem que tudo ignoram a esse respeito e julgam do assunto
segunda suas mesmas aspirações pessoais. Declaram, ao demais, que uma espécie
de segunda morte se verifica nas esferas espirituais, precisamente como se
morre no mundo dos vivos, isto é, que quando um Espírito tem chegado à
maturidade espiritual, adormece e desaparece de seu meio, sem que os outros
saibam o que foi feito dele. São, pois, levados, como nós, a fazer, sobre esse
ponto, induções muito diferentes. Eis em que termos a falar a respeito o Espírito Jorge Dawson, no
livro da Senhora Dawson Scott, From Four who are Dead (página 126):
Nossa existência na
mesma esfera espiritual pode prolongar-se por muito tempo. Todavia, meu pai e
minha mãe já deixaram o meio onde me encontro e penso que não tardarei a
segui-los. Suponho que eles partiram, porque a evolução espiritual de ambos
atingira o grau máximo conciliável com a existência em nossa esfera.
A Senhora Dawson Scott -
Ignoras para onde eles foram?
O Espírito - Imagino que
a razão por que se nos tornaram invisíveis é terem seus corpos espirituais
atingido c grau máximo de purificação, conciliável com as condições da nossa
esfera de existência. Em outros termos: imagino que o fato é devido às minhas
condições, que ainda não chegaram ao necessário grau de purificação...
A Senhora Dawson Scott -
Qual será a finalidade dessa longa e lenta evolução?
O Espírito - Uns pensam
a este respeito de uma maneira, outros pensam diferentemente. Por mim, renuncio
a essas especulações e vivo ditoso por entre as alegrias da hora presente.
(Págs. 126-127.)
Tais são as declarações
das entidades que se comunicam, acerca do estada de incerteza em que se
encontram, relativamente ao destino que as aguarda, após a crise da segunda
morte: estado de incerteza absolutamente análogo ao dos vivos, com a diferença
de que, no meio espiritual, se tem à certeza da sobrevivência. As opiniões
preconcebidas dos Espíritos - pró ou contra a teoria das vidas sucessivas -
contribuem, provavelmente, para acentuar entre eles a desacordo sobre esse
ponto. Com efeito, os que experimentam aversão à teoria impedem, por esse fato,
que as lembranças de suas vidas anteriores lhes surjam da memória latente;
enquanto que os que pensam favoravelmente à doutrina favorecem, com esse modo
de pensar, a emergência de suas recordações, tornando-se ainda mais afirmativos
a tal respeito. Em suma, forçoso é ainda concluir-se que, se os Espíritos, em
suas comunicações, manifestam opiniões discordantes, relativamente à
reencarnação - que continua a ser para eles uma questão metafísica - isso lhes
concerne e nada tira ao valor das concordâncias positivas, concretas,
indubitáveis, que se comprovam nas informações que eles nos fornecem, com
referência ao meio e à existência espirituais muito de notar-se, aa mesmo
tempo, que tudo contribui para demonstrar que a verdade, acerca das vidas
sucessivas, deve estar reservada a entidades que existem em condições
espirituais muito evolvidas, condições que favoreceriam a emergência espontânea
das recordações desta natureza. As condições espirituais da personalidade
mediúnica, de quem se trata neste caso, devem justamente ser tais, pelo que ela
experimentou a sensação do já visto, apenas chegada ao mundo espiritual,
sensação seguida logo das primeiras lembranças das existências anteriormente
vividas.
Décimo Quinto Caso
A Senhora Natacha
Rambova deu recentemente à publicidade um livra intitulado Rudy, em que narra a
vida de seu marido, Rodolfo Valentino, o célebre artista cinematográfico,
acrescentando-lhe algumas mensagens mediúnicas obtidas do defunto. Do ponto de
vista das revelações transcendentais, o livro apresenta grande interesse,
constituindo uma síntese admirável do que tem sido invariavelmente afirmado
pelos outros defuntos, em suas mensagens. Contém, além disso, ulteriores
esclarecimentos com relação a temas muito importantes, como, por exemplo, o
poder criador de que dispõe o pensamento no meio espiritual e no meio terrestre
e a natureza intima da música, dois temas que nestas comunicações são tratados
por meio de informações, que se podem considerar quais relâmpagos de uma nova
luz.
Por esse livro se vem a
saber que Rodolfo Valentino, em vida, se ocupava com experiências mediúnicas,
senda ele próprio muito notável médium escrevente e vidente.
As mensagens mediúnicas,
que vamos reproduzir, foram obtidas pela Senhora Rambova, na residência de seu
pai, situada nos arredores de Nice, com o auxílio do médium americano Jorge
Benjamim Wehrrer, que também servia freqüentemente para a fundadora da
Sociedade Teosófica, Sra. H. P. Blavatski, que, tendo-se encontrado com o Espírito
do defunto Valentino, graças a essas sessões, se tornou seu guia espiritual.
Do ponto de vista dos
episódios que se produziam no curso das sessões e cuja veracidade se há podido
comprovar, limitar-me-ei a dizer algumas palavras do incidente inicial, que
ocorreu quando Valentino se achava em estado desesperador, na cidade de Nova
Yark. Manifestou-se, essa noite, no grupo familiar, em Nice, o Espírito de uma
mulher, que em vida se chamara Jeny e fora grande amiga da senhora Rambova e de
seu marido, dizendo haver estado constantemente à cabeceira do moribundo e
tê-lo visto quando era transportado para a casa de saúde. Uma semana depois da
morte de Valentino, a Senhora Rambova recebia de sua irmã, residente em Nova
York, uma carta em que a informava, entre outras coisas, de que Valentino vira
Jeny e a chamara pelo nome, quando o transportavam para a casa de saúde. Enfim,
o próprio defunto, nas suas primeiras mensagens mediúnicas, referiu haver vista
Jeny e tê-la chamado. Trata-se, pois, de uma tríplice confirmação do mesmo fenômeno,
em o qual a veracidade da primeira informação mediúnica, acerca da visão do
doente no seu leito de morte, foi demonstrada por uma carta expedida logo após
a manifestação, confirmada em seguida pelo próprio defunto em suas
comunicações.
Entrando a citar
passagens que se referem ao tema com que nos ocupamos, considerável é o
embaraço em que me vejo, ante o número de incidentes importantes, que eu não
deveria deixar de relatar. Cingir-me-ei, porém, ao estritamente necessário.
Começarei reproduzindo quase integralmente a mensagem III, em que o defunto
narra, com grande eloqüência, os fatos concernentes à sua morte. Escreve ele:
Quando já me achava em
estado muito grave, mas sem que os que me assistiam soubessem que eu morreria,
vi de repente o fantasma de Jeny. Tão surpreendido fiquei, que creio tê-la
chamado pelo seu nome. Vi-a por um instante: estava cercada de uma luminosidade
rósea. Olhou-me a sorrir, exatamente como fazia em vida, quando sabia que eu
precisava de animação, e me estendeu os braços. Por aquele sorriso parecia
dizer-me: Não te aflijas! Entretanto, não a ouvi falar. Ao cabo de um segundo,
a visão desapareceu; mas bastou para me dar a compreender que eu morreria. Do
fundo do meu ser tive a intuição de que a minha carreira terrestre tocava a seu
termo. Apavorei-me. Não queria morrer. Estranha sensação se apoderou então de
mim: parecia que me abismava no vácuo, fora de todas as coisas.
O mundo se me afigurava
mais agradável e mais belo do que antes. Pensei no meu trabalho, de que gostava
tanto! Pensei na minha casa, nas minhas coisas, nos meus animais favoritos. As
recordações se apresentavam em multidões no meu cérebro. Eram lembranças de
automóveis, de viagens, de iates, de trajes, de dinheiro. Todo esse material,
confesso, me parecia precioso. A idéia de que tudo isso ia ser varrido para
longe de mim e para sempre, me aterrorizava. Tinha a impressão de que meu corpo
se tornara pesado e, ao mesmo tempo, a de que havia em mim alguma outra coisa,
que me parecia cada vez mais leve, como se eu houvesse de elevar-me nos ares,
de um instante para outro.
O tempo se escoava e
isso adquiria para mim singular importância. Parecia-me que alguma coisa de
desconhecido, de misterioso se desenhava ao longe, diante de meus olhos.
Sentia-me como que imerso numa apavorante sensação de imensidade, que me
oprimia e me fazia tremer a alma.
Centenas de coisas, que
projetara fazer, se apresentavam ao meu Espírito: coisas importantes umas e
banais outras. Também me vinham à memória as cartas que tivera a intenção de
escrever. Contudo, a visão fugaz, porém viva, de Jeny me convencera de que eu
nada mais podia fazer do que projetara. Não podia esquecer-Ihe o sorriso
singular e encantador, seus braços estendidos, como a me chamar, a luminosidade
espiritual que a envolvia.
. . . Em meu cérebro se
apresentava confusamente a lembrança de todas as pessoas que eu conhecera.
