Divaldo Pereira Franco
Qual a importância da evangelização da criança no Centro
Espiríta?
Divaldo: Da mais alta relevância, se dissermos
que, quem instrui prepara para a vida, quem educa dá a vida, quem evangeliza
fomenta a vida. Este "evangeliza", entendamo-lo à luz do Espiritismo,
por ser a luz do Espiritismo que dá lógica e entendimento ao Evangelho. O Evangelho,
puro e simples, é ministrado por outras doutrinas cristãs, mas a reencarnação e
a comunicabilidade dos espíritos dão clareza e lógica, ao contrário de outras
doutrinas evangélicas, preparando a criança para uma vida saudável no seu
relacionamento futuro.
Não se pode conceber uma Casa Espírita na qual as novas gerações
não recebam a evangelização espírita, porque sem isto estaremos condenando o
futuro a uma grave tarefa curativa das chagas adquiridas no trânsito da
juventude para a razão. Portanto, é imprescindível a presença da atividade do Evangelho
à luz do Espiritismo, junto à criança e ao jovem.
O que dizer das aulas de evangelização em que predomina o
conhecimento do Evangelho sem conteúdo espírita?
Divaldo: Que é um trabalho muito respeitável, mas
não é um trabalho espírita. Para que o seja, é indispensável que se encontrem presentes
os postulados essenciais conforme estão exarados em O LIVRO DOS ESPÍRITOS de
Allan Kardec. Não podemos entender por que a criança e o jovem são capazes de compreender
o Evangelho e não o Espiritismo, quando têm idéia clara de eletrônica, de cibernética,
e de outras ciências muito mais complexas do que a Ciência Espírita, que é de fácil
assimilação. Os irmãos das igrejas reformadas, do Catolicismo, nas suas várias denominações,
lecionam também o Evangelho, que é muito bom na sua parte moral, mas que não
equaciona a problemática da existência humana, que somente pode ser entendida à
luz da reencarnação. Não equaciona a realidade da comunicabilidade dos
Espíritos, que somente através da mediunidade encontra parâmetros de lógica e
sustentação. Não elucida a problemática da pluralidade dos mundos habitados,
hoje reconhecidos por boa parte dos astrônomos e dos astrofísicos de toda a
Terra. E não resolve o problema do comportamento humano, porque libera ou escraviza
a consciência através dos dogmas, dos formalismos e das suas atitudes místicas.
É indispensável colocar a Doutrina Espírita no Evangelho, para
que a razão substitua a aceitação, e a lógica preencha o vazio do mitológico.
- Nunca é conveniente levar a criança a assistir reunião
espírita de natureza mediúnica...
Como fazer, sendo preparado para evangelizar e não se sentindo
seguro para o trabalho, já que no Centro Espírita é responsabilizado?
Divaldo: Todos nós
somos inseguros daquilo que fazemos, exceto as pessoas presunçosas.
A insegurança é um fenômeno natural, porque estamos sempre
aprendendo, defrontando experiências novas. É compreensível que aquele que se
inicia numa atividade encontre muitos conflitos na área que o desafia. A segurança
virá como resultado normal da experiência, que irá adquirir com o tempo. O
conhecimento teórico não equipa uma pessoa com a segurança que a faça enfrentar
as dificuldades naturais que lhe são desafio, com a mesma experiência daquele
que opera todos os dias. A melhor maneira de o fazer é começar.
Começa-se inseguro e, lentamente, vai-se adquirindo
confiança, que é resultado das experiências que se tornaram exitosas. Sem a experiência
pessoal ninguém tem segurança de como fazer, porque não se transmitem experiências.
Transmitem-se informações, que aplicadas nos levam à vivência dessas mesmas informações.
As crianças que estão sendo evangelizadas, de que maneira podem
os pais ajudá-las, a fim de que a evangelização continue no lar?
Divaldo: Aos pais compete à observação das tendências,
da natureza dos seus filhos para bem orientá-los e despertarem nos mesmos as qualidades
que se contrapõem aos defeitos.
Entretanto, isso deve ser feito quando os filhos são muito
pequenos, e é justamente quando os pais são mais inexperientes, menos maduros.
Então, quando vemos os resultados, o tempo já passou. Como
agir? Por mais imaturos que sejam os pais, há, entre eles e os filhos, o largo período
que já viveram. Nesse período, adquiriram as experiências das suas próprias vivências.
