Powered By Blogger

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A SOLIDÃO DE UM RECÉM-DESENCARNADO

Capítulo III
 A SOLIDÃO DE UM RECÉM-DESENCARNADO

Antes de chegarmos à "estação da morte", já ouvíamos os gritos da mãe, dos avós, dos tios, dos amigos. Todos estavam desesperados. Rogério, naquela madrugada, havia-se excedido com um coquetel de tóxicos.
Fizera a mais estranha mistura e rindo, muito alegre, julgara que o jovem corpo tivesse condição de tudo agüentar, não sabendo que a indumentária física é santuário do espírito.
Desde que esta não é respeitada, inicia-se a sua decadência. Fomos chegando, devagar. Olhei aquele adolescente que na mesa da capela era um personagem solitário, por estar só com a sua consciência, pois esta, atribulada, não lhe dava sossego.
Enrico saiu para buscar um dos encarregados da prece, tentando fazer alguém orar. O irmão nos relatou que já se encontrava cansado de tentar intuir alguém à prece, mas ninguém captava os seus pensamentos. Enquanto isso, o espírito do nosso amigo se debatia, num estado desesperador.
O suicídio por overdose é terrível e, ali, diante de muitas pessoas, um espírito sofria por demais, solitariamente.
A mãe, sob altas doses de medicamentos, encontrava-se adormecida; o pai não acreditava que seu único filho tinha deixado de existir. Os familiares gritavam, não suportando a dor.
Enquanto isso, várias pessoas, que compareceram apenas para cumprir uma obrigação social, sorriam e com voz baixa, para a família não ouvir, contavam a vida de Rogério:
"eu sabia que esse menino iria ter esse fim. Drogava-se, bebia desde os doze anos, e os pais só lhe faziam o gosto. Ele mandava e desmandava em todos, era o filhinho do papai, dos avós, dos tios".
Assim, ouvindo os comentários maledicentes sobre aquela família que agora sofria, pudemos constatar que poucos vão a um cemitério por amor e respeito ao desencarnante.
A obrigação social é que leva a fatos como este. O certo era que todos fossem contagiados pela dor da família.
Pena que isso não aconteça, porque ouvimos até o comentário mais banal: olhe só o vestido da fulana, será que ela pensou que isto fosse um baile?
A outra: baile à fantasia?
Outro dizia: não acha que o pai está chorando pouco?
Sabe quem é aquele senhor?
Sei, o político tal.
Enrico passeava entre as pessoas, buscando despertar um coração piedoso, mas, pelo que vimos, aquela família rica e poderosa tinha poucos amigos verdadeiros, porque muitos dos que ali se encontravam não podiam ser chamados de amigos.
Aproximamo-nos da família enlutada, mas todos eles estavam quase dopados. Haviam tomado comprimidos e não estavam em condição de doar fluidos de amor para o desencarnado.
Um grupo espiritual de oração, que trabalha nos cemitérios, tentava ajudar Rogério, mas até pessoas fazendo negócios havia.
Era uma boa ocasião, porque antigos amigos ali se reencontravam. Observei as imensas coroas de flores, as velas que queimavam, o caixão luxuoso, e pensei: de que vale tudo isso, se o Senhor não está presente no coração das criaturas!
Mas, mesmo assim, esforçávamo-nos para auxiliar Rogério. Voltei a fitá-lo: o jovem de ontem, rico, com roupas caras, carro importado, enfim, dono do conforto, ali jazia, lutando para compreender a "morte".
E isso é fato real na vida de todos os encarnados.
Rogério sofria, era um suicida inconsciente, mas, por mercê de Deus, aqueles que os "vivos" julgam mortos lá estavam para ajudá-lo.
Mas ele queria muito ser socorrido, ansiava pela luz do esclarecimento para que pudesse voar, e voar para bem longe dali. Nisso, entrou o sacerdote da religião daquela família.
Oramos juntos. Uma brisa beijou os cabelos de Rogério e ele pareceu ter encontrado um pouco de paz.
Abracei Enrico e chorei muito, penalizado pela situação de Rogério.
Mesmo aqueles que conduziam o corpo de Rogério longe se encontravam da hora do adeus. Um falava mal do jovem; outro, da riqueza da família; outro ainda, da beleza e da elegância da mãe.
Mas ele, o espírito, parecia-me estar tentando salvar-se entre as bravias ondas da "morte". No cemitério, na alameda dos chamados "mortos", a brisa soprava baixinho, as campas estavam floridas, os pássaros cantavam, enfim, era um lugar bonito, mas imantado de dor e de saudade.
Muitos túmulos floridos escondiam corpos, cujos espíritos ainda se debatiam junto a eles.
- Por que, Enrico, existe tanta vaidade e tanto orgulho no coração dos homens, mesmo sabendo que um dia terão de devolver à terra o que a ela pertence? Não seria mais fácil viverem com o Cristo?
 - Luiz, a Terra atingiu hoje um nível tal de tecnologia que o conforto inebriou os encarnados e estes, escravos dele, esquecem de buscar as coisas do espírito.
- Enrico, os templos religiosos estão aí, esperando por todos, e por que eles relutam em curar suas almas?
 - O erro inicia-se no lar, onde os pais procuram dar conforto para os filhos, mas poucos lhes apresentam o Cristo. As maiores vítimas são os jovens: no trânsito, nos vícios, na luxúria, são eles que se matam dizendo estar aproveitando a vida.  
E Rogério, o que será dele?
- Será atendido, mas só ficará no hospital se assim o desejar. Sabemos que muitos, mesmo depois de assistidos, fogem em busca dos antigos companheiros encarnados e desencarnados.
Do tóxico, não é fácil livrar-se. O homem deve lutar para que ele não lhe mate a dignidade.
 - Enrico, o que me diz da liberação das drogas leves?
 - É o mesmo que liberar a eutanásia e o assassinato, só muda a anua. O dano causado ao espírito é o mesmo, seja da DP ou da dita droga leve. Há pessoas que consomem heroína, cocaína e vivem por longos anos e outras na primeira dose já desencarnam. Cada organismo reage de uma forma, mas quem tem autoridade para dizer que as drogas ditas livres, tais como o álcool, o cigarro, não causam danos? Acho que isso é conversa de traficante ou de dependente. É de se lastimar que em um país de famintos uma autoridade se preocupe tanto em liberar a maconha, com tanta coisa importante para fazer em benefício da sociedade. Ali ficamos no jardim do adeus. (2) 

 NE - Droga Pesada
  

Luiz Sergio - Irene P Machado - Na Hora Do Adeus

Nenhum comentário:

Postar um comentário