Semblantes, semblantes, ainda semblantes! Eram pessoas que vira alguns dias
antes; outras que conhecera havia muitos anos. Pensava nos meus jovens colegas,
nas pessoas que me procuravam para obter auxílios, nas que, pertencendo a
outras classes, vinham ter comigo pelos mais diversos motivos. Via os rostos de
Maria, de Alberto, de Ada, da tia Tessie, de Schenck, de Muzzie, o teu! Rostos,
rostos, sempre rostos! Depois, recordações de meu pai, de minha mãe. Minha
infância, a escola, minha bela Itália; minha primeira viagem à América, meu
primeiro certificado de nacionalidade. Este fluxo imenso de recordações me
abrandava as penas. Os mais insignificantes e mais ridículos acontecimentos de
minha existência também se apresentavam muito vivazes em meu cérebro. Loucuras,
prazeres, dores - tudo o que fizera no curso da minha vida sobrevinha sem ser
chamado, não sei donde, para fazer ato de presença. Tudo isso acabou por me
produzir uma vertigem: desmaiei.
Quando voltei a mim, a
operação cirúrgica havia terminado. Toda gente me dirigia sorrisos de animação.
Era preciso que me conserve absolutamente quieto, embora desejasse pedir muitas
coisas.
De todo modo, nos meus
últimos dias de vida, embora me sentisse às vezes com bastantes torças, via-me
presa de inexplicável sentimento de medo. Sentia que, se me pudesse levantar e
começasse a ocupar-me com as coisas que tivera de abandonar, conseguiria fazer
que desaparecesse aquele misterioso medo. Como era natural, não permitiam
sequer que me mexesse. Chegou-me a tua missiva e me confortou enormemente. Tive
então uma intuição esquisita: a de que em breve te tornaria a ver e que, de um
momento para outro, te veria no meu quarto. Meu guia espiritual - Sra. H.
Blavatski - me explicou mais tarde que essa sensação era produzida pelo
seguinte: estar eu para vir em breve ter contigo.
Afligiu-me em seguida
uma grande dificuldade de respirar. Compreendi que meu fim se aproximava.
Fiquei aterrorizado. A hora extrema me apanhara de um modo por demais
repentino. Não creio, minha querida Natacha, que meu estado da alma fosse o de temor
da morte. Não, eu tremia em face do desconhecido. Sabes quanto me inquietava
sempre a incerteza de uma situação, bem como toda espécie de coisas
desconhecidas.
Foi então, minha querida
Natacha, que comecei a perceber uma mudança no meu ser. Percebia-a no meu corpo
e no meu Espírito. Parecia-me que alguma coisa se ia de mim. Experimentava, de
tempos a tempos, uma sensação de arrancadura, como se alguma parte do meu ser
estivesse sendo arrancada do resto. Pensava no que ia dar-se com o meu corpo:
funerais, incineração ou enterramento, coisas todas essas que me causavam
horror.
Chegou o sacerdote.
Acolhi-o como um raio de luz nas trevas. A ele me confiei, com todos os
sentimentos de terror, de horror, de inquietação que me atormentavam. De novo
me emergiram da consciência as recordações da minha infância; diante de mim
desfilaram as naves de uma catedral.
Os últimos sacramentos!
Quando a singela cerimônia
terminou, !é me sentia longe do meio terreno. Modificara-se a minha situação
mental.. A Igreja me tinha consigo, como se forte mão amiga me segurasse. Já
não estava só. Não tive mais medo. Em seguida, as pessoas que me cercavam se
tornaram indistintas. Silêncio. Trevas. Inconsciência.
Não posso calcular
durante quanto tempo permaneci nesse estado. Afinal, abri os olhos, como se
despertasse de longo e profundo sono, experimentando ao mesmo tempo a sensação
de estar sendo arrastado rapidamente para o alto. Achei-me em maravilhosa
luminosidade azulada. Logo vi, dirigindo-se ao meu encontro, Black Feather (o
indiano, Espírito-guia de Valentino, quando este servia de médium), Jeny e
Gabriela, minha mãe!
Estava morto!
Estava vivo!
Tais são, Natacha, as
primeiras recordações que tenho da minha morte.
A narrativa que se acaba
de ler resume os acontecimentos do primeiro tempo do trespasse de Valentino.
Seu Espírito lhe acrescentou lembranças do segundo tempo, durante o qual se viu
atraído e preso pelo meio terrestre, devido à grande emoção que sua morte
causou entre os inúmeros admiradores da sua arte. Escreveu:
Era o dia em que
transportaram meu corpo para sua última morada. Comecei a perceber um
afrouxamento do interesse público pela minha pessoa, interesse tão vivo, que
penso haver contribuído para reter o meu Espírito no meio terreno. Quando,
porém, meu corpo foi depositado no túmulo e os jornais começaram a esquecer-me,
experimentei uma sensação de solidão desoladora... Revoltei-me contra o
destino, que me arrancara à vida no apogeu da minha glória. Receio ter então
feito uma apreciação excessivamente elevada a meu respeito, pois me parecia que
a arte muda, sem mim, não mais poderia caminhar. Agora, rio-me de mim mesmo.
Mas, naquele momento, julgava seriamente que minha morte era uma perda
irreparável para a arte.
Encontrava-me de novo no
meio terrestre e estava só. Passeava ao longo da Broadway. Essa rua me parecia
tão real, como se estivesse a percorrê-la vivo. Entretanto, ninguém me prestava
atenção. Sentia certa dificuldade em me convencer de que ninguém dava por mim.
Via-me tão real e tão reais via os vivos, que não chegava a fixar idéia sobre a
grande mudança que se havia operado. Acabei por me aborrecer de deambular
daquela maneira, por entre uma multidão de transeuntes apressados, que todos
pareciam decididos a esbarrar em mim. Certa vez, dei mesmo um encontrão em
cheio numa mulher. Ela empalideceu e se aconchegou ao cavalheiro que a
acompanhava, exclamando: Meu Deus! donde veio este sopro gelado que senti! Esta
exclamação me pôs furioso. Então a morte me havia mudado num sopro trio? Isso
de modo algum me era lisonjeiro. Dirigi-me para um grupo de artistas de teatro,
que estacionavam à esquerda da Quadragésima sétima rua. Tomei de um deles pelo
braço e lhe gritei forte: Eu sou Rodolfo Valentino! Mas o homem não se
apercebeu de coisa alguma e continuou a rir e a conversar.
Que ressentimento contra
todo mundo se apoderou de mim, naquele canto de rua! Chorei de dor e de raiva.
Porém, era vã toda revolta.
Súbito, dirigi-te o meu
pensamento; lembrei-me do telegrama que me passaste, quando me achava em estado
grave, assim como dos telegramas de Muzzie e do tio Dick. Enquanto pensava
nisso, senti que me tocavam no braço. Voltei-me e vi a meu lado uma mulher com
aspecto de matrona, de olhar inteligente e generoso. Jamais esquecerei o tom
doce e tranqüilizador de sua voz, se bem haja pronunciado as primeiras frases
com impetuosa veemência. Exclamou: Danação e um inferno de chamas foi o que te
predisse a Igreja e é o que agora te faz tão desditoso! Vem comigo! Nada há de
verdadeiro em o que ao teu Espírito inculcaram os representantes dos credos
ditos cristãos: são pobres cegos todos eles. Precisas neste momento de um guia;
aqui estou. Fui em vida H. P. Blavatski.
Isso dito, acrescentou,
a sorrir: Vem. - Perdi os sentidos. Quando voltei a mim, achei-me no salão da
vivenda do tio Dick. Era noite; as escadarias estavam iluminadas. Meu guia lá
se achava á entrada e me tez sinal para que entrasse. Atravessamos juntos
muitos aposentos, que eu conhecia bastante, e chegamos ao quarto de Muzzie. Tu
estavas com ela; diante de vocês estava Jorge Wehner, profundamente adormecido
numa poltrona.
Disse-me a Senhora
Blavatski: Ele está imerso em sono mediúnico. Podes, pois, conversar com os
teus.
Tal foi, minha querida
Natacha, o começo das minhas comunicações contigo. Devo-o ao meu generoso guia.
Sendo já muito longas as
passagens que venho de reproduzir, limitar-me-ei a acrescentar mais algumas
alíneas, apresentando observações análogas às que citei nos casos precedentes.
Primeiramente, no que
concerne à potencialidade relativa do pensamento, encontram-se, nessas
mensagens, observações muito interessantes, sobre a maneira por que tal
potencialidade se manifesta no meio terrestre. Conformemente a essas
observações, as personagens, que os romancistas e os autores dramáticos geniais
criam, tomariam por vezes aparências de personalidades propriamente ditas, que
existiriam temporariamente no meio astral. Essas personalidades seriam dotadas
de uma certa inteligência e atividade, automaticamente limitada, todavia, à
parte que lhes distribuiu o romancista, pois que tais personalidades não
poderiam ter lembranças de um passado inexistente, como sucede respeito a
criações análogas de personificações sonambúlicas, nas experiências de sugestão
hipnótica - personificações que, a seu turno, são inteligentes e atuantes, mas,
apenas, nos limites que lhes traçou o sugestionador. Exatamente do mesmo modo,
as personagens efêmeras, que os romancistas criam pela força do pensamento,
chegariam, às vezes, a subsistir enquanto dura o interesse que despertam numa
multidão de leitores, sempre a se renovarem, interesse que, conservando a
tonalidade vibratória onde se originara, contribuiria para os manter. Daí a
possibilidade de manifestações pseudomediúnicas de personagens de romance -
possibilidade que não nos cabe discutir aqui, mas que teoricamente existe e é
praticamente demonstrável.