Há, em todo individuo, a tendência para o Bem, porque
somos lucigênitos. Esse heliotropismo divino nos leva sempre a discernir entre
o que é certo e o que é errado. Se, por acaso, por inexperiência, não
orientamos bem o filho na primeira infância, é sempre tempo de começar, porque
estamos sendo educados até a hora da própria desencarnação.
Os pais que não lograram encaminhar bem os seus filhos,
porque lhes faltava o equilíbrio do discernimento, quando se estava no período
da formação da personalidade, podem recomeçar em qualquer instante, de maneiras
suaves, perseverantes e otimistas através do exemplo e da vivência do amor.
Os pais podem ajudar a evangelização no lar, sobretudo
pela exemplificação. É a exemplificação a melhor metodologia para que se
inculquem as idéias que desejamos penetram naqueles que vivem conosco. Se examinarmos
Jesus, Ele disse muito menos do que viveu e viveu muito mais do que nos falou.
A mim me sensibiliza muito uma cena que parece culminante na vida do Cristo.
Quando Ele estava com Anás, o Sumo Sacerdote, que Lhe perguntou sobre Sua
doutrina, respondeu Jesus, que nada falara em oculto e que ele deveria
perguntar aos que O ouviram. Um soldado que estava ao lado do representante de
César agrediu esbofeteando-Lhe a face.
Para mim, este gesto é dos mais covardes: bater na face de um
homem atado. Então Jesus não reagiu. Agiu com absoluta serenidade.
Pacifista por excelência voltou-se para o agressor e lhe
perguntou: Soldado, por que me bateste?
Se errei, aponta-me o erro, mas, se eu disse a verdade, por que
me bateste? É uma lição viva, porque Ele poderia apelar ali para a justiça do
representante de César; poderia ter-se encolerizado; ter tido um gesto de
reação, mas Ele preferiu agir.
O lar é a escola do exemplo, onde lamentavelmente se vive
reagindo. Vive-se de reações em cadeia; raramente se pára para agir.
Uma criança era dotada de mediunidade vidente aflorada, quando
jovem perdeu-a por algum tempo. Após freqüentar grupos de jovens espíritas e
estudar a Doutrina é possível recuperar a sua vidência?
Divaldo: Sim e não. Na infância, as faculdades
psíquicas são muito aguçadas, porque o Espírito ainda não está totalmente
reencarnado.
O cérebro ainda não absorveu toda a percepção extra-sensorial.
Como há uma percepção mais aguçada que ainda não foi assimilada
pelos neurônios cerebrais, várias faculdades se manifestam, já que é o próprio
Espírito que vê, que ouve, que sente. À medida que ocorre o mergulho na indumentária
carnal, vão diminuindo as possibilidades parapsíquicas até que ficam relativamente
bloqueadas.
Mais tarde, a pessoa pode exercitá-las e, através do exercício,
poderá recuperar essas percepções de acordo com as conveniências que foram
estabelecidas pela lei de reencarnação para o progresso da própria criatura.
Há indivíduos que gostariam muito de ser médiuns videntes,
médiuns com um campo muito amplo, sem darem-se conta das graves responsabilidades
que disso decorrem, dos gravames, dos perigos e dos imensos testemunhos, que se
fazem necessários.
Os nossos Mentores Espirituais, quando coordenam a nossa
reencarnação, examinam em profundidade o que será melhor para a existência,
como o que será pior, estabelecendo aquilo que se possa ou não suportar.
Daí não é lícito forçar o desenvolvimento de aptidões, para as
quais, talvez, não se esteja moral e emocionalmente equipado para enfrentar as
conseqüências dessa decisão.
Como enfrentar o desafio da educação da criança carente? O que
nos aconselha no sentido de criarmos um trabalho com essas crianças de rua.
Gostaria de saber se a merenda é prejudicial quando colocada como prêmio aos
que freqüentam mais a evangelização?
Divaldo: A melhor maneira de enfrentar-se um desafio
é começá-lo. Chamar um cooperador, mais um e formar um grupo.
É provável que muitos aqui não conheçam a história da célebre
Universidade Mackenzie, de São Paulo.
