Powered By Blogger

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O Santo Desiludido

Inclinara-se a palestra, no lar humilde de Cafarnaum, para os assuntos
alusivos à devoção, quando o Mestre narrou com significativo tom de voz:
— Um venerado devoto retirouse,
em definitivo, para uma gruta isolada,
em plena floresta, a pretexto de servir a Deus. Ali vivia, entre orações e pensamentos
que julgava irrepreensíveis, e o povo, crendo tratar-se
de um santo messias, passou a
reverenciá-lo
com intraduzível respeito. Se alguém pretendia efetuar qualquer
negócio do mundo, dava-se
pressa em buscar-lhe
o parecer. Fascinado pela alheia
consideração, o crente, estagnado na adoração sem trabalho, supunha dever situar
toda gente em seu modo de ser, com a respeitável desculpa de conquistar o paraíso.
Se um homem ativo e de boa-fé
lhe trazia à apreciação algum plano de serviço
comercial, ponderava, escandalizado: “É um erro. Apague a sede de lucro que lhe
ferve nas veias. Isto é ambição criminosa. Venha orar e esquecer a cobiça”. Se esse
ou aquele jovem lhe rogava opinião sobre o casamento, clamava, aflito: “É
disparate. A carne está submetendo o seu espírito. Isto é luxúria. Venha orar e
consumir o pecado”. Quando um ou outro companheiro lhe implorava conselho
acerca de algum elevado encargo, na administração pública, exclamava,
compungido: “É um desastre. Afaste-se
da paixão pelo poder. Isto é vaidade e
orgulho. Venha orar e vencer os maus pensamentos”. Surgindo pessoa de bons
propósitos, reclamando-lhe
a opinião quanto a alguma festa de fraternidade em
projeto, objetava, irritadiço: “É uma calamidade. O júbilo do povo é desregramento.
Fuja à desordem. Venha orar subtraindo-se
à tentação”. E assim, cada consulente,
em vista da imensa autoridade que o santo desfrutava, se entristecia de maneira
irremediável e passava a partilhar-lhe
os ócios na soledade, em absoluta paralisia da
alma. O tempo, todavia, que todo transforma, trouxe ao preguiçoso adorador a morte
do corpo físico. Todos os seguidores dele o julgaram arrebatado ao Céu e ele mesmo
acreditou que, do sepulcro, seguiria direto ao paraíso. Com inexcedível assombro,
porém, foi conduzido por forças das trevas a terrível purgatório de assassinos. Em
pranto desesperado indagou, à vista de semelhante e inesperada aflição, dos motivos
que lhe haviam sitiado o espírito em tão pavoroso e infernal torvelinho, sendo
esclarecido que, se não fora homicida vulgar na Terra, era ali identificado como
matador da coragem e da esperança em centenas de irmãos em humanidade.
Silenciou Jesus, mas João, muito admirado, considerou:
— Mestre, jamais poderia supor que a devoção excessiva conduzisse
alguém a infortúnio tão grande!
O Cristo, porém, respondeu, imperturbável:
— Plantemos a crença e a confiança entre os homens, entendendo,
entretanto, que cada criatura tem o caminho que lhe é próprio. A fé sem obras é uma
lâmpada apagada. Nunca nos esqueçamos de que o ato de desanimar os outros, nas
santas aventuras do bem, é um dos maiores pecados diante do Poderoso e
Compassivo Senhor.

(Obra: Jesus No Lar - Chico Xavier/Neio Lúcio)

Nenhum comentário:

Postar um comentário