Voltando à
potencialidade criadora do pensamento no meio espiritual, transcreverei a
seguinte passagem das comunicações de Valentino:
Aqui, tudo o que existe
parece constituído em virtude das diferentes modalidades pelas quais se
manifesta à força do pensamento. Afirmam-me que a substancia sobre que se
exerce a força do pensamento é, na realidade, mais sólida e mais durável do que
as pedras e os metais no meio terrestre. Muita dificuldade encontra,
naturalmente, para conceber semelhante coisa, que, parece, não se concilia com
a idéia que se pode formar das modalidades em que devera manifestar-se a força
do pensamento. Eu, por minha parte, imaginava tratar-se de criações formadas de
uma matéria vaporosa; elas, porém, são, ao contrário, mais sólidas e revestidas
de cores mais vivas do que o são os objetos sólidos e coloridos do meio
terrestre... As habitações são construídas por Espíritos que se especializaram
em modelar, pela força do pensamento, essa matéria espiritual. Eles as
constroem sempre tais como as desejam os espíritos, pois que tomam às
subconsciências destes últimos os gabaritos mentais de seus desejos.
A propósito desta
passagem, notarei que, do ponto de vista científico, ninguém deveria admirar-se
da observação do Espírito, relativamente à aparência sólida - tanto e mais do
que a pedra - das construções psíquicas no meio espiritual. A Ciência, com
efeito, já demonstrou que a solidez da matéria é pura aparência. Segue-se que o
atributo solidez não constitui mais que uma questão de relação entre o
indivíduo e o objeto. Quer dizer que, para nós, seres formados de igual matéria
constitutiva do meio em que vivemos, esse meio tem, necessariamente, que
parecer sólido, pois que há perfeita relação entre o indivíduo e o objeto. De
modo análogo, para um Espírito revestido de corpo etéreo, o meio etéreo, em que
ele vive, deverá parecer não menos sólido, devido sempre à existência de
perfeita relação entre o indivíduo e o objeto. Em compensação, o mesmo Espírito
deverá perceber como sombras evanescentes as pessoas vivas e o meio terrestre,
devido à falta de relação entre as condições em que ele existe e opera e as
condições em que existem e operam os vivos, sem contar que ele terá a confirmação
do que supõe, quando lhe aconteça passar através de uma parede, como se esta
não existisse.
O último reparo contido
no trecho acima, em o qual se afirma que as habitações são construídas por
Espíritos que se especializaram na arte de modelar pela força do pensamento a
substância espiritual, está de perfeito acordo com o que afirmara outra
personalidade mediúnica, no 13° caso. Esta personalidade, falando das
construções psíquicas, observa: Grande número de Espíritos não se ocupa de tais
construções, por estar esse trabalho reservado aos que manifestam disposições
naturais para essa obra especial.Esta concordância, no que respeita a um
detalhe secundário, é teoricamente mais importante do que tantas outras
referentes a detalhes fundamentais. Cada vez menos verossímil se vai assim
tornando sempre a hipótese das coincidências fortuitas, à medida que as
concordâncias, entre as descrições dos Espíritos que se comunicam, se vão
apresentando, com relação a detalhes cada vez mais minuciosos, ou
insignificantes.
Outra concordância,
relativa a um detalhe secundário, se encontra nas informações seguintes,
fornecidas pela entidade, autora da mensagem, acerca de uma categoria de
Espíritos de defuntos que permanecem ligados ao meio em que viveram,
tornando-se freqüentemente Espíritos perturbadores, ou assombradores. Assim se
exprime a entidade:
Muitos Espíritos
recém-chegados não resistem ao abalo mental que lhes causou a mudança que se
produziu. Segue-se que, por efeito da ignorância em que se acham, do medo que
os assalta, passam o tempo a freqüentar, ou, antes, a assombrar, o meio onde
viveram e ao qual se vêem psiquicamente presos. Conseguintemente, eles se
encontram na câmara mais baixa do plano astral, tora do mundo e no mundo, por
causa da adesão tenaz que mantém a opiniões e paixões terrenas. Esses infelizes
lhes são os que ai se chamam Espíritos assombradores, de que tanto se falava
nas nossas experiências mediúnicas. Afirmam-me que alguns dentre eles se
mostram de tal modo inabaláveis na sua obstinação em não quererem despojar das
convicções e da maneira de pensar trazidas da Terra, que se tornam mentalmente
cegos, a ponto de não poderem conceber e, ainda menos, realizar a possibilidade
de um avanço no mundo espiritual onde nos achamos. São antiprogressivos e
inadaptáveis, devido ao seu emperramento... O que há de pior é que essas almas
podem permanecer ligadas ao mundo durante anos e mesmo durante séculos. (Págs.
196-197.)
Estes ensinos, dados
pelo defunto Valentino, concordam com o que disse, no 8° caso, uma outra personalidade,
a propósito de certos Espíritos muito baixos, que, conservando-se ligados a
Terra, não gozam do benefício do sono reparador e perseveram na ilusão de se
crerem ainda vivos e presas de bizarro sonho. A isso, acrescentou o Espírito:
Ficai, pois, sabendo que os Espíritos presos a Terra, ou Espíritos
perseguidores , são os que vivem perpetuamente nessa ilusão.
Como se vê, sobre este
detalhe secundário, aquela segunda mensagem não só concorda com a primeira como
serve para a completar e esclarecer, pois que dá as razões por que o fato se
produz com defuntos muito presos às coisas terrestres, fato a que o defunto
Valentino, a seu turno, alude, explicando que tais Espíritos se tornam
mentalmente cegos.
Assinalarei ainda uma
terceira concordância secundária, mais importante do que as primeiras. Nota o
Espírito Valentino (pág. 157):
Algumas vezes, quando me
acho contigo, ou com Muzzie, assaltam-me dúvidas, quanto aos resultados que
obterei. Ouço então de H. P. Blavatski, que vem em meu auxilio, aconselhando-me:
É preciso uma vontade firme! Nada de divagações. Sua voz ressoa muito perto de
meu ouvido; entretanto, meus olhos não a vêem e meus sentidos não lhe percebem
a presença. Onde está ela, então, quando assim me fala? Como se acha em
condições de saber o que penso e o que faço, uma vez que, sem estar presente,
responde aos meus pensamentos? É esse um outro mistério que me falta desvendar.
Ora, no 9° caso,
reproduzo um incidente análogo, o em que um Espírito refere que, como desejasse
ardentemente tornar a ver um de seus amigos ainda vivo, chegou-lhe de longe uma
voz que assim. falou: Pensa nele, concentra sobre ele o teu pensamento e o
verás!- Era a voz de um Espírito amigo que, embora se achasse dele distante,
lhe vinha em auxílio, aconselhando-lhe o que tinha a fazer.
Quem não vê logo a
importância teórica das concordâncias desta espécie, quando colhidas, ordenadas
e classificadas em número suficiente? É cumulativo o valor científico que
apresentam, mas esse valor é ao mesmo tempo decisivo, no sentido da
interpretação espírita dos fatos, porquanto fora absurdo e ridículo recorrer-se
à hipótese das coincidências fortuitas, em presença de tão grande cópia de
concordâncias de todo gênero.
No que toca às
concordâncias referentes aos detalhes fundamentais sobre a crise da morte,
farei notar que, nas mensagens de Valentino, se encontram todas. De fato, ele
sofre a prova da visão panorâmica no momento da morte; encontra-se em forma
humana no meio espiritual; é acolhido pelos Espíritos que lhe são familiares;
não pode persuadir-se de que esteja morto, quando passeia pela Broadway, a
grande artéria de Nova York, e vê os transeuntes, como os via quando vivo;
verifica que o meio onde se encontra corresponde à paisagem terrestre
espiritualizada. Enfim, aprende que isso é devido à circunstância de que, no
plano astral ande ele se acha, são puramente mentais as modalidades da
existência, isto é, que tudo que existe nesse plano é produto do poder criador
do pensamento e da vontade dos Espíritos que o habitam, pensamento e vontade
criadores da paisagem espiritual, da forma humana conservada pelos Espíritos
que lá vivem, das vestes etéreas que os cobrem, das habitações em que lhes
apraz viver, etc.