Começou quando uma educadora americana notou, em São Paulo, na
rua em que morava, um grupo de crianças vadias. Ela, que preparava muito bem
broa de milho, pôs-se a atrair os meninos que ficavam à porta sentindo o
cheiro, e começou a dar-lhes o alimento doce. Depois, resolveu que somente
daria broas às crianças que viessem, no Domingo, pela manhã, para ouviram-na
falar do Evangelho de Jesus.
Depois que vieram vários por causa da broa, ela explicou, que só
participaria da reunião, para depois comer a broa, quem viesse tomado banho, de
cabelo penteado e pés calçados. Mais tarde, ela notou que poderia fazer algo
mais do que a broa. Teve a idéia de preparar um lanche mais substancial para
atrair mais meninos de rua.
Eles aumentaram de tal forma que chegavam à hora em que ela
estava na confecção do alimento.
Ocorreu-lhe estabelecer que, a partir da data X, somente teria
acesso à aula de Evangelho, para depois comer, quem soubesse ler e escrever.
E como eles não o sabiam, ela pôs uma mesa no fundo do quintal e
abriu uma escola de iniciação alfabética. Hoje é o Mackenzie, que tem uma bela
e longa história, inclusive, foi visitado por D. Pedro II que lhe fez uma expressiva
doação.
Uma americana, Mary Jane Mac Leod Bethune, começou a educar
crianças num depósito de lixo. A lei da segregação racial nos Estados Unidos
era muito severa contra os negros. Ela era negra, havia ganho uma bolsa de
estudos de uma costureira qualquer, e, ao se formar não tinha alunos. Quando
foi nomeada não havia escola. Ela então reuniu três caixões vazios de cebola,
colocou-os embaixo de uma árvore, num depósito de lixo, convocou três descendentes
de escravos e começou a ensinar-lhes a ler e escrever.
Oportunamente, quando Henry Ford foi a Osmond, uma praia da
Califórnia, ela foi visitá-lo.
Ao chegar à porta, foi barrada, porque, no hotel, negro não
podia entrar, somente na condição de serviço. Ela subiu a escadaria de incêndio
de nove andares, saltou a janela, tocou a campainha da porta, e, quando o
mordomo veio abri-la, disse-lhe: Quero falar com Mr.Ford.
O mordomo, que também era negro, respondeu: Mas ele não recebe
negros! E falou-lhe baixinho: Como você se atreve a vir aqui?
Ela reagiu bem alto: Eu tenho uma entrevista marcada com Mr.
Ford, que assinalei por telefone. Eu sou Mary Jane.
Ouvindo-a, Mr. Ford redargüiu: Entre, senhora.
Quando ela se adentrou, ele, que era humanitário e acreditava na
reencarnação, exclamou, surpreso:
Mas eu não sabia que a senhora era uma negra!
Ela sorriu, elucidando: Não totalmente. Eu duvido que o senhor
conheça dentes mais alvos e um olho mais branco do que o meu.
Ele a adorou, porque uma mulher que era superior a essas
mesquinharias humanas merecia respeito.
Perguntou-lhe:
O que a senhora deseja de mim? - Desejo que o senhor me ajude a
construir a minha escola, a ampliá-la. Gostaria de levá-lo ao meu terreno, a fim
de que o senhor construa comigo a escola dos meus sonhos. Ele aquiesceu. Desceu
com ela pelo elevador por onde não pudera subir.
Quando ela passou pela porta e o atendente a viu, ela ainda, só
para surpreender, pegou o braço de Mr.Ford, com a maior intimidade.
Sentou-se num carro coupé aberto, desfilando pela cidade de
Osmond e olhando para todo mundo. Isso há mais ou menos sessenta anos. Era
muita coragem!
Levou-o ao seu terreno. Quando chegou ao depósito de lixo,
disse-lhe:
É aqui, senhor, que eu quero construir a minha escola.
Ele, surpreso, retrucou:
- Aqui? E onde está sua escola?
Ela apontou:
-Ali.
- Senhora, ali é um depósito de lixo.
Eu sempre me esqueço dos detalhes! Em verdade a minha escola
está aqui na cabeça.
- Eu quero que, com o seu dinheiro, o senhor arranque daqui
(apontou a cabeça) e a coloque ali. Ele deu-lhe, então, vinte mil dólares.
Essa mulher educou, até o ano de 1969, milhões de negros
americanos. Tornou-se o símbolo da educadora mundial.
Quando o presidente Franklin Delano Roosevelt cancelou as
subvenções por causa da guerra, ela lhe pediu uma entrevista na Casa Branca, e disse-lhe:
O senhor não vai cortar as subvenções das minhas escolas.
