Powered By Blogger

domingo, 13 de dezembro de 2015

Entre a Terra e o Céu_36_Corações renovados

Três dias haviam corrido sobre a libertação de Júlio.
De novo, ao lado de Zulmira, nas primeiras horas da noite, reparávamos lhe a profunda exaustão...
O enfraquecimento progressivo impusera lhe perigosa situação orgânica.
O próprio Clarêncio, depois de auscultá-la, anotou apreensivo
- Nossa irmã reclama socorro mais seguro. O esgotamento é quase completo.
A enferma recebia lhe a assistência magnética, quando Mário, Antonina e Haroldo deram entrada em sala próxima.
Deixamos nosso instrutor com a doente e demandamos a peça em que se efetuaria o encontro familiar.
O ferroviário e a filha faziam as honras da casa.
Amaro, acolhedor, dava mostras de grande alivio. O sorriso, embora triste, era largo e espontâneo, demonstrando o contentamento interior de quem via terminar velha e desagradável desavença.
Mário, porém, surgia constrangido e desajeitado, enquanto Antonina irradiava simpatia e bondade, cativando, de improviso, a amizade dos anfitriões.
O enfermeiro apresentou a jovem senhora e o filhinho por amigos particulares e depois, evidentemente instruído pela companheira, iniciou a palestra, comentando a penosa impressão que lhe causara o falecimento do pequenino e pedia escusas por não haver reaparecido, como reconhecia de seu dever.
A ocorrência desnorteara o.
Caíra de cama, impressionado com o acontecimento que lhe não cabia esperar.
Falava realmente comovido, porque, lembrando os derradeiros minutos da criança, represavam se lhe os olhos de lágrimas que não chegavam a cair.
Aquela emotividade manifesta, aliada à humildade sincera que Silva deixava transparecer, tocava o coração de Amaro, que se descerrou mais amplamente.
  Percebi disse o dono da casa  a dor que o envolveu no momento justo em que nosso anjinho era arrebatado pela morte. Sua aflição me comoveu muito, não só pelo devotamento do profissional que nos assistia, mas também pela afetividade pura do amigo que, há tanto tempo, se distanciara de nossos olhos.
A generosidade do ex-rival, por sua vez, influenciava o enfermeiro de modo decisivo.
As vibrações de afabilidade e carinho que se desprendiam do  apontamento afetuoso modificavam lhe o íntimo.
Mário passou a sentir balsamizante desafogo.
E, enquanto Evelina se afastava para atender à madrasta doente, reportou se à tortura moral que o assaltara, assim que viu Júlio inerte, detendo se na breve descrição do complexo de culpa que o acometera. Teria seguido com segurança a indicação do especialista?
Enganar se ia, porventura, na dosagem da medicação?
Na ligeira pausa que surgiu, natural, Amaro tornou à palavra, acrescentando, bondoso:
Não havia motivo para tamanha preocupação. Desde a primeira visita médica, compreendi que o nosso filhinho estava condenado. O soro foi o último recurso.
E, com dolorida resignação, acentuou:
Não é a primeira vez que atravesso uma provação dessa ordem. Há tempos, sofri a perda do caçula de meu primeiro matrimônio, estranhamente afogado numa de nossas raras excursões até à praia. Confesso que só me faltou enlouquecer. Entretanto, apeguei me à religião para não soçobrar e hoje compreendo que somente nos compete acatar os desígnios de Deus. Não passamos de criaturas necessitadas de socorro divino, a cada instante de nossa experiência humana.
Sem dúvida   interferiu Antonina, otimista  , sem apoio espiritual, não avançaríamos um passo no terreno da verdadeira harmonia íntima. A morte do corpo nem sempre é o pior que nos possa acontecer. Quantas vezes os pais são constrangidos a acompanhar a morte moral dos filhos, no crime ou na viciação que não conseguem interromper? Também perdi um dos rebentos que Deus me confiou, mas procurei acomodar-me à saudade sem revolta, porque a Sabedoria do Senhor não deve ser menosprezada.
Que prazer ouvi-Ia!   Disse o ferroviário, com discreta satisfação após afeiçoar-me, com mais empenho, ao Catolicismo, na leitura de Santo Agostinho, observo que abençoada renovação se fez em mim.
E fitando a interlocutora, com mais atenção, aduziu - A senhora é também católica?
Antonina sorriu delicada, e informou:
Não, senhor Amaro, em matéria de fé, aceito a interpretação evangélica do Espiritismo, entretanto, isso não impede que estejamos procurando o mesmo Mestre.
Ah! Sim, Jesus é o nosso porto acentuou o anfitrião, liberal, não entendo a religião por elemento separatista. A senhora, na condição de espírita, e eu, na posição de católico, possuímos uma só linguagem na fé que nos identifica. Creio que a Providência Divina, como o Sol, brilha para todos.
É muita alegria sentir lhe a nobreza d’alma comentou Antonina, entusiástica; na essência, desejamos ser cristãos sinceros e a sua generosidade me permite entrever a beleza do Cristo nas vidas nobres.
Amaro não conseguiu responder.
Um táxi parou à porta e, de imediato, o médico da família entrou para a inspeção.
Depois das saudações usuais, passou ao quarto da enferma e, porque o dono da casa se propusesse segui-lo, recomendou lhe permanecesse na sala com as visitas, de vez que tencionava submeter a doente a meticuloso exame, pretendendo ouvi Ia a sós.
Evelina veio ter conosco e, acompanhando o facultativo com o nosso olhar, vimo-lo carinhosamente recebido por Clarêncio e Odila, que se nos mostraram à porta.
A conversação passou a desdobrar se em torno de Zulmira.
O chefe da família, preocupado, discorria sobre a esposa acamada, encarecendo a delicadeza da situação.