Décimo Sexto Caso
Os casos que até aqui
tenho citado são de defuntos que se encontram nas diversas regiões, ou estados,
do plano astral, onde, pela lei de afinidade, gravitam e permanecem, ao que
parece, durante um período de tempo mais ou menos longo, todos os Espíritas de
mortos que viveram na Terra de maneira moralmente normal. Restar-me-ia referir
alguns casos em que se encontrassem narrados os acontecimentos por que passam,
durante e após a crise da morte, os Espíritos de réprobos, constrangidos a
gravitar, pela lei da afinidade, nas esferas de provação, correspondentes ao Inferno
dos cristãos; inferno, bem entendido, sem torturas físicas e onde os
sofrimentos morais não seriam eternos, mas transitórios. Devo, porém, declarar
que não cheguei a encontrar um só exemplo de defunto caído nas esferas
infernais, que tenha vindo transmitir mediunicamente a narração da sua triste
aventura.
O fato, no entanto, se
afigura muito explicável, pois que as relações mediúnicas com entidades
existentes nas mais baixas esferas de provações, parece que se não verificam
com freqüência; talvez mesmo jamais se verifiquem. Conhecem-se, todavia, as
condições dessas esferas, pelas descrições que numerosas personalidades
mediúnicas hão feito.
Pelo que toca aos
Espíritos que se encontram nas esferas de provação intermediárias e pouco
inferiores ao plano astral, observarei que alguns deles têm descrito as
vicissitudes da sua entrada no meio espiritual. Dentre esses, pode assinalar-se
o caso, já agora famoso, do escritor inglês Oscar Wilde, com que já me ocupei
longamente, nesta mesma revista (março e abril de 1926). Outro caso
interessante é o de um inglês de família nobre, morto em conseqüência de um
acidente, após curta existência de deboches, mas que não era naturalmente mau.
Ele se manifestou sucessivamente pelas mediunidades de Miss Aimée Earle e de Miss
Florence Dismore e a história dessas manifestações merece resumida.
Miss Aimée Earle é
médium psicográfica e clarividente. Certo dia, em que estava a ouvir um trecho
de música, que sua amiga Florence Dismore tocava ao piano, teve a primeira
visão de um moço moreno. No dia seguinte, estando as duas amigas a ler e
comentar uma brochura espiritualista, viu Miss Earle aparecer-lhe ao lado o
mesmo fantasma e entabular conversação com ela. Miss Florence Dismore descreve
da maneira seguinte esse primeiro encontro:
Começou ele por
interrogá-la acerca das afirmações contidas na brochura que as duas moças se
entretinham a ler e a cujo propósito ponderou: Mas, eu não estou morto, pois
que estou aqui! - O Espírito-guia de Miss Earle, que, vigilante, também se lhe
achava ao lado, conservando-se invisível para o outro Espírito, aconselhou ao
médium que não respondesse às perguntas deste último e continuasse a ler o seu
livro. Ela obedeceu e, terminada a leitura, o moço moreno foi conduzido
algures, por seus guias espirituais.
Em resumo: os
Espiritos-guias o tinham trazido à presença dos dois médiuns, ao que parece,
para lograrem convencê-lo de que morrera e se achava no mundo espiritual.
Começavam assim a sua redenção que, dotado como ele era de aptidões especiais,
devia operar-se, narrando a sua história por aqueles médiuns, a título de
edificação moral e espiritual, em proveito dos vivos. Ele não tardou, com
efeito, a se manifestar psicograficamente por Miss Earle, comunicando-lhe que
tinha a missão de lhe ditar a história de sua vida, o que entrou logo a fazer.
Miss Earle, cujos dias eram tomadas pelas suas ocupações profissionais,
reconheceu não dispor do tempo necessário para receber o ditado metódico de uma
exposição completa. Por isso, depois do recebimento das três primeiras
mensagens, decidiu, de acordo com o Espírito que se comunicava, que este
continuaria a ditar a sua história a Miss Florence Dismore. Foi o que se deu,
até que a exposição se concluiu.
Essa obra traz o título:
The Progression ot Marmaduke. O Espírito relata nela a sua história mundana, as
circunstâncias de sua morte, os remorsos que o assaltaram depois do seu
trespasse, a generosa intervenção de um amigo morto, que ele, quando vivo,
ofendera profundamente, e as conseqüências felizes do seu arrependimento, que
lhe abrira o caminho da redenção.
Se bem esse Espírito se
demore pouco a tratar da crise da morte, contudo, não tendo à minha disposição
outros casos do mesmo gênero, decido-me a reproduzir o pouco que ele diz a
respeito. Eis como principia a sua mensagem, ditada a Miss A. Earle:
Que de coisas a desaprender
em a nova existência! O quantas! quantas! Mas, como há de uma criatura fazer
para se redimir? É tarde demais para mim. Entretanto, tenho ao meu derredor
Espíritos generosos, que me animam, abrindo-me o coração à esperança de que um
dia também para mim se realizarão a visão espiritual e a audição das harmonias
celestes. Em todo caso, já não me sinto egoísta e experimento viva simpatia pelos
outros. Aplicaram-me o tratamento que me convinha: enérgico, mas necessário...
Estando eu vivo, um
segundo bastou para me dar à morte. Achava-me deitado na falda de uma encosta
rochosa. Um bloco se destacou lá do alto e me esmagou a cabeça, tornando-me
irreconhecível o semblante. Reconheceram-me unicamente pelos papéis que levava
na minha carteira.
Isso foi obra de um
instante. Vi-me, de um golpe, mergulhado nas mais profundas trevas. Procurei,
tateando, caminhar através da obscuridade. Nenhuma luz via; ao redor, mortal
silencio: era uma situação terrificante. Parecia-me, às vezes, divisar ao longe
uma claridade e perceber sons musicais. Que significavam eles? Sentia que ia
enlouquecer e lutava contra o desconhecido como um homem às voltas com o vácuo.
Afinal, esgotado, cal ao chão, numa crise espantosa e indescritível de
depressão moral. Maldizia de Deus e do gênero humano. Queria morrer e não
podia!... Achei-me, em seguida, não sei como, junto à encosta rochosa,. onde se
achava estendido o meu corpo e o vi! Tratei de o levantar, de o ressuscitar,
mas tive que me afastar, repelido pelo fedor que se desprendia dele. Achava-me
num estranho e incoerente estado da alma: não podia compreender onde me
encontrava, nem o que se passara. Veio-me a idéia de que ficara louco; depois
do que, fui presa de horrendo pesadelo, do qual precisava livrar-me o mais
prontamente possível. A idéia, porém, de que estava morto jamais me acudiu ao Espírito.
Ignoro durante quanto
tempo errei por entre aqueles rochedos. Mas, um dia, finalmente, a minha
loucura chegou a uma fase inesperada: achei-me num meio familiar, do qual
participava, embora sem conhecer as pessoas que via. Como quer que seja, estava
lá e de lá não me podia ir. Da primeira vez, ouvi música tocada ao piano. Da
segunda, ouvi a feitura de um livro e as conversas que se lhe seguiram e que me
deram a saber que as duas senhoras que ali estavam tinham conhecimento não só
da minha presença, carro do meu caráter.
Tratava-se da
circunstância, mencionada acima, em que os guias do moço moreno, que ele,
aliás, não percebia, o conduziram para junto dos médiuns.
Escutei atentamente e
aprendi que aquelas duas damas acreditavam que o homem possui um Espírito, que
sobrevive à morte do corpo. Pensei: Que absurdo! - Mas, de repente, alguém me
esclareceu o Espírito, transmitindo-me a verdade, quanto ao que me dizia
respeito: Eu então estava morto! mas, nesse caso, onde me achava? Que fora
feito de mim? - Desde que me convenci de estar morto, as coisas mudaram. Vi-me
cercado de Espíritos que pareciam desejosos de me assistirem... Não podeis fazer
idéia do que significava para mim essa mudança. Disse: Estou confuso e
desorientado. Julgava-me louco, mas estou morto! - Responderam-me: Morto
unicamente para o mundo da matéria, da visão física, da audição física; mais
vivo, porém, do que nunca para o mundo espiritual, com uma visão e uma audição
espirituais. Tu te encontras em outro mundo de existências: eis tudo. Também
nós tivemos que passar pelas nossas crises, antes de nos acomodarmos ao nosso
mundo. Desde que te hajas inteirado das condições em que te encontras,
começarás a progredir para a redenção...
Com grande surpresa
minha, fui informado de que essa assembléia de Espíritos se reunira para vir em
meu auxilio e que isso se dava por efeito de solicitações de um de meus amigos
de outros tempos. Quão longe estava eu de imaginar quem era esse amigo
generoso. Disseram-me que me cumpria entrar de novo, por algum tempo, no meio
horrível donde me haviam tirado; mas, que um raio de luz ia penetrar nas trevas
que me cercavam, porquanto, desde que um raio de luz penetra numa alma, não
mais se apaga: esse ralo de luz tinha que brilhar para mim como a estrela da
esperança, que afinal me faz guiar para sair das trevas e caminhar para a luz.