Ele redargüiu:
A senhora não se esqueça que eu sou o presidente.
E ela reportou:
Nem o senhor esqueça que eu sou eleitora, e eu vou me lembrar.
Ela sentou-se. E a sua foi à única rede de escolas que não teve
as subvenções canceladas naquele período.
Certa feita, ela estava numa cidade do Sul, onde a intolerância
racial era muito grande e teve uma crise de apendicite. Foi levada de
emergência ao hospital e colocada na mesa cirúrgica.
Quando os médicos entraram e a viram, disseram: "Operar uma
negra?" E saíram da sala. Ela pôs a mão no lugar dorido, olhou para a
janela e orou: "O Senhor deve estar brincando comigo. Acho que o Senhor só
me deu essa apendicite para me desafiar. Porque se o Senhor me ajuda a sair
desta mesa, eu Lhe prometo que, na América, onde o Senhor me pôs na Terra, nunca
mais morrerá ninguém de apendicite pelo crime de ser negro, porque eu não
deixarei".
Levantou-se e ergueu uma Faculdade de Medicina. É uma das
histórias mais lindas do século, mas, infelizmente, desconhecida dos brasileiros.
Quando estourou a guerra da Coréia, ela já era um vulto
venerando no mundo. Foi conselheira da UNESCO e da ONU para assuntos raciais.
Outra vez, ela vinha atravessando o corredor para negros, no
aeroporto de uma cidade do Sul. Um rapaz branco saltou a cerca, abraçou-a e chamou-a
de mamãe. Então o colega reagiu: É louco? Como pode abraçar esta negra?
Ele explicou: É por causa desta negra que eu vou dar a minha
vida na Coréia. Quando eu fui convocado para a guerra, em um país que jamais eu
havia ouvido falar o nome, fui ao meu professor de geografia e perguntei: Onde
é que fica mesmo essa Coréia? Ele mostrou no mapa uma região miserável,
perdida, que eu não sei quem estava lá. E eu vou prá lá, porque me disseram que
eu vou salvar a democracia, que eu aprendi com esta negra, que ama a todos os
homens, sem perguntar o nome, a cor, a raça ou a crença.
Ela escreveu mais tarde: Eu poderia ter morrido naquele dia,
porque minha missão, na Terra, havia acabado.
Começamos, na Mansão do Caminho, onde temos duas mil e
quinhentas crianças, que têm o lanche garantido, mais ou menos, como narramos.
Um dia demo-nos conta que, na rua, havia muitos meninos que não estavam na escola,
e, por isso, não comiam.
Criamos, para eles, uma sopa, há três anos.
Vieram os meninos e suas mães. Depois de um ano estabelecemos
que só tomariam a sopa se viessem limpos. Como no bairro a dificuldade de água
é muito grande, passaram a tomar banho conosco. Se vêm descalços, damos alpercatas.
Se as perderem, não tomam a sopa.
Porque, o perder aqui, é vender. Saem com as alpercatas e
vendem-nas, a fim de ganharem novas no outro dia. Depois, só tomam a sopa se estudarem.
O interesse cresceu e hoje transformamo-la em almoço, pois já estão tendo aula
normal. Têm a merenda às dez horas e o almoço ao meio-dia. Começamos com vinte,
estamos com quase trezentos. Fazemos a evangelização, como introdução ao
trabalho da educação. Ao fim do ano, os que tiverem melhor aprendizado são
matriculados na 1a série da Escola Jesus Cristo. Este ano matriculamos quarenta
e seis e no próximo teremos o dobro.
Começamos, pois, sem maiores preocupações.
Iniciamos sob a copa de uma mangueira e sobre três caixas de
cebola, na rua Barão de Cotegipe, 124. Eu tinha lido, então, a vida de Mary
Jane.
Hoje estamos com duas mil e quinhentas crianças internas,
semi-internas e externas.
Pretendemos ainda aumentar o número, e, dentro de alguns dias,
inauguraremos uma escola de auxiliar de enfermagem, para, depois, uma escola de
magistério.
(segue)
“INFORMAÇÃO”:
REVISTA ESPÍRITA MENSAL - Fevereiro
Publicada pelo Grupo Espírita “Casa do Caminho” -
Rua
Souza Caldas, 343 - São Paulo (SP)
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