Manoel
Portásio Filho
Alguns milhares de anos nos separam do
momento do despertar da consciência e do livre-arbítrio, quando passamos a ter
uma noção mais clara acerca de nós mesmos e do mundo à nossa volta. Daí para a
frente, as conquistas se revelaram mais rápidas e dirigidas para as
necessidades básicas do homem no mundo. No entanto, somos ainda muito
imperfeitos e ignorantes. Disso resultam os nossos comportamentos mais caracteristicamente
humanos e entre eles, o apego, fruto da insegurança e do medo.
Devido ao desconhecimento do mundo
espiritual e da vida que o aguarda além da morte, o homem apega-se facilmente
às coisas do mundo material e às pessoas que o rodeiam. “O apego às coisas materiais
é um indício notório de inferioridade, pois quanto mais o homem se apega aos
bens deste mundo, menos compreende o seu destino.” (L. E., perg. 895). Apegamo-nos
a todas as coisas, tenham elas valor material ou afetivo.
Juntamos, em nossa casa,
coisas que dificilmente vamos utilizar algum dia; juntamos papéis, revistas e
livros que jamais vamos ler. Por serem acessíveis aos nossos sentidos, as
coisas deste mundo nos fascinam pela sua forma, cor ou simbolismo.
Mas, a espécie mais dolorosa de apego ainda
é aquela que nos liga a certas pessoas.
É verdade que há geralmente uma base afetiva nesses relacionamentos, mas
invariavelmente levamo-los às últimas consequências. Pensamos que determinadas
pessoas é que nos fazem felizes e, por isso, nos sentimos incapazes de viver
sem tê-las ao nosso lado. Então, imantamo-nos uns aos outros, mental e sentimentalmente,
chegando os casos extremos a serem identificados como verdadeiras obsessões. A partida da nossa “outra metade”, pela
separação ou pela morte, costuma se revelar insuportável. Daí para a loucura, depressão ou suicídio
medeia apenas um passo.
Em muitas culturas é comum o culto do
corpo. Achamo-nos, em muitos casos, extremamente
belos, verdadeiros clones de Narciso, e fazemos de tudo para manter essa beleza
ou aprimorá-la. Quando não sejam
suficientes os exercícios físicos, a malhação, recorremos ao bronzeamento.
Quando alguma coisa não seja
corrigida pelas vias regulares, recorremos à lipoaspiração, à lipo-sucção ou mesmo
à cirurgia plástica, na busca da fonte da eterna juventude. E os apelos da mídia ainda concorrem para reforçar
a nossa idéia de que o corpo é mais importante do que a alma, o que nos faz
gastar rios de dinheiro para torná-lo “sarado”.
A idéia não é nova e vem acompanhando o
homem desde pelo menos a Grécia Antiga, onde se criaram os ginásios para essa finalidade.
E na Roma dos Césares era natural dizer-se: mens sana in corpore sano. Kardec nos ensina, n'O Evangelho Segundo o
Espiritismo, cap. XVIII, n. 5, como é fácil transpor a porta larga que nos leva
ao cultivo das más Paixões. Jesus, na verdade, ensinou-nos a cuidar da alma mais
do que do corpo. Sua vida foi um exemplo
disso. E muitos dos seus ensinamentos
estavam voltados para a renúncia às coisas do mundo. Foi o caso da recomendação
ao jovem rico (Mt 19:16-24); da
necessidade de juntar tesouros no céu (Mt 6:19-21); e de um olhar para dentro de si mesmo, como
no caso de se prestar mais atenção ao que sai da boca, por exemplo.
Entretanto, renunciar não é uma coisa fácil
para o homem, no atual estágio evolutivo da humanidade terrestre. Renunciar
implica, muitas vezes, em lutar contra o nosso próprio orgulho, em declinar do
nosso grande egoísmo, em abrir mão da nossa evidente vaidade, para beneficiar
outrem.
Renunciar é sair de si mesmo
e caminhar na direção do outro.
Renunciar é deixar o outro
ser ele mesmo. Renunciar é encarar sofrimentos, dificuldades, sacrifícios, e
“todo sacrifício feito à custa da própria felicidade é um ato soberanamente
meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade”, conforme ensina
o Espírito da Verdade (L. E., perg. 951).
E ele também nos diz que “o mérito do bem está na dificuldade” (perg.
646). “Renúncia, quão poucos são capazes de entendê-la em sua sublimidade”, na
abençoada lição de Jerônimo Mendonça, em Nas Pegadas de um Anjo, pág. 38.
Manuel Portásio Filho é
Advogado, residente em Londres. É membro do The
Solidarity Spiritist Group, Londres-UK.
Jornal de Estudos Psicológicos
Ano II N° 5 Julho e
Agosto 2009
The Spiritist Psychological Society
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