Pouco depois, achei-me
no mesmo meio que antes, mas uma pálida luz brilhava a meu lado e se tornou a
minha estrela polar. Quando a contemplava, possuído de um desejo vivo, mais
intenso se lhe tornava a luminosidade. Mostrava-se, ora à minha direita, ora à
minha esquerda, porém nunca se apagava. Não me seria possível calcular o tempo
que passei nessas trevas, atenuadas por um raio de esperança...
Hesito agora em
prosseguir a narrativa dos acontecimentos por que passou minha alma. A
magnanimidade de um outro - absolutamente digno de Jesus de Nazaré - precipita
meu Espírito no abismo dos remorsos. A minha iniqüidade se ergue diante de mim,
como fantasma perseguidor, a me proclamar o mais miserável dos pecadores.
Entretanto, devo continuar, pois que a minha narração tem que dar uma pálida
idéia do poder do Amor no meio espiritual. Não existe mais que uma só lei: o Amor,
que é Perdão; o Perdão, que é Amor. Enfim, vou dar-me pressa em me confessar.
Perdoai-me, se puderdes. Quanto a mim, não o posso. Sinto-me desfalecer. Aquele
que me soube perdoar é o mais sublime dos homens, porém a sua generosidade me
despedaça o coração e a iniqüidade da minha falta se levanta, monstruosa,
diante de mim. O amigo que trai quando vivo, que abandonei ao seu destino, que
reduzi a ser um proscrito da sociedade, foi quem reuniu esse grupo de Espíritos
para me assistir!... Vi que esses mesmos Espíritos abriam passagem a um outro Espírito
que se dirigia para mim, a sorrir. Olhei-o atentamente. Era ele! Ambrósio! O
amigo que eu trais! Estendeu-me o braço. Ocultei, envergonhado, o rosto no seu
peito, para mais saturado me sentir de seus pensamentos de perdão e piedade...
Paro! paro! Basta por hoje...
Interrompo aqui, por
minha vez, as citações, a fim de não sair do tema que me propus.
Conforme no-lo ensina o
caso acima, que concorda com os outros do mesmo gênero, os sofrimentos
expiatórios, que atingiriam os réprobos, seriam, principalmente, de natureza
moral; consistiriam, primeiramente, em toda sorte de saudades e de desejos
insatisfeitos e impossíveis de terem satisfação; depois, em toda sorte de
remorsos dilacerantes. Parece igualmente que, quando para um Espírito de
réprobo começa a crise dos remorsos, tem ele dado o seu primeiro passo no
caminho da redenção. Desta crise, longa por vezes e terrível, não poderia, com
efeito, quem quer que seja, poupar o Espírito, visto que, somente passando por
ela, chega o seu corpo etéreo - ao que nos ensinam os Espíritos - a expungir-se
dos fluidos impuros, de que se maculou e carregou, fluidos impuros que sobre
ele se acumularam, em conseqüência da repercussão vibratória que sobre o seu
organismo muito delicado exerceu o seu proceder ignóbil ou indigno, no curso da
existência terrestre. E, do mesmo modo que esses fluidos impuros havia
fatalmente - por virtude da lei de afinidade - obrigado a Espírito a gravitar
para as regiões infernais, também, em conseqüência da purificação operada pela
crise dos remorsos, seu corpo etéreo, tornado mais leve, se elevaria e
gravitaria, sempre de acordo com a lei de afinidade - para a esfera espiritual
imediatamente superior.
Quanto aos Espíritos de
réprobos endurecidos no mal, incapazes de sentir remorsos, permaneceriam na
região infernal, imersos em trevas mais ou menos profundas, às vezes na
solidão, muitas vezes em companhia de outros Espíritos da mesma categoria, até
que a hora do arrependimento também para eles soe, o que só se dá após séculos,
segundo as revelações; mas que, afinal, soa para todos, pois que nem os
próprios Espíritos de réprobos estão abandonados a si mesmos, porém, sim,
assistidos e socorridos par Espíritos-missionários, prepostos a essa obra.
No caso de que acabamos
de tratar, vê que o Espírito afirma ignorar por quanto tempo esteve a errar nas
trevas e no insulamento. Farei notar que, no mundo dos vivos, a mesma coisa se
dá com os pacientes hipnóticos postos em estado de sonambulismo vígil, para os
quais o tempo deixa de existir. Par isso é que respondem ao experimentador,
quando este os desperta ao cabo de vinte e quatro horas, que dormiram um
minuto. Numa de minhas obras anteriores, referente aos fenômenos de obsessão,
citei o caso de um Espírito obsidente, ao qual o Doutor Wickland pergunta em
que ano supõe ele estar e que responde: Sei bem que estamos em 1902. Estava-se,
entretanto, em 1919. Mas, o homem morrera em 1902 e errara nas trevas durante
dezessete anos, julgando estar naquela situação desde alguns dias apenas.
Com relação às
concordâncias episódicas a assinalar no caso que nos ocupa, consideradas em
confronto com os outros casos citados precedentemente, não podem deixar de ser
muito limitadas, por se tratar de entidades de defuntos que se acham em meios
espirituais diferentes. Assinalarei, todavia, as concordâncias relativas aos
detalhes fundamentais do costume: o Espírito não tem consciência de estar
morto; acha-se em forma humana no mundo espiritual; não percebe a presença dos
Espíritos que lhe são hierarquicamente superiores e que por ele velam e o
guiam, à sua revelia.
Quanto ao detalhe
inteiramente capital, concernente ao poder criador do pensamento no meio
espiritual, notarei que o Espírito alude a isso muitas vezes em suas mensagens,
acrescentando detalhes interessantes, o que me Leva a extrair mais algumas
passagens do texto.
Exprime-se assim:
No mundo espiritual o
pensamento é tudo - o que não se dá no mundo dos vivos. Comunicamo-nos entre
nós pelo pensamento; é pela força do pensamento, combinada com a vontade, que
podemos criar todas as coisas de que temos necessidade. Para utilizarmos desta
maneira a força do pensamento, não basta pensemos no objeto que desejamos: é
preciso uma concentração firme do pensamento sobre esse objeto, pensando em
todos os seus detalhes. Por exemplo, se pensarmos numa túnica branca, poderemos
criá-la na sua mais simples forma; porém, se quisermos produzi-la de forma
especial, de cor especial, com um determinado desenho, precisaremos fixar o
pensamento em cada um desses detalhes, segundo a maneira por que queiramos se
apresentem na túnica. Do mesmo modo, se quisermos criar pelo pensamento uma
pintura - por exemplo, a reprodução de uma paisagem - devemos concebê-la no Espírito
com a maior nitidez. A não ser assim, apenas se formará um esboço mais ou menos
confuso e informe. É por isso que, exercitando-se nas criações do pensamento,
os Espíritos chegam a pensar com uma nitidez cada vez maior e a concentrar a
vontade com uma eficácia sempre mais importante. A coisa é muito útil, pois que
também no mundo espiritual grande necessidade se tem de pensar com clareza...
Décimo Sétimo Caso
Agora, antes de
concluir, julgo oportuno tocar também, ainda que ligeiramente, nos estados de
perfeição Angélica da existência espiritual, isto é, nas condições de meio em
que se encontram, segundo estas revelações, os Espíritos que chegaram ao termo
do longo ciclo de purificação, percorrido através das esferas de transição aqui
consideradas. Isto propriamente falando, não está compreendido nos limites que
me impus para a execução desta obra; mas, penso que, provavelmente, este
problema se há de apresentar com insistência ao espírito de muitos dos meus
leitores. É bastante verossímil que eles, ante os resultados a que chegamos com
este primeiro ensaio de análise comparada, aplicada às revelações
transcendentais, hajam ponderado a si mesmos: Muito bem; sabemos agora,
fundados em fatos, que os Espíritos de defuntos entram numa primeira fase de
existência espiritual, que constitui uma reprodução espiritualizada do meio e
da existência terrestres. É uma fase transitória, se bem que de muito longa
duração, destinada a preparar gradualmente os recém-chegados à existência
espiritual propriamente dita. Tudo isso já constitui um acervo importante de
conhecimentos adquiridos a tal respeito. Mas, que havemos de pensar da
existência espiritual propriamente dita? Como a devemos conceber? Que significa
- passar ao estado de puros Espíritos?
Prevejo que as mensagens
transcendentais, emanadas de Inteligências espirituais existentes no estado de
puros Espíritos, isto é, na condição de um ser não mais limitado pela forma,
deveriam ser, teoricamente, raras ao extremo o que realmente se dá na prática.
Todavia, conhecem-se apanhados de revelações transcendentais, provenientes de
Inteligências que teriam chegado aos cumes supremos da existência espiritual. É
o que se deveria dizer, por exemplo, da personalidade mediúnica Imperator, que
ditou a Stainton Moses os famosos Ensinos Espiritualistas, assim como da
personalidade mediúnica Celfra, que ditou a Frederico Haines a preciosa
brochura de revelações transcendentais intitulada: Thus saith Celphra.