Zulmira, que adoecera com a enfermidade do filhinho, desde a morte dele, não mais se alimentara.
Não obstante todos os conselhos médicos e todos os apelos afetivos, demonstrava se alheia, no mais amplo desinteresse pela vida.
Enfraquecia, de modo alarmante.
Como se quisesse dar notícias de seu círculo particular ao atento enfermeiro, relacionou os desajustes psíquicos da companheira, antes da vinda do filhinho que a morte lhes arrebatara ao convívio.
Zulmira, com a maternidade triunfante, como que se renovara.
Revelara se mais alegre mais viva.
Readquirira a saúde plena.
Com a desencarnação da criança, nova crise de contratempos invadira-lhe a casa.
A moléstia asilara se, ali, de novo, entre as quatro paredes.
Mário, a permutar significativos olhares com Antonina, de quando em quando se situava entre a perplexidade e o desencanto.
A confissão de Amaro constituía um testemunho de humildade pura.
Em muitas ocasiões, fantasiara o, na própria imaginação, qual se fora um poço de orgulho e arrogância e, por muitas vezes, surpreendera se em acalorados solilóquios, rixando com ele em pensamento.
Agora, reparava que o antagonista era um homem comum, tanto quanto ele necessitado de paz e compreensão.
O entendimento prosseguia mais afetuoso, quando o clínico tornou à sala.
De semblante torturado, dirigiu se ao ferroviário, notificando:
Amaro, a providência é quase impossível quando a previdência não funciona. A posição de Zulmira piorou muitíssimo nas últimas horas. O soro aplicado desde ontem não trouxe o resultado preciso. O abatimento é enorme. Creio indispensável uma transfusão de sangue ainda esta noite. Para que não sejamos amanhã surpreendidos por obstáculos insuperáveis.
Amaro empalideceu.
Antonina voltou se em silêncio para Silva, como a dizer lhe, de coração para coração:  - Não hesite. E a sua hora de ajudar. Aproveite a oportunidade. - Mário, acanhado, levantou se maquinalmente e, antes que Amaro fizesse qualquer referência ao assunto, apresentou se ao médico, explicando:
Doutor, se a minha cooperação for aceita, sentirei prazer nisso. Sou doador de sangue no hospital em que trabalho. Um telefonema seu ao pediatra amigo, a quem o senhor recorreu no caso de Júlio, pode confirmar as minhas palavras.
E, erguendo os olhos para o ex rival, disse, em voz quase suplicante:
Amaro permita-me! Quero auxiliar a doente de algum modo!... Afinal de contas, somos todos, agora, bons irmãos.
O chefe da casa, comovido, abraçou o reconhecidamente.
Obrigado, Silva!
Nada mais conseguiu dizer.
De olhos angustiados, dirigiu se para o aposento da mulher, envolvendo a em manifestações de carinho.
Antonina, colocando Haroldo junto a uma pilha de revistas velhas, pôs se à disposição de Evelina para qualquer atividade caseira, enquanto Mário e o médico partiam velozes, em busca do material necessário.
Transcorrida uma hora, a câmara da enferma se iluminava mais intensamente para o serviço a fazer.
Zulmira, admirada, reconheceu Mário, todavia era enorme a prostração para que pudesse demonstrar interesse ou desprazer. Apresentada a Antonina, limitou se a endereçar lhe alguns monossílabos, com um breve sorriso de reconhecimento.
Assumindo a direção da enfermagem, a jovem viúva parecia uma figura providencial.
Amparou a doente com carinho, auxiliou o clinico nas tarefas do momento e, cativando a gratidão dos novos amigos, colaborou com Evelina para que todas as medidas alusivas à higiene se efetuassem harmoniosas.
Realizada a transfusão, a enferma entrou na reação característica, contudo, Silva, fosse porque estivesse de si mesmo enfraquecido ou porque a quantidade de sangue tivesse sido demasiada, passou a acusar profundo abatimento.
Em seus olhos, porém, brilhava uma luz diferente.
Afigurava se lhe haver perdido as inquietações que o martirizavam.
Adquirira a noção de que se reabilitara, perante a própria consciência.
Trouxera aos ex-adversários o próprio coração em forma de visita fraterna. E as suas próprias forças insufladas no campo orgânico da mulher que lhe fora a bem amada, como que lhe favoreciam a ausência dos velhos pensamentos de mágoa que, por tanto tempo, lhe haviam flagelado a vida íntima.
Registrando lhe a queda de energias, o médico ministrou lhe, de imediato, os recursos aconselháveis, permanecendo Mário, desse modo, comodamente instalado em larga poltrona, junto dos amigos.
Despediu se o facultativo, mais animado.
Antonina, sem afetação, ajudou no preparo do café, que foi saboreado por todos, enquanto a conversação era reatada com alegria.
Foi então que a viúva se ofereceu para voltar.
Era industriária e, na posição de mãe, responsabilizava se por três crianças, entretanto, poderia dispor de dois dias.
Amaro salientou a dificuldade para encontrar uma enfermeira ou governanta para horas difíceis e aceitou a gentileza.
Antonina, contente, prometeu regressar, trazendo Lisbela, na manhã seguinte. Estava convencida de que a menina conseguiria entreter Zulmira, com as suas infantilidades, mitigando lhe o coração saudoso de mãe.
Evelina abraçou a, encantada. Simpatizara se com Antonina, como se fossem duas irmãs.
Algo reanimado e positivamente feliz, Mário dispôs se à retirada e um táxi foi trazido.
Num ambiente de construtiva cordialidade, desenvolveu se a reconfortante despedida.
E Silva, fitando a companheira de excursão com reconhecimento e carinho, sentiu se reconciliado consigo mesmo, irradiando a alegria silenciosa de quem retorna à felicidade.

