EDUCAÇÃO
(1ª parte) A EQUIPE
No dia 2 de abril, foi
neste dia, no ano de 1910, na pequena Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, que renascia
o filho do casal Maria João de Deus e João de Paula Cândido.
Seu nome de batismo
Francisco de Paula Cândido, mais tarde modificado para Francisco Cândido
Xavier, para neutralizar as perseguições sofridas pelo jovem Chico no órgão
público em que trabalhava pelo fato de ser espírita.
Nesta nossa homenagem,
vamos nos ater a um aspecto que, com certeza, teve muito a ver com as vitórias
espirituais alcançadas por Chico nesta recente existência e o consequente
cumprimento e ampliação da missão que viera desempenhar em nossa dimensão.
É justamente aquele que
ressalta a presença austera do espírito Emmanuel ao lado do médium.
Muitas foram as situações
em que a palavra de Emmanuel refreou os ímpetos de Chico ante as situações
instigantes que se apresentavam.
E isso certamente tem a
ver com as condições estabelecidas pelo instrutor espiritual em fins de 1931,
quando Chico o viu pela primeira vez, aos vinte e um anos, após quatro de
exercício continuado da mediunidade.
Recordando aquele dia,
Chico contava:
“Orava sob uma árvore junto ao Açude, pitoresco
local na saída de Pedro Leopoldo, para o norte quando, vi, à pequena distância
uma grande cruz luminosa. Pouco a pouco, dentre os raios que formava, surgiu alguém.
Era um espírito simpático, envergando túnica semelhante à dos sacerdotes, que
me dirigiu a palavra com carinho”.
Não se sabe o que teriam
conversado naquele crepúsculo, mas conta o Médium que foi esse o seu primeiro
encontro com Emmanuel, na vida presente. E acentua que em certo ponto do
entendimento o orientador espiritual perguntou-lhe:
– Está
você realmente disposto a trabalhar na mediunidade com o Evangelho de Jesus?
– Sim, se os bons Espíritos não me abandonarem... –
respondeu o Médium.
– Não
será você desamparado, – disse-lhe Emmanuel – mas para isso é preciso que você trabalhe, estude e se esforce
no bem.
– E o senhor acha que estou em condições de aceitar
o compromisso? – tornou o Chico.
–
Perfeitamente, desde que você procure respeitar três pontos básicos para o serviço...
Porque o protetor se
calasse, o rapaz perguntou:
– Qual é o primeiro?
A resposta veio firme:
–
Disciplina.
– E o segundo?
–
Disciplina.
– E o terceiro?
–
Disciplina.
APRENDENDO A SE DISCIPLINAR
O Benfeitor Emmanuel
realmente falava sério, pois não só no que tange à mediunidade de Chico, mas às
suas reações ante as situações da vida, passaram a ser objeto de severo controle.
Ainda em 1931, um fato
demonstra bem isso.
Lembrando a situação,
Chico narra:
... Certa noite a nossa reunião havia terminado mais ou
menos de manhã – uma hora da madrugada, quando voltei para a nossa residência.
Ao abrir a porta, encontrei, então, uma situação muito desagradável. É que a
nossa casa contava com dois gatos muito queridos e eles haviam naturalmente,
naquela noite, sofrido uma, vamos dizer, indigestão e tinham deixado nossa sala
num estado muito difícil, porque estava muito suja. Os gatos haviam defecado
num espaço relativamente grande da sala. Então, sentindo as emanações daquelas matérias
que estavam espalhadas pelo chão, me lembrei da moça que trabalhava conosco em
nossa casa, na cozinha, e pensei comigo mesmo:
“Vou chamar essa nossa companheira de serviço e
pedir-lhe que faça uma limpeza de manhã, uma limpeza correta, porque a sala
está numa situação muito desagradável.”