Ora, nas mensagens
dessas Inteligências muito elevadas, alguns esclarecimentos se encontram acerca
do que se deveria entender por uma existência espiritual não mais limitada pela
forma. É claro que as Inteligências em questão começam por dizer que um
Espírito, encarnado, jamais chegará a penetrar esse mistério; elas, porém, se
prestam a esclarecê-lo um pouco, recorrendo a imagens e símbolos acessíveis à
mentalidade dos vivos.
Limitar-me-ei a
reproduzir os esclarecimentos dados a tal respeito pela personalidade mediúnica
de Celfra, entidade que afirma ser o Espírito de um monge da Nicomédia, que
viveu no século III da era cristã.
Principiarei pela
reprodução de duas passagens, em que essa entidade confirma a existência de
esferas espirituais de transição, nas quais os Espíritos guardam a forma humana
e se vêem num meio análogo ao terrestre.
Esse peso - se pode empregar tal termo - do Espírito
recém-chegado ao mundo espiritual, provém das condições de pecado em que toda
gente ai chega. Essa condição é concomitante com a natureza ainda terrenal do
conteúdo da alma. Esta se conserva substancial e, de um certo ponto de vista,
quase sólida; continua, pois, escrava da forma, isto é, acha-se ainda limitada
pelas condições da existência terrestre. Isto pode fazer compreendais por que,
no curso das vossas sessões, vedes Espíritos que se manifestam em forma
humana... (Pág. 40.)
Segue-se que, enquanto a
alma (que cumpre se distinga do Espírito) do recém-vindo estiver ligada ao
mundo dos vivos, de qualquer grau que seja a ligação, o Espírito do
recém-chegado não pode deixar de existir numa condição quase terrena, por se
encontrar num meio espiritual de realização do seu ser, meio que se determina
graças ao conjunto de suas concepções acerca de si mesmo. E assim que têm ainda
necessidade de gozar das alegrias quase terrenas, de se achar entre pessoas que
lhe eram familiares e caras, de se entregar às suas ocupações favoritas, tudo
isso com uma transformação para melhor, correspondente às condições espirituais
em que se encontra. Repito: essa a causa por que, nas esferas espirituais
próximas do mundo dos vivos, os Espíritos existem em condições análogas às
terrenas. Isto explica por que tantos Espíritos poucos circunspetos, quando se
comunicam mediunicamente, se deixam ir até a desvendar aos vivos, sequiosos de
maravilhoso, suas existências em um meio espiritual análogo ao terrestre (pág.
97)...
Nestas outras passagens
das comunicações de Celfra, o trata de dar esclarecimentos gradativos sobre o
que se deveria entender por um Espírito não mais limitado pela forma:
Dito isto, farei notar
que a dificuldade que encontrais, para conceber o alcance efetivo da alma,
provém da vossa concepção física das limitações do espaço. Sabei, pois, que o
conteúdo da alma de modo algum se acha contido nos limites do corpo etéreo. A
alma, no curso da sua existência terrena e ainda por muito tempo após a morte
do corpo, está bem revestida de uma forma, guarda bem uma identidade pessoal (e
neste sentido é limitada), mas isso não impede que sua atividade seja, apesar
de tudo, radiante e que esse estado de incessante irradiação se estenda
desmedidamente na existência espiritual. Este conceito devera ser acessível às
vossas mentalidades, por efeito das experiências sonambúlico-mediúnicas, em as
quais a aura, que é visível aos clarividentes, bem mostra a realidade das
irradiações da alma. Esta última circunstância, sendo também para vós uma
questão de fato, deveria conduzir-vos a abandonar a concepção errônea de uma
alma limitada pelo corpo... (Págs. 83-84.)
Reconheço, entretanto,
que, no meio terrestre, a sensação do ser, depende exclusivamente da existência
do pensamento consciente. Mas, após a morte do corpo, nas altas esferas
espirituais, a faculdade de pensar experimenta uma transformação e uma expansão
prodigiosas. A identidade é assim conferida ao Espírito por um atributo que não
podeis conceber. E não o podeis conceber, porque a organização sensorial,
dominando a vossa capacidade mental, vos faz ver todas as coisas nos termos da
matéria. Deveríeis compreender, no entanto, que a Forma, sendo uma limitação do
espaço, deixa de ser concebível onde a matéria e a relatividade do espaço já
não existem. Porém, se as condições de existência no plano etéreo, que é a
verdadeira morada espiritual, são inconcebíveis para um Espírito encarnado,
deveríeis, pelo menos, compreender uma coisa: Não estando mais limitado pela
forma, um puro Espírito manifesta a sua personalidade com o auxilio do conteúdo
da alma que se revela integralmente e instantaneamente a todos os Espíritos que
com ela tenham afinidade, sem poder abafar ou atenuar em parte as vibrações que
sem cessar se desprendem desse centro de existência espiritual. (Págs. 36-37.)
Compreenderás alguma
coisa, se eu te disser que, além da periferia muito restrita em que se acha
circunscrita a consciência humana, há um estado radiante do ser, abrangendo o
Passado, o Presente e o Futuro, em o qual Conhecer equivale a Ser e Ser
equivale a Conhecer? (Pág. 36.)
Parece-me que quem
examinar convenientemente estas passagens da obra de Celfra, onde se fala do
estado de existência dos puros Espíritos, poderá formar idéia aproximada,
bastante acessível a uma mentalidade humana, do que deveria significar uma
condição de existência espiritual não mais limitada pela forma.
A esse respeito, acho
muito notável esta outra definição, análoga à precedente, dada por uma personalidade
mediúnica elevada e à qual alude a Light (1918, pág. 417). Essa entidade
definiu as condições de sua existência espiritual, dizendo: Somos um centro de
irradiação que possui a identidade. Acho-a uma clara definição sintética da
existência transcendental de puros Espíritos, definição certamente inconcebível
para a nossa mentalidade, mas que, entretanto, não é impensável. Isto basta
para que seja tomada em consideração, do ponto de vista filosófico.
Resumamos. Segunda o que
expusemos, parece que, na condição de puro Espírito, toda entidade se despoja
da forma, tornando-se um. centro consciente de irradiação psíquica, em que
ainda existe a identidade, mas sob um aspecto para nós inconcebível e
qualificativamente diferente da identidade pessoal terrestre, muito embora toda
individualidade pessoal terrestre possa vir a encontrar-se nessa condição muita
elevada de existência, parque o estado radiante do ser abrange o Passado, o
Presente e o Futuro - como a afirma Celfra. Em outros termos: Dada uma condição
do ser, emancipado da matéria, da forma e da relatividade do espaço, resulta
daí que as vibrações psíquicas, irradiando sem cessar de todo centro espiritual
individual, invadem instantaneamente o Universo inteiro, conferindo a
onipresença e a onisciência à fonte consciente e inesgotável, donde elas
promanam. Ora, é natural que o atributo da onisciência suponha necessariamente
que cada entidade espiritual, havendo atingido o estado de perfeição Angélica,
tenha conhecimento de todos os sucessos em que haja sido parte, num passado
muito distante, quando era a personalidade encarnada, que foi o germe de seu
Espírito.
CONCLUSÕES
No vasto e muita
importante ramo da metapsíquica em que se estuda o tema das revelações
transcendentais, tudo ainda está por fazer-se, do ponto de vista da
investigação científica do imenso material que já foi recolhido. As prevenções
de todos - assim dos opugnadores, como dos espíritas - oriundas de superficial
conhecimento do assunto, haviam impedido até aqui um trabalho útil, nesse
sentido. A presente obra é o primeiro ensaio analítico destinado a demonstrar o
valor intrínseco, positivamente científico, deste ramo da metapsíquica,
injustamente desprezado.
Para atingir a fim a que
me propunha, era-me, primeiramente, indispensável demonstrar, de modo adequado,
que as revelações transcendentais, longe de se contradizerem mutuamente,
concordam entre si e se confirmam umas às outras. Era-me preciso demonstrar, aa
mesmo tempo, que essas concordâncias não podem ser atribuídas nem a coincidências
fortuitas, nem a reminiscências subconscientes de conhecimentos adquiridos
pelos médiuns (criptonesia).
Nessas condições,
importa resumir abreviadamente o conteúdo desta obra, a fim de positivar até
que ponto esse objetivo foi alcançado.
Em primeiro lugar,
cheguei a demonstrar incontestavelmente, fundando-me em fatos, que as mensagens
mediúnicas, em que os Espíritos dos defuntos descrevem as fases por que
passaram na crise da morte e as circunstâncias em que fizeram sua entrada no
meio espiritual, concordam admiravelmente entre si, de maneira tal que nelas
não se encontra uma só discordância absoluta com as afirmações dos outros
Espíritos que se hão comunicado com os vivos.
Faço notar, a este
propósito, que se nesta obra, limitei as pesquisas ao período inicial da
existência espiritual, não foram unicamente por se tratar da primeira de três
monografias sobre o mesmo assunta. Foi também por ter a intenção de apresentar
aos meus leitores um primeiro ensaio analítico, relativamente aos problemas a
serem solucionados, reduzidos estes á sua mais simples expressão. Tratava eu
também de me certificar se valeria à pena levar por diante a minha tarefa. Toda
gente há podido verificar que este ensaio analítico constituiu um triunfa para
a tese que aqui sustento.