Questões para estudo:

1) No trecho: - Entretanto, apeguei-me à religião para não soçobrar e hoje compreendo que somente nos compete acatar os desígnios de Deus -, podemos dissertar sobre o caráter de _Consolador Prometido_ do Espiritismo. De que forma você acha que o Espiritismo consola?

2) Comente o trecho: _A morte do corpo nem sempre é o pior que nos possa acontecer._.

3) No trecho _- Ah! Sim, Jesus é o nosso porto _ acentuou o anfitrião liberal -, não entendo a religião por elemento separatista, subentende-se o verdadeiro da caráter de ser religioso.
a. Como devemos agir perante outras religiões diferentes da nossa?
b. Em nosso atual estágio evolutivo as diversas religiões são necessárias. Você concorda? Por que?
c. Essa diversidade de religiões será eterna? Por que?

4) Apesar da morte do filho, Zulmira se entregou à doença de forma intensa. Como poderia ter agido para não se afetar tanto?

5) Toda a _tortura moral_ de Mário impeliu-o a se retratar de alguma forma, fazendo com que _se rompesse_ elos do carma, herdados no pretérito. De que forma devemos agir perante aqueles que prejudicamos (inimigos ou não) para que possamos nos ver livres das _amarras do carma_ ?

Conclusão:

1) No trecho: "Entretanto, apeguei-me à religião para não soçobrar e hoje compreendo que somente nos compete acatar os desígnios de Deus", podemos dissertar sobre o caráter de Consolador Prometido do Espiritismo. De que forma você acha que o Espiritismo consola?
Conforme o relato do evangelista João, Jesus, em sua passagem pela carne, prometeu um outro consolador,  que  viria ensinar todas as coisas e relembrar o que o Cristo havia dito. Assim, o Espiritismo veio na época predita, cumprindo a promessa de Jesus, que presidiu pessoalmente a sua revelação. Consola porque esclarece. Mostra a causa e o objetivo dos sofrimentos. Através de seus ensinamentos, o homem compreende a dor e a aceita sem revolta, porque sabe que ela lhe auxiliará em seu adiantamento. O Espiritismo lhe dá a fé raciocinada, inabalável e a certeza da felicidade futura.
Como define Kardec, no capítulo VI de "O Evangelho segundo o Espiritismo":
"Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança."