Então, no mesmo instante,
vi nosso Emmanuel como que materializado ao meu lado dizendo:
– “Mas
você, que vem de uma reunião espírita cristã, que tratou do Espiritismo em nome
de Jesus Cristo, em nome de Allan Kardec, está fugindo da sua obrigação,
exigindo que uma pobre menina que já está fatigada por haver trabalhado com
panelas, nos tanques, para que não te faltasse comida, para que não faltasse à
família roupa lavada, você vai exigir que ela venha limpar esta sala quando é
sua obrigação limpar este chão e restituí-la tão limpa à família como você
ensina no Centro Espírita? Você vai pegar um pano, vai trazer água, sabão e vamos
lavar.”
Fui buscar água, sabão,
pano e fomos lavando. Ele perto de mim. Quando achava que já estava terminada a
tarefa, ele dizia:
– “Não,
a sala tem odores desagradáveis, tem que lavar direitinho, de maneira que ninguém
nem saiba que os gatos a sujaram”.
Então, tive que deixar a
sala bem limpa, porque ele disse:
– “No
Espiritismo a pessoa tem que começar estudando nos grandes livros e começar
também lavando as privadas, trabalhando, fazendo sopa, ajudando os que estão
com fome, lavando as feridas de nossos irmãos e distribuindo aquilo que for
possível, porque se nós não tivermos coragem de ajudar na limpeza de um banheiro,
de uma privada, nós também estaremos estudando os grandes livros da nossa
Doutrina, em vão”.
A INESQUECÍVEL PERGUNTA
O “Parnaso de Além Túmulo”, com carinhoso entusiasmo
de Manoel Quintão, foi lançado em julho de 1932.
No mesmo mês, o padre
Júlio Maria, de Manhumirim, em Minas, no seu jornal “O Lusíada” escreveu áspera
crítica, condenando o livro e o Médium.
Dentre outras coisas dizia
que o Chico devia possuir uma pele de rinoceronte para caber tantos espíritos.
Os comentários irônicos e
as acusações gratuitas eram tantas que o Médium, inexperiente e muito jovem
ainda, se sentiu demasiadamente chocado e foi constrangido a buscar o leito.
– “Então, a luta era aquela? – pensava, com dor de
cabeça. – Valia a pena ser médium e ficar exposto, assim, ao juízo temerário
dos outros? Seria justo aguentar aqueles xingatórios quando estava possuído das
melhores intenções?”
Por mais de duas horas se
via em semelhante contenda íntima, quando viu Emmanuel ao seu lado.
Emmanuel, porém, de pé,
com severa fisionomia, falou-lhe firme:
– Mas
eu não vejo razão para solenizar este assunto...
– Entretanto, o senhor está vendo... O padre disse que
eu tenho uma pele de rinoceronte... – clamou o Médium.
– Se não
tem, precisa ter, - disse-lhe o protetor – porque se você quiser cultivar uma
pele muito frágil, cairá sempre com qualquer alfinetada e não nos seria possível
a viagem da mediunidade nos caminhos do mundo...
– Contudo, temos o nosso brio, a nossa
dignidade – acrescentou o Chico – e é difícil viver com o desrespeito público.
Foi então que Emmanuel o
fitou com mais firmeza e exclamou:
–
Escute. Se Jesus que era Jesus, saiu da Terra pelos braços da cruz, você está esperando
uma carruagem para viver entre os homens?
NUNCA ESTAMOS SÓS
Em meados de 1932, o “Centro
Espírita Luiz Gonzaga” estava reduzido a um quadro de cinco pessoas, José
Hermínio Perácio, D. Carmen Pena Perácio, José Xavier, D. Geni Pena Xavier e o
Chico.
Os doentes e obsidiados
surgiram sempre, mas, logo depois das primeiras melhoras, desapareciam como por
encanto.
Perácio e senhora,
contudo, precisavam transferir-se para Belo Horizonte por impositivos da vida
familiar.
O grupo ficou limitado a
três companheiros.
D. Geni, porém, a esposa
de José Xavier, adoeceu e a casa passou a contar apenas com os dois irmãos.
José, no entanto, era
seleiro e, naquela ocasião, foi procurado por um credor que lhe vendia couros,
credor esse que insistia em receber-lhe os serviços noturnos, numa oficina de
arreios, em forma de pagamento.
Por isso, apesar de sua
boa vontade, necessitava interromper a frequência ao grupo, pelo menos, por
alguns meses.