São estes os detalhes
fundamentais, a cujo respeito se acham de acordo os Espíritos autores das
mensagens, salvo sempre inevitáveis exceções, que confirmam a regra e que, por
vezes, intervêm, modificando, restringindo, eliminando algumas das experiências
habituais, inerentes á crise da morte, ou, então, determinando a realização de
outras experiências, desabituais no período de início da existência espiritual:
1°) Todos afirmam se
terem encontrado novamente com a forma humana, nessa existência;
2°) Terem ignorado,
durante algum tempo, que estavam mortos;
3°) Haverem passado, no
curso da crise pré-agônica, ou pouco depois, pela prova da reminiscência
sintética de todos os acontecimentos de existência que se lhes acabava (visão
panorâmica, ou epílogo da morte);
4°) Terem sido acolhidos
no mundo espiritual pelos Espíritos das pessoas de suas famílias e de seus
amigos mortos;
5°) Haverem passado,
quase todos, por uma fase mais ou menos longa de sono reparador;
6°) Terem-se achado num
meio espiritual radioso e maravilhoso (no caso de mortos moralmente normais), e
num meio tenebroso e opressivo (no caso de mortos moralmente depravados);
7°) Terem reconhecido
que o meio espiritual era um novo mundo objetivo, substancial, real, análogo aa
meio terrestre espiritualizado;
8°) Haverem aprendido
que isso era devido ao fato de que, no mundo espiritual, a pensamento constitui
uma força criadora, por meio da qual todo Espírito existente na plano astral
pode reproduzir em torno de si o meio de suas recordações;
9°) Não terem tardado a
saber que a transmissão do pensamento é a forma da linguagem espiritual, se bem
certas Espíritos recém-chegados se iludam e julguem conversar por meio da
palavra;
10°) Terem verificado
que, graças à faculdade da visão espiritual, se achavam em estada de perceber
os objetos de um lado e outro, pelo seu interior e através deles;
11°) Haverem comprovado
que os Espíritos se podem transferir temporariamente de um lugar para outra,
ainda que muita distante, por efeito apenas de um ato da vontade, o que não
impede também possam passear no meio espiritual, ou voejar a alguma distância
do solo;
12°) Terem aprendido que
os Espíritos dos mortos gravitam fatalmente e automaticamente para a esfera
espiritual que lhes convém, por virtude da lei de afinidade.
Estes são os doze
detalhes fundamentais, sobre que se acham de acordo todos os Espíritos que se
comunicam. Observarei que basta os examine alguém, uns após outros, e, depois,
o conjunto deles, para se convencer de que apresentam aos vivos um quadro esquemático
completo dos sucessos que aguardam todos os humanos, no curso da crise da
morte, e das impressões que os esperam à sua chegada no meio espiritual. Por
outro lado, não existe, nas narrações de que se trata, um só elemento
importante, a cujo respeito os Espíritos que conosco se comunicam difiram entre
si, de maneira a nos fazer considerar contraditório o elemento em questão. Quem
não vê que essa comprovação se reveste de imenso valor teórico, a favor da
origem autenticamente espírita das revelações transcendentais, tomadas em
conjunto?
Acrescentarei que, nos
casos que acaba de examinar, além das concordâncias sobre os detalhes
fundamentais, com outras se deparam, de natureza secundária, que, conforme já
fiz notar, são teoricamente ainda mais importantes do que as concordâncias
primárias, por isso que cada vez mais difícil tornam o explicá-los pelas
hipóteses das coincidências fortuitas e da criptomnésia, sempre que os detalhes
a que me refiro concernem a incidentes cada vez mais insignificantes, ou inesperados,
ou, ainda, singulares.
Dentre esses detalhes
secundários com que se topam nos casos que reproduzi, assinalo os seguintes:
1°) Os defuntos que se
comunicam são acordes em afirmar que os Espíritos dos mortos, a quem nos
ligamos em vida, intervêm para acolher e guiar os recém-desencarnados, antes
que haja começado a fase do sono reparador.
2°) Quando os Espíritos
referem ter visto seus cadáveres no leito de morte, geralmente falam do
fenômeno do corpo etéreo, a se condensar acima do corpo somático. Este detalhe
concorda, quase sempre, com o que constantemente afirmam os videntes que hão
estado à cabeceira de moribundos.
3°) Eles dizem, de comum
acordo, que, assim como não pode haver individualidades vivas absolutamente
idênticas, também. não podem existir, desencarnadas, individualidades idênticas
a ponto de terem que percorrer a mesma escala de elevação espiritual. Segue-se
que, mesmo para aquelas que são chamadas almas gêmeas na existência terrestre,
um momento chega em que cumpre se separem no mundo espiritual, se bem possam
ver-se quando o queiram.
4°) Acham-se de acordo
em afirmar que, embora os Espíritos tenham a faculdade de criar mais ou menos
bem, pela força do pensamento, a que lhes seja necessário, todavia, quando se
trata de obras complexas e importantes, a tarefa é confiada a grupos de
Espíritos que nisso se especializaram.
5°) São unânimes em
afirmar que os Espíritos dos defuntos, quando dominados por paixões humanas, se
conservam ligados ao meio onde viveram, por um lapso mais ou menos longo de
tempo. Segue-se que, não podendo gozar do benefício do sono reparador, esses
Espíritos persistem na ilusão de se julgarem ainda vivos, se bem que presas de
estranho sonho, ou de um opressivo pesadelo. Neste caso, tornam-se, muitas
vezes, Espíritas assombradores, ou perseguidores.
6°) Informam-nos,
unanimemente, que no mundo espiritual os Espíritos hierarquicamente inferiores
não podem perceber os que lhes são superiores. Isto se dá em conseqüência de
serem diversas as tonalidades vibratórias de seus corpos etéreos.
7°) Mostram-se de acordo
em afirmar que as dilacerantes crises de dor, que freqüentemente se produzem
junto dos leitos de morte, não somente são penosas para os Espíritos dos
defuntos, como os impedem de entrar em relação com as pessoas que lhes são
caras e os retém no meio terrestre.
8°) Finalmente, afirmam
em uníssono que algumas vezes, quando se encontram sós e tomados de incertezas
e perplexidades de toda sorte, percebem uma voz que lhes chega de longe e os
aconselha sobre o que devem fazer. É uma voz vinda de Espíritos amigos que,
tendo-lhes percebido de modo telepático os pensamentos, se apressam em lhes
transmitir seus conselhos.
Ninguém pode deixar de
perceber que as concordâncias cumulativas, acerca de numerosos detalhes
secundários desta espécie, são inexplicáveis por quaisquer teorias, exceto por
aquela segundo a qual se supõe que, sendo as personalidades mediúnicas, com
efeito, Espíritos de mortos, essas personalidades relatam circunstâncias
verídicas e comuns à experiência de todos. Neste caso, a fato das concordâncias
nas revelações transcendentais não implicaria um enigma a resolver-se; tudo se
explicaria da maneira mais simples e natural.
Esta conclusão já se
desenha coma racionalmente inevitável. Contudo, ainda nos resta discutir o
segundo problema a que dá lugar à tese com que nos ocupamos, isto é, a que diz
respeito à possibilidade de serem essas concordâncias atribuídas a
coincidências fortuitas, ou a reminiscências subconscientes de conhecimentos
adquiridos pelos médiuns (criptomnésia).
Excluo sem hesitação a
hipótese das coincidências fortuitas, que não se sustenta em face da natureza
das concordâncias assinaladas, sobretudo se levar em conta que a eficácia demonstrativa
dessas concordâncias reveste caráter cumulativo.
Resta a hipótese da criptomnésia,
segundo a qual as médiuns teriam aprendido de antemão os informes que dão sobre
o mundo espiritual. Se assim fosse, uma vez que eles se não lembrassem mais de
tais informes, mister se faria supor que estes emergiram de suas subconsciências,
em virtude das condições mediúnicas.
Esta hipótese se pode
combater por meia de numerosas objeções-refutação. A primeira consiste nisto:
seria absolutamente arbitrário e contrário à lógica supor-se que todos os
médiuns, com cujo auxílio às mensagens foram obtidas, devessem possuir erudição
completa, relativamente às doutrinas espíritas. O bom senso bastaria para
demonstrar a priori que esta tese não é sustentável. Em todo caso, os fatos
mostram, a posteriori, que é errônea.
Embora á tema circunscrito
desta monografia me haja impedido de fazer ressaltar os fatos em toda a sua
eficácia numérica, bem se pôde ver que, em 15 casos referidos, quatro há que
contradizem essa afirmação. Em dois desses casos, pouco havia que os médiuns se
consagravam às pesquisas mediúnicas e nada conheciam, ou quase nada, das
doutrinas espíritas. Nos dois outros casos, os médiuns jamais se haviam
consagrado a pesquisas mediúnicas, tudo ignoravam a esse respeita e só em
conseqüência da morte súbita de algum dos membros de suas famílias foram
levados a ocupar-se com tais pesquisas; revelaram-se então, repentinamente,
dotados de faculdades mediúnicas. Precisamente com estes quatro médiuns foi que
se obtiveram as revelações mais eloqüentes e mais completas, acerca da crise da
morte e da entrada dos defuntos no meio espiritual (4°, 6°, 7° e 12° casos).