2) Comente o trecho: "A morte do corpo nem sempre é o pior que nos possa acontecer."
Antonina tentava confortar Amaro, reafirmando-lhe o ensinamento espírita sobre o fenômeno da morte do corpo  físico.
Como afirmou, mesmo sob a ótica puramente terrena, há situações em que o sofrimento por elas gerados é bem mais penoso do que o causado pela morte física: é quando um pai testemunha a morte moral de um filho, através do crime ou da viciação. A morte física é uma circunstância natural e, cientes de que a Sabedoria Divina é muito maior que a nossa, temos de aceitá-la como sendo uma necessidade para o espírito desencarnante.

3) No trecho "- Ah! sim, Jesus é o nosso porto, acentuou o anfitrião liberal, não entendo a religião por elemento separatista", subentende-se o verdadeiro da caráter de ser religioso."

a. Como devemos agir perante outras religiões diferentes da nossa?
Ë preciso que entendamos que cada um se encontra num momento evolutivo diferente. As várias religiões existentes se fundam em interpretações diferentes da nossa realidade existencial, conforme o grau evolutivo de seus formuladores. É, indispensável, portanto, que aceitemos a capacidade de entendimento de cada um. Os fundamentalismos,  hoje  ainda vivos em todo o mundo, devem ser repelidos pelos homens de bem, respeitando-se o direito à liberdade de  opção  e  à convivência fraterna e civilizada entre os profitentes de todos os credos ou os que não professam credo algum.

b. Em nosso atual estágio evolutivo, as diversas religiões são necessárias. Você concorda? Por quê?
Não diríamos necessárias, mas compreensíveis. As religiões mais separam do que agregam; mais dividem do que unem. No entanto, temos de aceitá-las, ante o momento evolutivo em que nos encontramos. O homem  ainda  precisa temer alguma coisa, como forma de impor algum limite ao seu orgulho e ao seu egoísmo. Dia virá, porém, em que a previsão de Jesus se cumprirá e haverá um só rebanho e um só pastor. O Espiritismo, demonstrando  a  realidade  da nossa existência, dá-nos a consciência de que somos os únicos responsáveis pelo nosso futuro  e  dispensa-nos  da prática de religiões formais. Segundo os Espíritos responderam a Kardec, tornar-se-á crença geral e marcará uma nova era na história da humanidade, porque está na sua natureza.

c. Essa diversidade de religiões será eterna? Por quê?
Como dissemos, Jesus previu um só rebanho e um só pastor e o Espiritismo se tornará crença geral. Isso não significa, contudo, que absorverá todas as religiões formais. Seus princípios é que serão absorvidos pelas religiões  e  estas perderão o seu poder divisionista. Mas isso somente será possível quando a humanidade estiver moralizada, praticando o ensinamento moral do Cristo em toda a sua plenitude. Esse ensinamento é um só. Porém, é interpretado de múltiplas maneiras e, até, rejeitado por outros. Quando todos tiverem atingido a qualidade de puros espíritos, os homens entenderão os ensinos do Cristo de uma mesma maneira e não mais haverá divergências religiosas.

4) Apesar da morte do filho, Zulmira se entregou à doença de forma intensa. Como poderia ter agido para não se afetar tanto?
Zulmira poderia ter reagido de forma diferente, aceitando os desígnios da Providência. Porém, não tinha compreensão das leis naturais e não aceitou o fato como uma necessidade evolutiva de todos. Deixando-se dominar por sentimentos malsãos, seu perispírito foi lesionado e as energias negativas emanadas por esses sentimentos somatizadas em seu corpo físico, levando-a à enfermidade.

5) Toda a "tortura moral" de Mário impeliu-o a se retratar de alguma forma, fazendo com  que  se  rompessem  elos  do carma, herdados no pretérito. De que forma devemos agir perante aqueles que prejudicamos (inimigos ou não) para que possamos nos ver livres das amarras do carma?
"Tendo antes de tudo ardente amor uns para com os outros, porque o amor cobre uma multidão de pecados; sendo hospitaleiros uns para com os outros, sem murmuração; servindo uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus."

(I Pedro, 4. 8-10)

Nenhum comentário:

Postar um comentário