Vendo-se sozinho, o Médium
também quis ausentar-se. Mas, na primeira noite, em que se achou a sós no
Centro, sem saber como agir, Emmanuel apareceu-lhe e disse:
– Você
não pode afastar-se. Prossigamos em serviço.
– Continuar como? Não temos frequentadores...
– E nós?
– disse o espírito amigo. – Nós também precisamos ouvir o Evangelho para
reduzir nossos erros. E, além de nós, temos aqui numerosos desencarnados que
precisam de esclarecimento e consolo. Abra a reunião na hora regulamentar,
estudemos juntos a lição do Senhor, e não encerre a sessão antes de duas horas
de trabalho.
Foi assim que, por muitos
meses, de 1932 a 1934, o Chico abria o pequeno salão do Centro e fazia a prece
de abertura, às oito da noite em ponto.
GANHANDO CONHECIMENTOS E EXPERIÊNCIA
Em janeiro de 1933, alguns
meses depois de haver sido lançado o “Parnaso de Além-Túmulo” e quando Chico ainda trabalhava na condição de
caixeiro do pequeno armazém do Sr. José Felizardo Sobrinho, em Pedro Leopoldo,
teve sua casa visitada pelo Dr. José Álvaro Santos, que, então, residia em Belo
Horizonte.
Lembra Chico que o
distinto poeta e escritor, lera o livro dos poetas desencarnados e queria
conhecê-lo.
Morávamos então, – família numerosa que éramos, – numa
casa pequenina e prestes a cair, enquanto que, de minha parte, trabalhava de
sete da manhã às oito horas da noite, fosse atendendo o balcão, ou entregando
mercadorias a domicílio, com o salário de quarenta cruzeiros (naquele tempo
quarenta mil réis) mensais.
O Sr. José Álvaro Santos
comoveu-se com nossa situação e disse a meu pai que estimaria obter-me um
emprego conveniente na capital mineira, mas, para isso considerava necessário
que o acompanhasse, a fim de colocar-me em contato com amigos belorizontinos.
Deveria segui-lo para o
tentame, permanecendo, ao seu lado, pelo menos três meses. Meu pai, certa
manhã, conversou comigo, falando das melhoras materiais em perspectiva. Nossa
família lutava com dificuldades, enquanto que eu, aos vinte e um anos de idade
me fizera maior e podia alcançar ordenado mais rendoso.
Nada respondi e, mais
tarde, à noite, no momento preciso de minhas orações, pedi a Emmanuel alguma
opinião, a respeito do assunto. Nosso benfeitor espiritual esclareceu-me que o
plano era impróprio e que me cabia o dever de continuar empregado onde me
achava, pois, o amparo de que precisávamos viria do Alto no momento oportuno.
Firmei a resolução de não
me afastar da família, entretanto, no dia seguinte, meu pai insistiu. Não era
justo que me negasse à melhora de nível. Contava comigo. As possibilidades em
Belo Horizonte eram grandes.
Sentindo de perto as lutas
materiais de meu pai, sensibilizei-me e voltei à oração, rogando a Emmanuel
novo conselho.
O nosso grande amigo
espiritual fez-se visível para mim e falou francamente:
– “A
tentativa é inoportuna e desaconselhável, mas não desejamos que contraries teu
pai. Já que a situação se mostra assim tão difícil, podes perfeitamente seguir
para Belo Horizonte, onde ganharás conhecimentos e experiências de que muito
necessitas.
Não
abandones a prática da oração.
Estaremos contigo, através
da prece.”
Desde esse aviso, a medida
precipitou-se.
Meu pai conseguiu três
meses de licença no armazém, em que eu servia e rumei com o Sr. José Álvaro
Santos para a capital mineira que, até então, não conhecia. Ele me hospedou
numa chácara, pertencente a conhecido médico de Belo Horizonte, que cedera a
vivenda ao estimado escritor e à sua família, para descanso, por algum tempo.
O escritor que tanto
desejou proteger-me aproximou-me não só da família dele, à qual me liguei por
laços de grande estima, como também de alguns intelectuais da capital de Minas.
