Capítulo III
A SOLIDÃO DE UM RECÉM-DESENCARNADO
Antes de chegarmos à
"estação da morte", já ouvíamos os gritos da mãe, dos avós, dos tios,
dos amigos. Todos estavam desesperados. Rogério, naquela madrugada, havia-se
excedido com um coquetel de tóxicos.
Fizera a mais estranha mistura e
rindo, muito alegre, julgara que o jovem corpo tivesse condição de tudo
agüentar, não sabendo que a indumentária física é santuário do espírito.
Desde que esta não é respeitada,
inicia-se a sua decadência. Fomos chegando, devagar. Olhei aquele adolescente
que na mesa da capela era um personagem solitário, por estar só com a sua
consciência, pois esta, atribulada, não lhe dava sossego.
Enrico saiu para buscar um dos
encarregados da prece, tentando fazer alguém orar. O irmão nos relatou que já
se encontrava cansado de tentar intuir alguém à prece, mas ninguém captava os
seus pensamentos. Enquanto isso, o espírito do nosso amigo se debatia, num
estado desesperador.
O suicídio por overdose é
terrível e, ali, diante de muitas pessoas, um espírito sofria por demais,
solitariamente.
A mãe, sob altas doses de
medicamentos, encontrava-se adormecida; o pai não acreditava que seu único
filho tinha deixado de existir. Os familiares gritavam, não suportando a dor.
Enquanto isso, várias pessoas,
que compareceram apenas para cumprir uma obrigação social, sorriam e com voz
baixa, para a família não ouvir, contavam a vida de Rogério:
"eu sabia que esse menino
iria ter esse fim. Drogava-se, bebia desde os doze anos, e os pais só lhe
faziam o gosto. Ele mandava e desmandava em todos, era o filhinho do papai, dos
avós, dos tios".
Assim, ouvindo os comentários
maledicentes sobre aquela família que agora sofria, pudemos constatar que
poucos vão a um cemitério por amor e respeito ao desencarnante.
A obrigação social é que leva a
fatos como este. O certo era que todos fossem contagiados pela dor da família.
Pena que isso não aconteça,
porque ouvimos até o comentário mais banal: olhe só o vestido da fulana, será
que ela pensou que isto fosse um baile?
A outra: baile à fantasia?
Outro dizia: não acha que o pai
está chorando pouco?
Sabe quem é aquele senhor?
Sei, o político tal.
Enrico passeava entre as pessoas,
buscando despertar um coração piedoso, mas, pelo que vimos, aquela família rica
e poderosa tinha poucos amigos verdadeiros, porque muitos dos que ali se
encontravam não podiam ser chamados de amigos.
Aproximamo-nos da família
enlutada, mas todos eles estavam quase dopados. Haviam tomado comprimidos e não
estavam em condição de doar fluidos de amor para o desencarnado.
Um grupo espiritual de oração,
que trabalha nos cemitérios, tentava ajudar Rogério, mas até pessoas fazendo
negócios havia.
Era uma boa ocasião, porque
antigos amigos ali se reencontravam. Observei as imensas coroas de flores, as
velas que queimavam, o caixão luxuoso, e pensei: de que vale tudo isso, se o
Senhor não está presente no coração das criaturas!
Mas, mesmo assim, esforçávamo-nos
para auxiliar Rogério. Voltei a fitá-lo: o jovem de ontem, rico, com roupas
caras, carro importado, enfim, dono do conforto, ali jazia, lutando para
compreender a "morte".
E isso é fato real na vida de
todos os encarnados.
Rogério sofria, era um suicida
inconsciente, mas, por mercê de Deus, aqueles que os "vivos" julgam
mortos lá estavam para ajudá-lo.
Mas ele queria muito ser
socorrido, ansiava pela luz do esclarecimento para que pudesse voar, e voar
para bem longe dali. Nisso, entrou o sacerdote da religião daquela família.
Oramos juntos. Uma brisa beijou
os cabelos de Rogério e ele pareceu ter encontrado um pouco de paz.
Abracei Enrico e chorei muito,
penalizado pela situação de Rogério.
Mesmo aqueles que conduziam o
corpo de Rogério longe se encontravam da hora do adeus. Um falava mal do jovem;
outro, da riqueza da família; outro ainda, da beleza e da elegância da mãe.
Mas ele, o espírito, parecia-me
estar tentando salvar-se entre as bravias ondas da "morte". No
cemitério, na alameda dos chamados "mortos", a brisa soprava
baixinho, as campas estavam floridas, os pássaros cantavam, enfim, era um lugar
bonito, mas imantado de dor e de saudade.
Muitos túmulos floridos escondiam
corpos, cujos espíritos ainda se debatiam junto a eles.
- Por que, Enrico, existe tanta
vaidade e tanto orgulho no coração dos homens, mesmo sabendo que um dia terão
de devolver à terra o que a ela pertence? Não seria mais fácil viverem com o
Cristo?
- Luiz, a Terra atingiu hoje um nível tal de
tecnologia que o conforto inebriou os encarnados e estes, escravos dele,
esquecem de buscar as coisas do espírito.
- Enrico, os templos religiosos
estão aí, esperando por todos, e por que eles relutam em curar suas almas?
- O erro inicia-se no lar, onde os pais
procuram dar conforto para os filhos, mas poucos lhes apresentam o Cristo. As
maiores vítimas são os jovens: no trânsito, nos vícios, na luxúria, são eles
que se matam dizendo estar aproveitando a vida.
E Rogério, o que será dele?
- Será atendido, mas só ficará no
hospital se assim o desejar. Sabemos que muitos, mesmo depois de assistidos,
fogem em busca dos antigos companheiros encarnados e desencarnados.
Do tóxico, não é fácil livrar-se.
O homem deve lutar para que ele não lhe mate a dignidade.
- Enrico, o que me diz da liberação das drogas
leves?
- É o mesmo que liberar a eutanásia e o
assassinato, só muda a anua. O dano causado ao espírito é o mesmo, seja da DP
ou da dita droga leve. Há pessoas que consomem heroína, cocaína e vivem por
longos anos e outras na primeira dose já desencarnam. Cada organismo reage de
uma forma, mas quem tem autoridade para dizer que as drogas ditas livres, tais
como o álcool, o cigarro, não causam danos? Acho que isso é conversa de
traficante ou de dependente. É de se lastimar que em um país de famintos uma
autoridade se preocupe tanto em liberar a maconha, com tanta coisa importante
para fazer em benefício da sociedade. Ali ficamos no jardim do adeus. (2)
NE - Droga Pesada
Luiz Sergio - Irene P Machado -
Na Hora Do Adeus
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