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quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Céu e o Inferno ESTUDO 71

Allan Kardec

Nesta obra Allan Kardec reafirma o caráter científico do Espiritismo e avalia como ciência de observação, a nova doutrina, enfrentando o problema das penas e recompensas futuras à luz da História, estabelecendo comparações entre as idealizações do céu e do inferno nas religiões anteriores e nas religiões cristãs, revelando as raízes históricas, antropológicas, sociológicas e psicológicas dessas idealizações na formulação dos dogmas cristãos

CAPÍTULO VIII EXPIAÇÕES TERRESTRES

MARCEL, o menino do nº 4 (continuação)

P.- Pelo que afirmais, parece que os vossos sofrimentos não eram expiação de
faltas anteriores...

R. - Não seria uma expiação direta, mas asseguro-vos que todo sofrimento tem uma
causa justa. Aquele a quem conhecestes tão míseros foi belo, grande, rico e adulado. Eu tivera turiferários e cortesãos, fora fútil e orgulhoso. Anteriormente fui bem culpado reneguei Deus, prejudiquei meu semelhante, mas expiei cruelmente, primeiro no mundo espiritual e depois na Terra. Os meus sofrimentos, de alguns anos apenas, nesta última encarnação, suportei-os eu anteriormente por toda uma existência que ralou pela extrema velhice. Por meu arrependimento reconquistei a graça do Senhor, o qual me confiou muitas missões, inclusive a última, que bem conheceis. E fui eu quem as solicitou, para terminar a minha depuração. Adeus, amigos; tornarei algumas vezes. A minha missão é de consolar, e não de instruir. Há, porém, aqui muitas pessoas cujas feridas jazem ocultas, e essas terão prazer com a minha presença.
Marcel...(1)

O vocábulo expiação, (do latim, expiatione), tem como significado o ato ou efeito de expiar.

Nos dicionários expiar significa: punição divina, arrependimento, remorso de haver ofendido a Deus, castigo infligido por alguma falta ou castigo impingido ao pecador. Pecado designa todas as transgressões de uma Lei ou de princípios religiosos, éticos ou normas morais.

Na maioria das religiões o pecado é a desobediência à vontade de Deus ou as suas Leis. No Judaísmo a violação de um mandamento divino é considerada como um pecado (2), assim como o Islam vê o pecado (“khati’a”) como algo que vai contra a vontade de Alá (Deus) (3).

Entretanto em outras religiões como no Budismo e no Hinduísmo o pecado é mais um engano do que uma transgressão contra a natureza do Deus onipotente. O budismo, por exemplo, ensina que o pecado é um ato e não um estado de ser e no hinduísmo o termo pecado papa (em sânscrito) é freqüentemente usada para descrever as ações que criam carma negativo por violar códigos de ética e moral (4) (5)

Nas religiões cristãs tanto o(s) pecado(s) como sua expiação diferem. Na doutrina católica por exemplo, o pecado é distinguido em 3 categorias:

O pecado original, que é transmitido a todos os homens, sem culpa própria, devido à sua origem, que é Adão e Eva

O pecado mortal, que é cometido "quando, ao mesmo tempo, há matéria grave, plena consciência e deliberado consentimento

E o pecado venial, "que difere essencialmente do pecado mortal, comete-se quando se trata de matéria leve, ou mesmo grave, mas sem pleno conhecimento ou sem total consentimento” (6)

Na perspectiva Protestante e dos diferentes ramos Evangélicos, os pecados não são classificados como venial, mortal ou capital e, expiação tem sentido mais genérico e significa “pagamento dos pecados” ou “remissão da culpa, pela aplicação da pena”. Segundo esta perspectiva não existe pecado pequeno ou grande, o pecado nada mais é do que a transgressão aos mandamentos de Deus, por exemplo, a transgressão de qualquer um dos dez mandamentos apresentados nas tábuas das leis de Moises é classificado como um pecado. Assim, quando uma criatura transgride a Lei, esta suscita a ira de Deus, a qual só pode ser aplacada com o pagamento do salário do pecado, que é a expiação. (7) No Antigo Testamento, a doutrina da expiação é um conceito de justiça e misericórdia baseado no arranjo figurativo do sacrifício de animais. O sangue de um animal era derramado no altar como "resgate" dos pecados cometidos de natureza menor da Lei de Deus, este sacrifício,historicamente era derivado dos cultos pagãos onde cordeiros eram sacrificados aos seus diferentes deuses No Novo Testamento o cordeiro sacrificado foi Jesus Cristo, o filho de Deus, que morreu e ressuscitou para salvar a humanidade do pecado(8) por isso em algumas religiões ele é denominado de Cordeiro de Deus.(9)


Segundo Willian Shedd (9) algumas Teorias da Expiação podem apresentar uma luz aos diferentes posicionamentos frente a expiação dos pecados nas diferentes religiões cristãs.