O que acaba de dizer já
é suficiente para confirmar a minha afirmação: que fora absurdo conferir à
objeção de que se trata um alcance de ordem geral. Acrescentarei mesmo que tudo
contribui para demonstrar que, ainda nos casos em que intervêm médiuns bem ao
corrente das doutrinas espíritas, a aludida objeção não basta para explicar as
revelações obtidas com o auxílio deles, em as quais sempre se encontram
detalhes que escapam, por muitas razões, àquela objeção. Tampouco se devem
esquecer certas circunstâncias colaterais, altamente significativas, que
decorrem dessas revelações, indicando ser estranha ao médium à origem delas.
Assim, por exemplo, quando a entidade que se comunica dá provas admiráveis de
identificação pessoal. Neste caso, logicamente se deve concluir que, se essa
entidade se mostrou veraz nas informações verificáveis, transmitidas no curso
de sua mensagem, legítimo é seja considerada veraz também nas informações não verificáveis,
que a mesma mensagem contenha. Atente-se ainda em que, muitas vezes, no correr
das narrativas de episódios da existência espiritual, vêm intercaladas
informações verificáveis que se mostram admiravelmente verídicas.
Ponderarei, finalmente,
que, se as revelações transcendentais fossem, em massa, romances subliminais,
não só deveriam contradizer-se mutuamente, não só não deveriam produzir-se ao
mesmo tempo em que se produzem provas de identificação espírita, como,
sobretudo, deveriam refletir, em grande parte, as crenças da ortodoxia cristã,
no tocante à modalidade da existência espiritual - crenças que os médiuns
assimilaram com o leite materno. Pelo contrário, nada disto ocorre. Desde os
primeiros tempos do movimento espírita, as personalidades mediúnicas deram,
sobre a existência espiritual, as mesmas informações que presentemente dão
informações que contrastam, em absoluto, com as crenças que os médiuns e os
assistentes professam. Observarei que esta circunstância foi causa de grandes
decepções para os primeiros espíritas, que, pela aparente obscuridade de tais
narrativas, se viram levados a supor que estavam sendo constantemente joguete
de Espíritos inferiores.
Até aos nossos dias, as
narrações dos Espíritos pareceram mesmo aos pensadores ponderados, sem
distinção de escola, de tal modo absurdas, inverossímeis, antropomórficas,
pueris e ridículas, que os induziram a negar todo valor ao conjunto das
revelações transcendentais. Mas, as últimas descobertas no domínio das forças
psíquicas, até aqui ignoradas, prepararam de súbito o terreno para que aquelas
narrações fossem compreendidas e apreciadas. Com efeito, as pretendidas
inverosimilhanças nos fenômenos acharam seu paralelo em experiências análogas,
que se realizam no mundo dos vivos.
O problema das
revelações transcendentais passou assim a se apresentar à razão sob aspecto
muito outro, fazendo entrever a verossimilhança e mesmo a necessidade
psicológica de uma primeira fase de existência espiritual, a desenrolar-se num
meio, qual o descreve, de comum acordo, as personalidades dos defuntos que se
comunicam.
O valor teórico inerente
à circunstância de serem contrárias às opiniões dos próprios médiuns, e de toda
gente, as informações que aqueles, desde 1853, davam acerca da existência
espiritual, não escapara à mentalidade investigadora do Dr. Gustavo Geley, que
a ele alude nos termos seguintes:
Concluamos, pois, que
todas as objeções tão levianamente feitas ao Espiritismo, a propósito do
conteúdo intelectual das comunicações, a propósito das obscuridades, das
banalidades, das mentiras, das contradições que elas contém, não são razoáveis.
Ainda mais, o caráter das comunicações, diferentes do que se poderia supor a
priori, no começo do movimento espírita, contrário às idéias que se faziam em
geral sobre o Além, de acordo com o espiritismo religioso, constitui uma prova
a favor da doutrina que as soube verificar e explicar tão completamente. (Ensaio
de Revista Geral do Espiritismo.)
É precisamente isso.
Fica, pois, entendido que a circunstancia de as personalidades dos defuntos
descreverem, desde o começo do movimento espírita, modalidades de existência
espiritual, em oposição diametral às opiniões dos médiuns, dos assistentes e do
meio cristão em geral, poderia bastar para excluir as hipóteses da sugestão, da
auto-sugestão e dos romances subliminais.
Entenda-se, porém, que
falo do conjunto das revelações transcendentais, que realmente o sejam. Antes
de incluir, numa classificação científica, coleções de revelações desta
espécie, é necessário se lhes examine diligentemente, severamente, o conteúdo,
submetendo-as ao sistema da análise comparada e da convergência das provas.
Como já eu disse, entre as provas que contribuem para lhes assinalar origem
estranha ao médium, cumpre se registrem os episódios de identificação pessoal
do defunto que se comunica e, sobretudo, os detalhes cuja veracidade se possa
comprovar e que, muitas vezes, se encontram intercalados nas descrições da existência
espiritual, detalhes que, nesse sentido, são de excepcional eloqüência.
Todos sabemos, por
experiência, quão indispensável é esse trabalho preliminar de seleção, no que respeita
a revelações transcendentais, pois que, no curso das sessões particulares,
sucede com freqüência aparecerem pseudo mediunidades, que presenteiam os assistentes
com esta espécie de narrações, porém prolixas, verbosas e vazias, cuja origem
subconsciente a nenhuma dúvida pode dar lugar e nas quais as contradições não
enxameiam apenas entre as afirmações dos diferentes pseudo médiuns, mas também
nas que são dadas pelo mesmo indivíduo. São essas infelizes experiências que,
feitas sem discernimento e sem qualquer preparação científica, lançam
descrédito sobre o conjunto das revelações transcendentais. Não é menos de
causar admiração o notar-se que, mesmo pesquisadores profundamente versados na
metapsíquica - os quais deveriam saber distinguir nesse terreno - persistem em
apoiar-se nesses inconsistentes produtos da atividade subconsciente, para
condenar, em massa, ao desprezo, as revelações autenticamente transcendentais.
Esses, pelo menos, não deveriam cair em confusões de tal natureza. Ninguém
jamais se lembrou de negar a existência de uma atividade subconsciente que se
manifesta por meio da escrita automática; ninguém jamais pretendeu negar que a
grande maioria das mensagens obtidas nas reuniões familiares, com o concurso de
pseudomediunidades de natureza sonambúlica, pertence àquela categoria; ninguém
contestou nunca que, nesse acervo de elucubrações estufadas e vazias, elas
mutuamente se contradizem. Nem pode ser de outro modo, dado que se trata de elucubrações
subconscientes, de natureza onírica, mas o senso comum devera bastar para as
distinguir das mensagens autenticamente supranormais. Com efeito, um abismo se
abre entre umas e outras. Em todo caso, ainda do ponto de vista científico,
facilmente se chega a segará-Ias, submetendo-as aos quatro critérios de prova
que acabo de enumerar.
Ora, como esses
critérios de investigação científica foram aplicados - nos limites do possível
- ao material científico que vimos de examinar, forçoso será convir em que
minha abra já serve para demonstrar que o valor científico das revelações
transcendentais não mais deve ser posto em dúvida e, por conseguinte, que os
que continuarem a estudá-las ulteriormente farão trabalho altamente meritória e
útil. Trata-se, efetivamente, de um ramo da metapsíquica destinado a tornar-se
a mais importante de todos e a exercer enorme influência na futura orientação
da ciência, da filosofia, da sociologia e da moral.
Resulta dai que esta
obra de análise comparada autoriza a preconizar a aurora não distante de um
dia, em que se chegará a apresentar à humanidade pensante, que atualmente
caminha a tatear nas trevas, um quadro de conjunta, de caráter um tanto vago e
simbólico, mas verdadeiro em substância e cientificamente legítimo, das
modalidades da existência espiritual nas esferas mais próximas do nosso mundo,
esferas onde todos os vivos terão que se achar, depois da crise da morte. Isto
permitirá que a Humanidade se oriente com segurança para a solução dos grandes
problemas concernentes á verdadeira natureza da existência corpórea, dos fins
da vida, das bases da moral e dos deveres do homem. Estes deveres, na crise de
crescimento que a sociedade civilizada hoje atravessa, terão que decidir dos
seus destinos futuros. Quer isto dizer que os povos civilizados, se os
reconhecerem e cumprirem, se verãos encaminhados para uma meta cada vez mais
luminosa, de progresso social e espiritual; se os repelirem, ou desprezarem,
seguir-se-á necessariamente, para esses mesmos povos, a decadência, a fim de
cederem o lugar a outras raças menos corrompidas do que a raça ora dominante.
FIM
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