O homem é um ser complexo
que, ao nascer, traz consigo uma bagagem imensa, enriquecida por suas vivências
e experiências positivas, que constituem a somatória dos seus valores evolutivos,
mas também crivada de passagens menos felizes, traumáticas, difíceis de lidar. De qualquer forma, ele não é uma
tábula rasa, uma
folha em branco, como
pensavam alguns filósofos.
Apenas, ao reencarnar, esquece-se do passado, relega-o à instância do inconsciente,
e começa uma nova caminhada, como se do zero partisse, o que lhe dá maior liberdade
de ação.
Os problemas de antanho, todavia,
os da esfera psíquica, permanecem pendentes, pois não se resolvem com o “simples”
esquecimento nem com o iniciar uma nova experiência carnal.
Na verdade, somos herdeiros de nós mesmos, andarilhos
do tempo, arrastando as pesadas correntes dos nossos erros e insucessos, que vincam
cada nova existência na matéria.
Conquistamos a liberdade à custa de ingentes sacrifícios, mas ainda não sabemos
lidar com ela em toda a extensão de benefícios que nos oferece. Descobrimos o prazer e nos exasperamos por ver
escaparem as melhores oportunidades de experimentá-lo nobremente.
Amealhamos conhecimentos que
mais nos confundem e atemorizam quando não sabemos interpretar o significado dos
fatos mais comezinhos da existência. E
nossa fé esvazia-se diante do brilho das ilusões mundanas e dos vaticínios irracionais
de todos os tempos.
A encarnação é dada ao Espírito para o seu progresso
e crescimento; ninguém encarna para o mal, para o sofrimento, para a infelicidade,
para o castigo. Ela visa a conquista da
felicidade, que é mais descoberta do que aquisição. A encarnação
significa uma volta
à carne, à matéria,
com vistas à
superação de problemas, ascensão
moral e aprofundamento do processo de autodescoberta; mas,
acima de tudo,
para uma espiritualização, cada
vez maior, do ser.
Contudo, encarnados, acabamos por nos embrenharmos na selva selvaggia do
materialismo, da luta pelo ter e do culto do corpo, não bastassem nossos dramas
existenciais e conflitos pessoais, que, no mais das vezes ficam escamoteados
pela inocência da roupagem infantil.
O conflito é da natureza humana; nasceu no homem,
com o advento do livre-arbítrio, da
consciência de si mesmo, da memória
e da mediunidade,
e terá que ser
resolvido pelo homem,
o Espírito encarnado. Ninguém poderá atingir os escalões mais elevados
da vida cósmica enquanto não resolver seus conflitos - problemas criados pelo próprio
homem desde os primeiros degraus da escada evolutiva - porque os valores psicológicos
erguem-se das experiências humanas vividas anteriormente, em forma, principalmente,
de tendências e conflitos, que correm o risco de agravar-se com as possíveis feridas
e cicatrizes da infância, ainda tão comuns neste mundo de expiação e provas,
onde os pais, Espíritos igualmente em luta com os seus próprios desajustes e desafios,
na sua infância, nem sempre receberam a educação e os cuidados necessários.
Como bem assinala Joanna de Ângelis, “estes são
tormentosos dias de crises: morais, de valores, de consciências, de responsabilidades,
de emoções, de esperanças, de significados existenciais...” (O Amor Como
Solução, cap. 18). Os conflitos estão por
toda parte; no Oriente e no Ocidente, no hemisfério Norte e no Sul, em forma de
guerras, de convulsões sociais, de crises econômicas, de negligência no campo da
educação, de avanço no consumo de drogas, de banalização do sexo, de crimes contra
a vida (liberação da prática do aborto, prática da eutanásia, aumento dos casos
de suicídio no mundo) etc. Por isso, as crises mais gritantes são aquelas que
se desenrolam no campo íntimo do psiquismo de cada ser humano, vazio de realizações
interiores.
Então, os conflitos psicológicos têm origem nos
comportamentos mais aberrantes do homem, que despreza os valores inerentes à sua
natureza espiritual para ficar com as condutas desencadeadoras de ansiedades e
angústias, ligadas ao cultivo das ilusões do mundo em todas as épocas, gerando
uma herança pesada, que ressurge
sempre, enquanto necessidade de
corrigenda, apoiada sobre os
ombros de cada um de nós.
E se encarnamos para conquistar
a felicidade, ela é possível neste mundo mesmo, a despeito dos nossos conflitos,
pela prática do amor ao próximo e consequente construção da paz da consciência.
Manuel Portásio Filho é Advogado,
residente em Londres. É membro do
The Solidarity Spiritist Group, Londres-UK.-
Jornal de Estudos Psicológicos
Ano II N° 6 Setembro e Outubro 2009
The Spiritist Psychological Society
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