1ª. Teoria do resgate pago a Satanás – sustentada por Orígenes, teólogo de Alexandria: afirmava que Cristo pagou o resgate a Satanás, em cujo reino se encontravam todas as pessoas devido ao pecado.

2ª. Teoria da influência moral – defendida por Abelardo, teólogo francês: sustenta que a morte de Cristo foi apenas um exemplo de como Deus ama o homem e não o pagamento de uma exigência. Esta demonstração de amor nos leva à gratidão e ao amor e, portanto, ao arrependimento e à fé.


3ª. Teoria da Satisfação – proposta por Anselmo: diz que o pecado ofende a honra de Deus, o que exige satisfação. Como os homens, não poderiam pagar uma dívida tão grande e somente Deus poderia pagar este preço e como eram os homens os devedores, somente um Deus-homem (Cristo) poderia dar uma satisfação plena

4ª. Teoria Governamental – proposta por Hugo Grotius, teólogo holandês: sustenta que Deus não tinha realmente que exigir pagamento pelo pecado, mas para mostrar que Ele é o Legislador do Universo e quando uma de Suas leis é quebrada uma pena terá que ser paga. Assim, Cristo não paga a pena por nossos pecados, mas apenas cumpre a lei divina.


5ª. Teoria da Substituição Penal – declara que Cristo suportou em nosso lugar a total penalidade que deveríamos pagar. Ele morreu não somente em nosso benefício, mas em nosso lugar. Cristo identifica-se com a raça humana, tornando-se igual a nós, mas sem pecado.

A 5ª. Teoria seria a base da expiação da maioria das religiões cristãs protestantes e alguma evangélicas, onde a aceitação de Cristo como Salvador libertaria o homem da condição de devedor a Deus visto que este segmento não crê em purgatório, mas sim no Juízo final(10). Já a doutrina católica considera a expiação segundo o pecado cometido. Assim no pecado venial por exemplo impede o progresso da alma no exercício das virtudes e na prática do bem moral; merece penas purificatórias temporais", nomeadamente no Purgatório(11) já o pecado original, pelo qual Cristo morreu na cruz e´ perdoado pelo sacramento do Batismo (6). A linha que une a maioria das religiões cristãs entretanto não é o pecado ou a expiação deste , mas sim uma visão muito humanizada de Deus, cruel e vingativo, e como um pai autoritário e rigoroso castiga seus filhos. A esse respeito comenta Allan Kardec (12).

...”Impotente para compreender a essência mesma da Divindade, o homem não pode fazer dela mais do que uma idéia aproximativa, mediante comparações necessariamente muito imperfeitas, mas que, ao menos, servem para lhe mostrar a possibilidade daquilo que, à primeira vista, lhe parece impossível... Vendo-se limitados e circunscritos, eles o imaginam também circunscrito e limitado. Imaginando-o circunscrito, figuram-no quais eles são, à imagem e semelhança deles. Os quadros em que o vemos com traços humanos não contribuem pouco para entreter esse erro no espírito das massas, que nele adoram mais a forma que o pensamento. Para a maioria, é ele um soberano poderoso, sentado num trono inacessível e perdido na imensidade dos céus.”(12)

O Espiritismo nos dá outra visão. Deus é a suprema perfeição, causa primária de todas as coisas. Deus é infinitamente bom e justo e não castiga os seus filhos, os criou a todos iguais, sem nenhum privilégio . Ao contrario, os criou no início simples e ignorante, destinado a alcançar, por seu próprio esforço, a perfeição e a felicidade. Dotou o homem do livre-arbítrio para que cada um possa caminhar com liberdade de ação para aprender com o próprio erro. Tendo a consciência das conseqüências de seus erros, ele não só aprende como se propõe a corrigi-los, utilizando-se da misericórdia divina, nos processos de resgate e reajustamento em novos processos reencarnatorios. A expiação é, assim, a alavanca que move o espírito estacionário ao caminho da perfeição.

Bibliografia:

1 Kardec, Allan, “Céu e Inferno” CAPÍTULO VIII Expiações Terrestres Marcel, o menino do nº 4 (continuação)

2 Marques, Leonardo A. História das Religiões e a Dialética do Sagrado. Madras, 2005

3 Alcorão 12: 53 Kardec, Allan,

4 Gyatso, Geshe Kelsang Introdução ao Budismo.

5 Stoddart William, O Hinduísmo.

6 Compêndio do Catecismo da Igreja Católica n. 76 e 77

7 Revista Eclesiástica Brasileira Vol. 43 - Fascículo 172, Lutero Entre a Reforma e a Libertação

8 Grudem, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

9 Shedd Willian, Teologia Sistemática

10 Ryrie, Charles Caldwell, Teologia Básica

11 Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 396.

12 Kardec Allan, A Gênese, cap.II,itens 21 e 22

Laurelucia Orive Lunardi

Junho / 2010

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