Achei-me de improviso num
ambiente que não conhecia. Muitos livros e elevadas conversações literárias.
Meu protetor me apresentava na condição de médium do “Parnaso de Além-Túmulo” e
as visitas, segundo creio, julgavam que eu fosse pessoa de muita cultura.
Eu, naturalmente, ouvia as
conversações em silêncio ou respondia a essa ou aquela pergunta por
monossílabos. Não sabia eu, então cousa alguma sobre os autores principalmente
europeus, que eram citados nas palestras.
Lembro-me que falavam
muitas vezes sobre trabalhos de Crookes e Richet quando se referiam a
investigadores da mediunidade e comentavam poesias e trabalhos de Baudelaire,
Musset e outros poetas cujos nomes não guardei na lembrança, além de vários
poetas brasileiros como Bilac, Alberto de Oliveira, Augusto dos Anjos e Cruz e
Souza.
Pelo tom das palestras
percebi que a maior parte dos visitantes me supunham o autor do “Parnaso”.
Como eu receava cometer
disparates em meio de amigos tão cultos, permanecia quase que em absoluto
silêncio.
Nesse clima de carinho
esperei, em vão, pelo suspirado emprego em Belo Horizonte.
Por mais procurasse
auxiliar-me, através de várias apresentações aos amigos, meu benfeitor não
conseguiu colocar-me no tempo previsto.
De minha parte, não
poderia ficar esperando por mais de três meses.
Quase findo o prazo de
minha esperança de achar trabalho na capital de Minas, acompanhei o Sr. José
Álvaro Santos para sua residência em Lagoa Santa, onde me despediria dele para
o regresso a Pedro Leopoldo.
Meu benfeitor partiu,
realmente, para o Rio, enquanto me demorei na referida cidade, mais algumas
horas aguardando condução para Vespasiano, de onde seguiria para minha terra,
num comboio da Central do Brasil.
Enquanto aguardava, dois
amigos me procuraram. Antes de tudo, perguntaram pelo meu protetor,
verificando-lhe a ausência.
Um deles me disse, então,
que um emprego para mim, em Belo Horizonte, estava sendo obtido. Não só o
emprego, mas também os recursos para que eu me instruísse convenientemente.
Além disso, outras vantagens surgiriam beneficiando todo o meu grupo familiar.
Lembrei-me de meu pai,
contando comigo, e senti imensa alegria. Sim, iria trabalhar e depressa...
Mas quando mostrei meu
grande contentamento, o portador do comunicado me disse que havia condições.
Para obter a colocação, eu deveria renunciar ao Espiritismo e dizer que o livro
“Parnaso de Além-Túmulo” era meu mesmo e não dos
Espíritos.
Neguei-me a concordar.
Expliquei de que modo os Espíritos haviam escrito o livro por minhas mãos.
O proponente sorriu e me
disse:
–
Chico, você conhece um passarinho chamado sofrê?
Disse que não, ao que ele
acentuou:
– O
sofrê é um pássaro que imita os outros. Você nasceu com a vocação desse
passarinho entre os poetas. Não acredite em Espíritos. Esses poemas que você
julga psicografar são seus, somente seus.
Muito triste e
desencantado com o que ouvia, pensei em Emmanuel e como se eu ligasse uma
tomada nos ouvidos para a voz dele, escutei-o, ao meu lado:
– Sim,
volte a Pedro Leopoldo e procuremos trabalhar. Você não é um sofrê, mas precisa
sofrer para aprender.
(Continua)
Nota: Por uma falha de revisão, na
edição anterior, omitimos o nome do autor da matéria: RUBENS SANTINI.
“INFORMAÇÃO”:
REVISTA
ESPÍRITA MENSAL
ANO XXXIV N° 401
FEVEREIRO 2010
Publicada pelo Grupo Espírita “Casa do Caminho” -
Redação:
Rua Souza Caldas, 343 - Fone: (11) 2764-5700
Correspondência:
Cx. Postal: 45.307 - Ag. Vl. Mariana/São Paulo (SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário